sexta-feira, abril 01, 2005

Uma terra de muitas águas

Rio Mogi-Guaçu pouco antes da ponte velha na
cidade de Porto Ferreira

file:///C:/Documents%20and%20Settings/Cia% Posted by Hello


Uma terra de muitas águas


Gosto do Brasil. Coisa mais besta essa, né, começar um texto com uma frase assim, boba. Mas é verdade, gosto mesmo. Acho que o que mais gosto por aqui são as muitas águas das quais nos servimos. Outra coisa besta essa. Muitas águas... Lá pros lados do nordeste do país, um grande rio lentamente mingua, breve minguará mais depressa por força dos desejos ensandecidos de alguns que vão levar suas águas para o sertão. E no sul, bom, por lá a coisa andou feia até esses dias, a chuva não vinha, a água se acabava, as lavouras secavam, o gado passava sede e as cidades decretavam-se em emergência. O verde sul estava com cara de nordeste. Teimoso que sou, porém, continuo dizendo: essa é uma terra de muitas águas.

“Águas são muitas, infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.”
Pero Vaz de Caminha, em Carta a El Rey Dom Manuel, em abril de 1500.

Essas foram as reais palavras de Caminha, conforme pode-se ler nas versões fac-similares de sua Carta. Ao falar da terra, do irreal ainda que não incorreto “em se plantando tudo dá”, Caminha, com visão arguta, associa a promessa de maná à abundante presença de água.

Andando por aí afora, por esse mundão todo, tenho visto muita água. De todas, a mais preciosa é a aguinha que corre na parte de baixo do meu sítio. Dito isso por quem ainda há pouco navegava pelo Madeira, pelo Tapajós, de todos o mais bonito, pelo Amazonas incomensurável, sem falar no Paranazão, no Velho Chico, no Araguaia lindo na seca, do Tocantins... Mas é verdadeiro. Inda mais pra quem leu o poeta português. E quem não o leu?

Na matinha que divide o Sítio das Macaúbas das terras de três vizinhos, o Reatto, o Miro e os Gianduzzo, a água mina em abundância em vários pontos. Nas chuvas, cruzar esse território demanda bota de borracha de cano longo. Verdade seja dita, porém, nem há porquê cruzá-lo. Besteira, incomodar a água que nasce quieta pra que? Esses vários olhos-d’água dão origem a um pequeno córrego, que tem no máximo um quilômetro e já deságua no Rio Claro, alguns metros depois da minha divisa (divisa que em futuro incerto, mas que espero breve, será formada pelo próprio Rio Claro). Antes desse final, contudo, um pequeno represamento da água cristalina permite sua retirada pela bomba que a empurra lá pra cima, pro curral, pra horta e pras varandas da sede. Os Gianduzzo também se utilizam dela, mas, por graça da topografia, pra eles ela vai por gravidade. Sorte deles. (É, eu sei, “pra eles ela vai”... Mas foi assim que eu quis escrever e assim escrevi, acho que tem uma certa sonoridade, junto com o “dela” antes e o “deles” adiante.)

O Rio Claro é mais um riacho, um córrego, na Amazônia nem nome teria, pois lá seria insignificante. Mas para nós ele é importante. Inclusive pra cidade de Santa Rita do Passa Quatro. Coisa de 3 ou 4 km rio abaixo, ele é represado. Represa antiga, início do século XX, bonita. Represa de cartão postal, embora mais árvores em suas margens viessem a calhar. Finda essa represa, no degrau de baixo há uma outra, pequenina, e logo em seguida a Cachoeira de São Valentim, onde as águas do Rio Claro despencam 75 metros em queda livre. Não é pouca coisa e é uma queda muito bonita. Lá embaixo, um pouco depois do poço formado pelas águas, a antiga hidrelétrica de São Valentim. O recente risco de apagão e racionamento de eletricidade, provocou alguns estudos que mostraram a plena viabilidade de torna-la operacional novamente. Sua energia,ainda hoje, cobriria boa parte do consumo da cidade e da área rural. Entretanto, lá está ela, desativada e entregue ao olhar dos turistas. Cachoeira abaixo, o Rio Claro percorre uns 9 km talvez, pouco mais, pouco menos, e entrega suas águas ao Mogi Guaçu. Eitcha, rio danado de grande e bonito! (Aqui, né, pois lá pra Amazônia...)

E como esse Mogi tá bonito nesses últimos meses!

Gordo (com o erre bem caipira, redondo, meio longo e italianado ainda por cima, ou seja, paulista até a medula), bonito de se ver, a água saindo do leito e formando lagoas nas margens. Como todo rio deve ser no final das chuvas. Ou como deveria ser, já que o homem tem especial predileção por ocupar as várzeas com casas, lavouras, indústrias e depois, quando as águas reclamam seu chão, se comprazem em chorar e reclamar.

Nessa Páscoa, suas águas sob a ponte “velha” em Porto Ferreira estavam 4 metros acima do nível normal. Há coisa de uns trinta anos, quase quarenta, elas encobriram a ponte, passando, me parece, dos 7 metros acima do nível. Hoje, tal subida é difícil. Há menos água, claro, e mais saídas da água que existe. Mas, se isso ocorrese, muita gente ficaria sem moradias e locais de trabalho.

