segunda-feira, março 24, 2008

Volta pra tua terra


Essa frase, dita por crianças de escolas paulistanas e transcrita em matéria do Estadão de ontem, despertou-me a lembrança de outros tempos já perdidos na memória e idêntica situação.

“Volta pra tua terra” é frase simples, eloqüente, fácil de ser falada e mais ainda de ser compreendida por quem a ouve. Quatro décadas atrás era ouvida por garotos coreanos, árabes e portugueses, cujos pais imigravam para o Brasil em busca de oportunidade de uma vida melhor ou, simplesmente, em busca de paz. Durante um ano um coreano esteve na mesma classe que eu, em processo de adaptação. Mais velho, era um gênio em matemática e ciências, e sofria com a gramática e a história da Terra de Vera Cruz. Sofria, também, com alguns dos colegas de classe. Além de ser o estranho no ninho, atraindo a curiosidade, sempre, a amizade, raramente, era vítima, também, do preconceito de jovens adolescentes que manifestavam sua maldade com frases cortantes como essa.

Creio que tudo era mais cruel com os portugueses, tanto os que vieram da metrópole como os que vieram das colônias africanas. Entendiam a língua e, portanto, além de sentir, também entendiam as frases que eram proferidas contra eles. Uma adolescente, porém, era menos mal tratada que os outros, a “Turquinha”. Nunca soube se ela era turca mesmo ou se era síria, libanesa, palestina. Naquela época, as pessoas referiam-se a qualquer um vindo do Oriente Médio e arredores como “turco”. A diferença em relação à “Turquinha” era o dinheiro de seu pai, que tinha um carrão, um Aero Willys, e morava numa casa grande e bonita. O preconceito é sempre maior, quando não único, contra a pobreza.

A matéria do Estadão entristeceu-me.

São Paulo é terra de migrantes e imigrantes. Meus bisavós maternos desembarcaram em Santos vindos da Calábria. Meu avô materno veio das Minas Gerais para o interior de São Paulo, onde conheceu minha avó italianinha. Meu pai, mesmo, ainda adolescente deixou o cerradão mineiro e veio para São Paulo. Os bisavós de minha esposa vieram da Espanha e da Itália. Cresci comendo macarrão e quibe, charutinho e lasagna, além do arroz com feijão e da feijoada de lei. A diversidade cultural sempre esteve presente na vida paulistana a partir do século XIX.

Hoje, bolivianos, colombianos, argentinos, uruguaios, peruanos, ao lado de angolanos, nigerianos, moçambicanos, árabes de pátrias diversas, chineses, entre pessoas de muitas outras origens, vivem e trabalham nessa cidade. Nas escolas, seus filhos ouvem a mesma coisa que muitos deles também ouvem em seus locais de trabalho:

- Volta pra tua terra.

- Aqui não é teu lugar.

- Não gostamos de você.

Nas escolas, as frases são muitas vezes seguidas pelo roubo puro e simples do dinheiro para o lanche. Há quatro décadas o preconceito era o mesmo e as frases eram as mesmas, mas o roubo não existia.

O preconceito não se revela só contra pessoas de outras nacionalidades. Seria cômico, se não fosse trágico e profundamente triste, saber que as mesmas frases são usadas contra crianças vindas de outros estados. Dessas a matéria não fala, mas os casos existem e não são diferentes. Da mesma forma, ele revela-se mais contra os pobre do que contra os remediados ou ricos. Aliás, é difícil haver preconceito contra ricos, e quando existe fica escondido, exceto nos momentos de conflagração.

Nem tudo é tristeza e dor, entretanto. O artigo fala também das crianças integradas, como um menino e sua irmã, bolivianos, tão bem aceitos ao ponto de expressões em castelhano já fazerem parte do dia-a-dia dos colegas na escola. Nesse caso, todos estão ganhando, conhecendo-se, aprendendo e crescendo como seres humanos.

Essa matéria está disponível no site do Estado de S.Paulo mesmo para quem não é assinante: http://txt.estado.com.br/editorias/2008/03/23/ger-1.93.7.20080323.3.1.xml

Vale a leitura.

Sempre é bom conhecer um pouco mais sobre nós mesmos, os brasileiros.

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Um comentário:

Rubão disse...

Pois, eu, que tenho 39 anos e moro há cinco em São Luís, já ouvi isso e coisa pior aqui.