quarta-feira, abril 20, 2005

Andrei Gromyko e o Brasil

Movido por uma curiosidade extemporânea, mas muito forte, saio vasculhando estantes e armários na caça da biografia de Andrei Gromyko – “Memories – from Stalin to Gorbachev”.
Comprei esse livro em Cuba, já lá se vão 15 anos. Naquela época a URSS ainda vivia, estertorando, é bem verdade, mas viva ainda, sob o governo do camarada Gorbachev.
Esse Gromyko sempre me intrigou. O velho Politburo do PCUS era um ninho de víboras, onde a sobrevivência era algo muito difícil, obtida a duras penas. Sobreviver no governo, então, era mais difícil ainda, principalmente quando mudava o Secretário-Geral do Partido. Todavia, entrava ano, saía ano, veio Khrushchev, veio o longo reinado Brezhnev e depois Andropov, Chernenko e, finalmente, o último secretário-geral, Gorbachev, e lá estava Andrei Gromyko firme e forte à frente da política externa da União Soviética.
Um verdadeiro bagre ensaboado, no Brasil faria sucesso como político, assim como o companheiro Zé Ribamar e outros de longa vida junto ao poder.


Durante mais de 30 anos esse homem esteve no centro de tudo que aconteceu no mundo, já que ele viveu toda a Guerra Fria no coração de um dos centros do poder. E durante esse tempo, qualquer coisa que acontecesse nesse planetinha azul tinha a ver com a Guerra Fria, direta ou indiretamente. É uma leitura interessante, inda mais se depois a gente lê o Kissinger e “Na arena”, do Nixon.


Eu me lembrava de ter lido vários trechos de suas memórias, mas não tinha chegado a fazer uma leitura de cabo a rabo. Não o fiz agora, tampouco. Fui direto ao final do livro e procurei os assuntos, países e pessoas que Gromyko menciona ao longo do livro. ... ... ...
Em vão. Não há uma única menção ao maior país latino-americano. Uma mençãozinha que fosse, tipo “ah, sim, existe um país chamado Brasil”. Nem isso. Nada, em resumo.
Somos inexistentes.
Pior: a própria América do Sul só existe numa menção curta sobre Salvador Allende e o Chile, e outra igualmente curta sobre a Bolívia, por conta da morte de Che Guevara. Mais nada. Nem sobre Argentina, Uruguai, Colômbia, Peru ou Venezuela. Nada vezes nada igual a zero. Uma boa medida da nossa importância no cenário internacional.


Hoje (texto originalmente escrito em 2005) mudou um pouco esse quadro, mais por força das vicissitudes econômicas a que fomos submetidos, o planeta inclusive. Por força de calotes no pagamento das monstruosas dívidas assumidas por Brasil, Argentina e companheiros e, mais recentemente ainda, por força do comércio internacional, onde o Brasil passa a ocupar uma posição menos servil e mais ativa. De qualquer forma, sob qualquer ângulo, nossa inexistência na vida de alguém como Gromyko demonstra nossa desimportância.
Somos tão inexistentes como o título desse texto.


Agora, reparando nos trajetos do "AeroLula" com o presidente a bordo, vejo que nossa política externa se faz (será?) com países igualmente ausentes das memórias de Gromyko. São conversas do desimportante com o nada. Patético (*). Enquanto o presidente perde seu tempo, nossos recursos e compromete nosso futuro com essas tertúlias africanas, caribenhas e outras, Índia e China, com 40% dos habitantes do planetinha, assinam acordos, se mexem, crescem aceleradamente à custa do ambiente, à custa do trabalho quase escravo, à custa da vontade e de um planejamento para o futuro.

E nosso presidente desembarca em terras d’África e pede perdão pela escravidão. Ora, francamente, que demagogia imbecil e barata. Melhor faria se ficasse por aqui governando e tentando melhorar a vida dos descendentes dos escravos.

Se bem que, pensando bem, se com ele viajando tanto já está do jeito que está...

Hummmm...

Ok, Excelência, continue viajando. Talvez nos seja mais barato e menos ruim.


(*)À guisa de p.s.: esse termo "patético" não se aplica dessa forma, mas num texto assim despretencioso, ok, dá para usá-lo; popularmente ele tem uso e pega bem à beça - ou à bessa, como quer a ABL - num texto que se pretende irônico.)


Uma atualização em Novembro de 2016

Ora, ora, ora...  E o então presidente Luiz Inácio fazia suas viagens mundo acima, mundo abaixo, com mais a bordo do que apenas sua equipe e a tripulação, ficamos sabendo em tempos mais recentes.

Também agora começamos a saber, mas ainda não completamente, das negociatas e maracutaias envolvendo grandes empreiteiras, o BNDES, o governo dos companheiros e governos de portentosas nações africanas.

Na época já chamava a atenção, mas ainda não conhecíamos a dimensão das negociatas.


(Sítio das Macaúbas, aos seis dias do mês de novembro do 16º ano do 21º Século.)

3 comentários:

Anônimo disse...

Essa leitura do pós-Guerra Fria sempre me fascinou. Mas nunca tive oportunidade de ler nada a respeito, mais pelos reais que sempre minguaram do que pela vontade de ler. Vou visitar a Siciliano ainda hoje pra me atualizar...

Emerson disse...

Há muitas obras a respeito. Eu, particularmente, prefiro as autobiografias. Lendo Kissinger, Nixon, o próprio Gromyko, a gente tem uma visão sempre unilateral, mas o tempo passado já nos permite ler outras e começar a formar nossa própria idéia.

Anônimo disse...

Cara, esse seu blog é uma enciclopédia. Até os comentários são ótimos. Estou virando leitor assíduo. E acho bom você nos abastecer diariamente com seus textos. É meio decepcionante ter que esperar dias para dar risadas ou ler coisas interessantes. Parabéns e ao trabalho!!!