Há peixes ainda no Mogi. Bem menos hoje que há trinta e poucos anos. Ainda lembro com clareza dessa época. Embora não conhecesse esse rio, acompanhava as notícias sobre as mortandades de peixes. Houve uma, gigantesca, provocada pela descarga de uma grande quantidade de dejetos por uma indústria de papel e celulose colocada rio acima, que marcou época. O que morreu de peixe foi uma barbaridade sem tamanho. A coisa foi tão feia que virou um marco, assim como a poluição do ar em Vila Parisi, em Cubatão. A partir desse crime ambiental a legislação em São Paulo mudou. A fiscalização e a penalização também mudaram. Em conseqüência, apesar do brutal crescimento industrial do estado, e da interiorização das indústrias, poucas foram as notícias nessas décadas de mortes provocadas por dejetos industriais. Já os domésticos... Bom, mas esses são competência dos poderes públicos, logo...

Outro assassino aquático era o vinhoto ou garapão, o resíduo líquido final da produção de açúcar e álcool. Na mesma época, era comum seu despejo nos rios de todo o estado. Desde então, graças ao trabalho da pesquisa e à ação firme da agência responsável, todo o vinhoto passou a ser utilizado na adubação dos próprios canaviais. Bom para as usinas, bom para a cana e fantástico para o ambiente.

Como eu dizia, há peixes ainda no Mogi. Mas poucos e ariscos. Peixes nobres, como dourados e pintados, curimbatás e piaparas, tem pouco, muito pouco. Um vizinho, cujo nome não vem ao caso, aproveita essa cheia. Na vazante, as lagoas marginais secam rapidamente e milhares de peixes se debatem em busca de água e oxigênio. Ele aproveita a situação, captura um bocado deles e traz para a fazenda, soltando-os nos açudes. E aí passa a ter peixe pra pescar por mais 2 a 3 anos, até a próxima grande cheia do Mogi.

Antes de chegar em Porto Ferreira, o Rio das Cobras (mbói’i, em tupi-guarani) passa pela cidade do “Rumor dos Peixes”, ou Pirassununga, também em tupi-guarani. É ali que fica a Cachoeira de Emas, mais um degrau metido a besta que uma cachoeira propriamente dita. É, o Mogi já foi rio de muito peixe, tantos que até barulho faziam!

Nesse veranico de fevereiro, o ataque das cigarrinhas à braquiária dos piquetes me tirou um pouco do eixo e do sério. Acabei arando e gradeando um pedaço de terra. Ah, que raiva sinto agora ao ver aqui e ali pequeninos sulcos feitos pelas chuvas! Felizmente, o solo todo em breve estará coberto e assim permanecerá. Os sulcos não passarão disso, pequenos sinais de incúria e falta de planejamento. Sua ocorrência, por sinal, teve um aspecto positivo: forçou-me a pensar e planejar com mais cuidado o que fazer para alimentar as vacas já a partir de setembro próximo. E o plantio direto voltará a ser praticado no Macaúbas, tal como no começo.

A pequena mina intermitente que nasce na matinha que separa os piquetes dos pomares está com um bom volume de água. Meu sonho é pereniza-la. Quando conseguir, considerar-me-ei um bom agricultor. Mas, sei não, logo logo, com o fim das chuvas, ela também cessará. Mas vamos ver dentro de uns 7 anos.

Iniciei esse escrito pensando em falar do Rio Madeira, do Tapajós, do Araguaia, mas acabei falando do corguinho do sítio, da mina do sítio, do Rio Claro e do Mogizão. Mas é fácil entender o porquê:


“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.”


Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

.

6 comentários:

Anônimo disse...

Esse ficou um post bem português: começou com Pero Vaz de Caminha e terminou com Fernando Pessoa. Gostei dele.

:o)

Anônimo disse...

Gostei muito do texto também. Mas lembrei-me de seu blog lendo o jornal de hoje. Entre páginas e páginas de louvação ao Papa, está lá: "Durante encontro da Confederação Parlamentar da América, realizado em Havana no dia 04 de março, a representação do Brasil, composta por quatro deputados do PT, rejeitou a moção de repúdio às FARC pelo sequestro, há três anos, da senadora colombiana Ingrid Betancourt." Desculpem-me eu votei neles.

Emerson disse...

Não sabia dessa posição do Brasil. Muito triste. Infelizmente, é a posiçao oficial do país. Felizmente, não é a posição dos brasileiros que conhecem o assunto. E tampouco é a posição, atrevo-me a dizer, do povo como um todo, cuja esmagadora maioria não faz a mínima idéia do que seja farc, mas tem uma noção muito clara sobre o bem e o mal.

Anônimo disse...

Er.... Oi. Passei pra dizer que, nem com o golzinho de lambuja (ROUBADO, IMPEDIDO, COMPRADO!) que demos, o cianorte aguentou o tranco. Te prepara, tricolor. O Brasileiro vem aí...

Anônimo disse...

Hm. Ah. Passei pra dar um olá, depois de ontem. Nem com gol de lambuja deu pro time do... Como é mesmo o nome? Sei lá...

TIMÃO, Ê Ô!!!

Anônimo disse...

Ah, é. Já tinha postado. Fazer o quê, é doce o sabor do triunfo... Fala sério, ontem você não sentiu uma ponta de inveja por não ser corintiano?