Uma colhedeira de cana necessita de 3 operadores qualificados, 6 tratoristas igualmente qualificados e 9 motoristas de caminhão pesado, também qualificados.
Ou seja, uma única máquina que, como dizem seus opositores, tira 80 empregos de bóias-frias sem nenhuma qualificação, exige nada menos que 18 profissionais bem treinados e qualificados para sua operação direta. Agora, falamos aqui de 1 colheitadeira (sinônimo gaúcho para colhedeira), 3 tratores de grande porte, com tração nas 4 rodas e 9 caminhões com suas carretas. Esse pequeno parque de máquinas demanda por si só toda uma estrutura de atendimento especializado, não só na usina como também nas cidades próximas. Vale dizer que esses profissionais são bem melhor remunerados que os cortadores de cana que, felizmente, hoje ganham muito mais que antigamente. A conseqüência direta da existência de trabalhadores com melhor remuneração é a criação ou a expansão de serviços diretos para eles nas cidades, indo muito além da categoria “donos de botecos de periferia”.
As usinas, porém, têm dificuldades em encontrar profissionais treinados. Um grupo delas, por sinal, organizou um esquema para formação e aperfeiçoamento da mão-de-obra que necessitam, ao largo de entidades que até funcionam no nível do chão, mas não conseguem funcionar nos andares superiores que o mercado de hoje exige.
Esse é apenas um entre muitos outros exemplos na área rural. Quem conhece e vive no interior, sabe que as pessoas têm verdadeira ojeriza ao trabalho na lavoura, principalmente os jovens. A preocupação mais imediata de todas as famílias é criar condições para que os filhos trabalhem “na cidade”. Já nas cidades, a vida no campo é idealizada, é enxergada como algo bucólico, romântico, bonito, suave...
Quanta ignorância! Nada mais distante do bucólico e suave que o trabalho na roça ou com o gado. Além de pesado, duríssimo – mesmo quando existem máquinas de monte – e extenuante, ele precisa ser realizado todos os dias do ano, com chuva, sol, neblina, garoa, frio, calor, poeira, lama, não importa. E, no campo, o frio é mais frio e o calor é muito mais calor.
Então, as famílias interioranas querem tudo para seus filhos, menos o trabalho no campo. Já nas cidades, os povos urbanos querem que as famílias dos povos rurais recebam pequenos lotes de terra para viverem felizes para sempre. Bom, isso não existe. Dessas famílias que recebem seus lotes e passam a ser chamadas de assentadas, uma parte delas, por enquanto, vende ou transfere seus lotes, mesmo sendo isso proibido, e voltam para as periferias das cidades, ao lado dos botecos, dos mercados, do tititi com os vizinhos, da agitação da cidade mesmo que minúscula. Outra parte, tendo sorte, arrenda seu lote para uma usina ou um vizinho maior, que passa a cultivá-lo da forma que a agricultura moderna e produtiva demanda. Outra parte, finalmente, permanece na terra, estagnada, reproduzindo no próprio lote o miserê urbano do qual saíram. Uma pequena parcela produz e prospera, mas é pequena e, pasmem, mal vista pelos vizinhos e, sobretudo, pelas direções dos diferentes movimentos de “companheiros” “sem terra”. E haja aspas...
Bom, e o que tem a ver a colhedeira de cana com esse quadro de “sem-terras” (já virou um substantivo, repararam?) e sem-futuro?
Eu diria que muito. E tem a ver, também, com a falta de padeiros e açougueiros, carpinteiros e encanadores, marceneiros e eletricistas. O mercado brasileiro é carente de profissionais de nível médio. De nível superior também, apesar da abundância de “formados”. As redes de supermercados reclamam a inexistência de açougueiros, padeiros, confeiteiros, peixeiros, estoquistas e outros. A saída é elas próprias formarem esses profissionais.
