Acordei há pouco.
Madrugada de algum dia?
Nada, simplesmente fim da tarde de sábado.
Então, o que terá me levado a tão estranha – para mim – e saudável prática?
A feijoada saboreada em almoço tardio, como convém aos almoços sabatinos.
Concordo que a feijoada não é o mais adequado ou saudável dos pratos. Particularmente a feijoada que eu gosto, aquela que é tradicional e não comporta nenhum acréscimo ao seu nome.
Feijoada é feijoada. Ponto.
Isso significa um prato em total desacordo com a moda dos dias que correm, em que a insalubridade do estilo de vida moderno e urbano tenta ser neutralizada por uma ultra-salubridade na comida. A velha e saborosa feijoada é presa fácil dessa sanha modernista e avessa aos sabores e cheiros.
Pé-de-porco, orelha, rabo, pele, tudo de porco, tudo salgado, tudo devidamente dessalgado de véspera. Sem essas “coisas”, cujo simples nomear assusta e repele hordas de neo-consumidores, não há feijoada que preste, não há feijoada digna desse nome. À lista citada faltou o sagrado torresmo, que para mim só tem valor se tiver largos pedaços de pele na sua forma pururuca. Pois, do torresmo, o que eu mais gosto é a pururuca, tanto que como dois ou três inteiros e dos demais, com jeito, paciência, garfo e faca, tiro a gordura e os nacos de carne, deixando apenas a pururuca pura, pura pururuca. Quando criança, minha avó fazia baciadas de pururuca na fazenda, e eu comia até me fartar. Como a pururuca era boa e popular! Hoje anda esquecida e quando lembrada o é só para ser estigmatizada. Tristeza de mundo bobo.
E assim foi a feijoada de hoje. Uma baciada dessas carnes ficou de molho na água de ontem para hoje, para tirar o excesso de sal. E logo cedo foram para o fogo. Curiosamente, a Sra. Cozinheira, a Rosa, fez duas feijoadas: uma, comme il faut e já descrevi, e a outra como gostam as pessoas nas cidades, principalmente. Entre elas meu filho e a namorada e a própria Sra. Cozinheira. Essa outra feijoada é a chamada light, tem pouca, quase nenhuma gordura, e os pertences de porco nem pensar. Só leva carnes nobres: paio, costelinha defumada, carne-seca magra, coisas assim. E alguns poucos pedaços de toucinho, devidamente postos ao lado dos pratos pelos comensais. Nem provei dessa uma, mas da verdadeira comi um bom prato, seguido por outro menorzinho, em pura homenagem à gula e ao prazer. E, por que não, à Sra. Cozinheira. Não estranhem essas iniciais maiúsculas. Estão aqui porque são merecidas.
A feijoada, se dispensa nomes complementares, carece, por outro lado, de alguns complementos. O arroz branco é o mais óbvio e natural entre todos, mas não somente ele. Farinha de mandioca, ou farofa, e pimenta são essenciais. Dispenso o famoso “molho de feijoada”, mera invenção de restaurantes sem respeito com a tradição. Mas até aceito, embora não use, o molho vinagrete, invenção paulistana surgida sei lá como ou porque. Para a feijoada basta a pimenta, a farinha e o arroz. A couve refogada e pedaços de laranja também são aceitáveis, para mim mais a laranja que a couve, verdura meio sem graça para o meu gosto, mesmo quando refogada com pequenos pedaços de toicinho, quando fica ainda melhor do que com toucinho.
Sou meio avessa a acompanhar feijoada com bebidas. Gosto da caipirinha antes, por sinal obrigatória, parte sagrada do ritual. E com muito, muito gelo, além de bem adoçada. Para acompanhar essa comida o ideal é a água pura e simples, devidamente gelada. Quando muito, Coca-cola, que, verdade ou mito, acho que ajuda a digestão (e talvez pelo simples fato de acreditar nisso deve ajudar mesmo). Cerveja não está fora de cogitação, mas não me agrada. Estufa demais, se é que vocês me entendem. Sim, acho que entendem.
Tão boa foi a feijoada que sequer lembrei-me do café.
Minha única lembrança e desejo foi deitar, ler um pouco e cochilar um pouco.
E foi o que fiz.
Por isso, feijoada que se preza é saboreada aos sábados, seguida por um bom descanso na cama, lendo e dormindo, ou só dormindo.
Bom dia!
Ops, digo, boa noite a todos.
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2 comentários:
Caro Emerson,
Tour de force de texto, tour de force de feijoada "old school". Parabéns aos dois autores.
"Neo-consumidor"?
Simplesmente genial!
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