quarta-feira, outubro 04, 2006

O Caçador e o Kilimanjaro

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Garoto, e depois adolescente, passava muitas horas na Biblioteca Municipal do Ipiranga. Meu pai levou-me lá quando eu tinha 8 anos de idade, e fez uma ficha em seu nome, para o meu uso. Eram outros tempos. O ônibus para lá demorava meia hora. Para poder chupar um sorvete, eu voltava a pé, carregando dois livros e o dinheiro da passagem. Chegando em casa, comprava o sorvete e começava a ler um dos livros, enquanto chupava o picolé de limão ou chocolate. São Paulo, naqueles distantes 62, 63, permitia esse tipo de loucura, inimaginável hoje.

Minhas buscas eram simples: muita ficção, claro, e livros de aventura, livros “de” fazenda, livros sobre animais. Foram muitos os livros que descobri nesse período, entre eles “Expedição Moana”, “Aku-Aku”, “A expedição Kon-Tiki”, o fantástico, para um garoto/adolescente, “O mundo perdido” de Conan Doyle, e tantos outros.

E um dia achei um livro que me cativou, um dos livros inesquecíveis da minha vida: “O Caçador”, de John Hunter, um escocês que viveu no Kenya, onde foi caçador profissional e depois agente do Departamento de Caça.

John saiu da Escócia jovem e foi pro Kenya. Ali virou caçador profissional, matando leões para vender a pele, matando elefantes para pegar as presas e matando muitos outros animais, como rinocerontes, gazelas, leopardos, búfalos...

Era um outro tempo, um outro mundo. Muitas de suas vítimas tinham, por sua vez, vitimado pessoas e animais domésticos dos nativos. Leões “assassinos” – tais como Ghost e Darkness, retratados com maestria no filme com Val Kilmer e Michael Douglas, eram comuns. Elefantes que destruíam as colheitas e matavam nativos, também. Enfim, era um outro mundo, muito melhor que esse, muito pior que esse. Cada tempo com seu próprio jeito e seus problemas.

A leitura de “O Caçador” é fascinante. As histórias são ricas e nos transportam para uma África que o próprio Hunter, já no começo dos anos 50, dizia não mais existir. Imagine-se hoje.


Uma das fotos que ilustram o livro mostra o magnífico Kilimanjaro, no final dos anos 40, com um rinoceronte em primeiro plano num trecho de capim em meio à savana rala. O pico está todo coberto de neve. O aquecimento global ainda é uma expressão desconhecida.






O Kili em 1970...




... e a mesma visão no ano 2000



Hoje, vários estudos indicam que a camada de neve no cume do Kili não chega a 2015. Se bobear, não chega nem a 2010.

E não é apenas o aquecimento do planeta que provoca isso, mas também a alteração, para menos, no regime de chuvas no leste da África. Dramático e triste.


O Kilimanjaro em 2003






A leitura, nem vou chamar de releitura tão diferente é a leitura de hoje comparada
às leituras que fiz desse livro há mais de 30 anos, de “O Caçador” aprofunda minha tristeza.

P.s.: a título de curiosidade, “hunter” significa caçador; no caso do autor, nome, hobby e profissão juntaram-se numa só palavra.


Amanhecer de um dia em 2004 a caminho do pico...


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7 comentários:

Cora disse...

Quando eu era criança, um dos meus livros favoritos era As Minas do Rei Salomão. Há coisa de dois, três anos, arrumando uma estante lá no sítio, dei com ele, e quis matar as saudades. Não consegui passar do primeiro capítulo: "Tivemos um dia magnífico,matamos cinco tigres..." não é mais um tipo de frase que eu queira ler. Por outro lado, este ano mesmo passei por uma fase aguda de exploradores africanos. Li o Livingstone, o Stanley, o Specke e meia dúzia de outros livros sobre eles.

Essas fotos do Kilimanjaro são de cortar o coração. A África toda, aliás, é de cortar o coração. Um dos maiores crimes cometidos pela Humanidade é a destruição da memória coletiva dos elefantes que, há milênios, atravessavam o continente. Hoje as manadas que sobrevivem são prisioneiras de santuários ecológicos -- e podia ser pior.

Ô mundo.

Abdo disse...

Bom dia.
tenho este livro e realmente é muito bom. É uma ferramenta de comparação do antes e do agora.

eloir mario marcelino disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Prezado Emerson:
Acessei seu blog em 07/04/15, por curiosidade. Meu caso é idêntico, havia lido o livro quando jovem e consegui lê-lo novamente em 2014.
Há um exemplar na Biblioteca Mário de Andrade, mas não é circulante.
Consegui um volume através da Livraria do Brandão (Melhor sebo do Brasil).
Verifiquei hoje, no site Mercado Livre, que há a oferta de um volume.
Esta informação pode interessar a você e ao Eloir Mario Marcelino, que também comentou seu artigo.
Abraços, José Cláudio Guaraldo.

Emerson Gonçalves disse...

Olá, José Cláudio Guaraldo, boa noite.

Grato pela visita e pelo comentário.

Felizmente, há muitos anos achei "O Caçador", também num sebo ou talvez pelo Mercado Livre, já não recordo - mas é quase certeza ter sido num sebo.

Acabei por reler esse post que em outubro completará 9 anos e percebi que é o momento de conferir como estão as neves do Kilimanjaro - que é também título de um livro do Hemingway, que foi adaptado para o cinema com sucesso.

Abraço,


Emerson

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Olá, bom dia! Alguém saberia me informar onde encontro um exemplar desse livro? Muito obrigado!