As indústrias também sofrem com a falta de profissionais nas áreas operacionais. A complexidade das máquinas e operações exige o grau médio, mas... Bom, indústrias, varejo e usinas e fazendas têm que se contentar com o grau fundamental e nada mais. Fica para elas a complementação da formação das pessoas, de forma que possam ler um manual simples e aprender a operar máquinas e equipamentos.
Paradoxalmente, quando uma vaga para nível superior é aberta, tudo muda. A mesma rede varejista que não encontra peixeiros e açougueiros, padeiros e confeiteiros, estoquistas e operadores de empilhadeiras, abre 20 vagas para trainees e aparecem nada menos que 38.000 candidatos.
Todos com nível “superior”.
Enquanto isso, prevalece a imagem do operador de colhedeira sozinho em sua máquina, num deserto de gente. Verdadeira na foto, falsa no significado.
E as usinas continuam esbarrando na falta de mão-de-obra qualificada para aumentarem suas operações.
O que acontece com o Brasil?
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4 comentários:
Sinceramente não sei te responder, mas pergunta ao nosso presidente e ele logo providenciará o Ministério das Colhedeiras e o das Colheitadeiras, isso sem falar do Ministério dos Estados , do Presente e do Passado. Abraços, Maria Helena
Caro Emerson
Volta e meia dou uma lida nos seus posts. Incisivos, e o que eu os considero. Tempos atras, havia comentado a respeito da vinda do Beckham aos EUA e ao "soccer" em geral por aqui. (so para relembrar)
Mas o assunto deste post me interessa demais.
Nasci em uma pequena fazenda em Itapiranga, SC. Ate os 17 anos (quando conclui o meu 2o Grau) trabalhei com meu pai na lavoura, e sei exatamente o que dizes a respeito do trabalho rural, e a maneira utopica com a qual o mundo urbano se refere a vida no campo. (mas isso nao ocorre somente no Brazil; e mais intenso ainda nos EUA, onde os residentes de zonas rurais sao tratados como modelos de cidadao, honestidade e boa conduta, com uma forca politica consideravel).
Em referencia a sua pergunta a respeito da mao de obra, tenho algumas consideracoes:
1) O brasileiro em geral procura um "trabalho", ou emprego, e nao uma profissao. Parte desta mentalidade pode ser atribuida a alta incidencia de desemprego. Melhor ter algo que nada!
2)A outra parcela de culpa e mais incidente sobre a populacao em geral. Procura-se diplomas, e nao educacao. A grande maioria dos formandos nao sabe absolutamente nada; nao sabem ingles nem portugues, nao sabem Excel, nao sabem escrever, nao entendem bulufas de politica e muito menos de estrategia, e nem me fale de financas. Mas se acham no direito de ter um emprego, ja que sao diplomados.
Em ingles isto tem nome: "entitlement mentality." Quer dizer, a responsabilidade por educacao, aprimoramento profissional etc... e sempre ou do governo, ou das empresas, menos do individuo. E uma das grandes razoes porque multinacionais americans relutam em estabelecer grandes contingentes de funcionarios na America Latina. As pessoas se acham no direito de ter um salario alto, decimo terceiro, pensao, seguro de saude pago, alimentacao, vale-transporte, e e claro, uma alta indenizacao caso demitido. Mas em contrapartida nao se empenham e nao se alinham com o objetivo maximo de qualquer empresa, que e o lucro.
Mas isto e conversa para outro topico.
Hummmmmmmm...
Henrique, adoramos direitos e detestamos deveres.
Perseguimos nossos direitos e evitamos nossos deveres.
Acreditamos, sim, em almoços grátis, desde que alguém pague a conta.
:o)
Essa carinha de sorriso deveria ser essa: :o(
Mas sorrir e aceitar é parte de nosso DNA. Resta saber até quando.
Pois e...
a distincao entre direito e dever e clara demais... deveria ser assim? Ja nao sei mais..
E o almoco gratis sempre tem um preco... a diferenca esta no "timing"
Henriuqe
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