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Garoto, e depois adolescente, passava muitas horas na Biblioteca Municipal do Ipiranga. Meu pai levou-me lá quando eu tinha 8 anos de idade, e fez uma ficha em seu nome, para o meu uso. Eram outros tempos. O ônibus para lá demorava meia hora. Para poder chupar um sorvete, eu voltava a pé, carregando dois livros e o dinheiro da passagem. Chegando em casa, comprava o sorvete e começava a ler um dos livros, enquanto chupava o picolé de limão ou chocolate. São Paulo, naqueles distantes 62, 63, permitia esse tipo de loucura, inimaginável hoje.
Minhas buscas eram simples: muita ficção, claro, e livros de aventura, livros “de” fazenda, livros sobre animais. Foram muitos os livros que descobri nesse período, entre eles “Expedição Moana”, “Aku-Aku”, “A expedição Kon-Tiki”, o fantástico, para um garoto/adolescente, “O mundo perdido” de Conan Doyle, e tantos outros.
E um dia achei um livro que me cativou, um dos livros inesquecíveis da minha vida: “O Caçador”, de John Hunter, um escocês que viveu no Kenya, onde foi caçador profissional e depois agente do Departamento de Caça.
John saiu da Escócia jovem e foi pro Kenya. Ali virou caçador profissional, matando leões para vender a pele, matando elefantes para pegar as presas e matando muitos outros animais, como rinocerontes, gazelas, leopardos, búfalos...
Era um outro tempo, um outro mundo. Muitas de suas vítimas tinham, por sua vez, vitimado pessoas e animais domésticos dos nativos. Leões “assassinos” – tais como Ghost e Darkness, retratados com maestria no filme com Val Kilmer e Michael Douglas, eram comuns. Elefantes que destruíam as colheitas e matavam nativos, também. Enfim, era um outro mundo, muito melhor que esse, muito pior que esse. Cada tempo com seu próprio jeito e seus problemas.
A leitura de “O Caçador” é fascinante. As histórias são ricas e nos transportam para uma África que o próprio Hunter, já no começo dos anos 50, dizia não mais existir. Imagine-se hoje.
Uma das fotos que ilustram o livro mostra o magnífico Kilimanjaro, no final dos anos 40, com um rinoceronte em primeiro plano num trecho de capim em meio à savana rala. O pico está todo coberto de neve. O aquecimento global ainda é uma expressão desconhecida.
O Kili em 1970...
... e a mesma visão no ano 2000
Hoje, vários estudos indicam que a camada de neve no cume do Kili não chega a 2015. Se bobear, não chega nem a 2010.
E não é apenas o aquecimento do planeta que provoca isso, mas também a alteração, para menos, no regime de chuvas no leste da África. Dramático e triste.
O Kilimanjaro em 2003
A leitura, nem vou chamar de releitura tão diferente é a leitura de hoje comparada
às leituras que fiz desse livro há mais de 30 anos, de “O Caçador” aprofunda minha tristeza.
P.s.: a título de curiosidade, “hunter” significa caçador; no caso do autor, nome, hobby e profissão juntaram-se numa só palavra.
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7 comentários:
Quando eu era criança, um dos meus livros favoritos era As Minas do Rei Salomão. Há coisa de dois, três anos, arrumando uma estante lá no sítio, dei com ele, e quis matar as saudades. Não consegui passar do primeiro capítulo: "Tivemos um dia magnífico,matamos cinco tigres..." não é mais um tipo de frase que eu queira ler. Por outro lado, este ano mesmo passei por uma fase aguda de exploradores africanos. Li o Livingstone, o Stanley, o Specke e meia dúzia de outros livros sobre eles.
Essas fotos do Kilimanjaro são de cortar o coração. A África toda, aliás, é de cortar o coração. Um dos maiores crimes cometidos pela Humanidade é a destruição da memória coletiva dos elefantes que, há milênios, atravessavam o continente. Hoje as manadas que sobrevivem são prisioneiras de santuários ecológicos -- e podia ser pior.
Ô mundo.
Bom dia.
tenho este livro e realmente é muito bom. É uma ferramenta de comparação do antes e do agora.
Prezado Emerson:
Acessei seu blog em 07/04/15, por curiosidade. Meu caso é idêntico, havia lido o livro quando jovem e consegui lê-lo novamente em 2014.
Há um exemplar na Biblioteca Mário de Andrade, mas não é circulante.
Consegui um volume através da Livraria do Brandão (Melhor sebo do Brasil).
Verifiquei hoje, no site Mercado Livre, que há a oferta de um volume.
Esta informação pode interessar a você e ao Eloir Mario Marcelino, que também comentou seu artigo.
Abraços, José Cláudio Guaraldo.
Olá, José Cláudio Guaraldo, boa noite.
Grato pela visita e pelo comentário.
Felizmente, há muitos anos achei "O Caçador", também num sebo ou talvez pelo Mercado Livre, já não recordo - mas é quase certeza ter sido num sebo.
Acabei por reler esse post que em outubro completará 9 anos e percebi que é o momento de conferir como estão as neves do Kilimanjaro - que é também título de um livro do Hemingway, que foi adaptado para o cinema com sucesso.
Abraço,
Emerson
Olá, bom dia! Alguém saberia me informar onde encontro um exemplar desse livro? Muito obrigado!
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