A estrada estreita, uma curva em seguida à outra, me levava cada vez mais para cima. O sol forte e brilhante não chegava a esquentar, o frescor e a umidade da mata deixavam a temperatura agradável. Até que não tinha mais subidas, já estávamos no topo da serra, dali pra frente, se prosseguisse, começaria a descer no rumo do mar, no rumo de mundos diferentes em tudo daquele ali, no alto, as nuvens ao alcance dos dedos.
A estradinha de terra estava do lado esquerdo, entrada apertada. A estrada deserta permitia qualquer manobra mas entrei direto, só reduzindo um pouco a velocidade. A estradinha seguia em frente como se fosse um túnel, fechada pelos lados e pelo alto pela vegetação. Pouco depois a mata terminou. À minha frente, se estendendo por uns dois quilômetros, um vale bonito, tomado pelo capim dos pastos. Bem mais comprido que largo, à esquerda terminava em morros cobertos pela mesma mata, verde-escura e fechada. À direita, os morros mais suaves um pouco, estavam tomados pela pastagem, pontilhada aqui e ali por algumas vacas.
Parei o carro. A paisagem combinava com o silêncio e a placidez geral. As vacas pareciam não se mover, e os cantos dos passarinhos chegavam de longe, suavizados pelas árvores e misturados com o murmurejar gostoso da água do pequeno riacho escondido pelo capim. Os diferentes tons de verde combinavam com o azul intenso do céu. Um momento perfeito. Ainda não sabia, então, que aquele seria só o primeiro momento perfeito daquele dia. Lembro que, naquele momento, senti um pouco do perfume do capim-gordura.
Foi difícil voltar pro carro, ligar o motor e seguir para o fundo do vale, na direção da sede. Na verdade, por ali a gente não seguia para o fundo e sim para a cabeceira do vale. A sede, a casa do empregado, o curral pequeno e ajeitadinho estavam a cavaleiro do vale, encarapitados numa pequena elevação. Uma pequena subida, uma curva, outra subida curta e mais uma curva e parei em frente à sede, velha, com jeito aconchegante.
Não lembro do que conversamos. Mal e mal lembro, também, de ter andado um pouco pelo pasto, de ter entrado no curral, ter olhado uma vaca ou outra. Meus olhos se interessavam pelo conjunto, pela paisagem. O pasto não precisava de minhas passadas para saber que estava, como todos os outros, semi-degradado, precisando de matéria orgânica, precisando de adubo, precisando de proteção.
Fiquei feliz quando voltamos pra sede. Se espantaram comigo porquê não quis entrar e sentar na sala, preferi ficar sentado na varanda, de frente para o vale, sentindo o frio e um pouco da umidade do fim da tarde subindo e chegando, tomando conta do corpo. Mais de um café tomei não pra espantar o frio ou acompanhar os biscoitos, mas pra alongar o prazer. Que ficou maior quando a neblina apontou lá embaixo, justamente onde eu tinha parado e descido do carro pra admirar aquele pequeno mundo escondido do asfalto.
Ela chegou de repente, densa, como uma grande manta de algodão cinza claro, escondendo a paisagem, escondendo as árvores e logo em seguida escondendo o pasto e as vacas. Minutos depois, nós mesmos estávamos escondidos do mundo, envoltos por ela, a neblina do alto da Serra do Mar. Minha paixão por aquele vale só aumentou. Tudo que eu queria da vida, naquele momento, era me deixar ficar, acender o fogão a lenha, puxar um livro e deixar o tempo passar, conversar mais, ouvir mais histórias e estórias, deixar a vida seguir até o próximo nascer do sol, o desmanchar da neblina, e o renascer da paisagem.
Pena. Tudo que fiz foi entrar no carro e pegar o rumo de casa, na distante cidade grande. Tenho certeza que um pouco de mim ficou ali, naquele pequeno vale. Ou, quem sabe, foi um pouco dele que veio comigo e comigo está até hoje, tanto tempo passado, tantas sensações vividas, tantas paisagens vistas e aquele vale nunca perdido.
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