sábado, abril 05, 2008

Há 14.000 anos...

... como hoje, parte de nossas Américas não tinha serviço de esgoto. Na verdade, há 14.000 anos parte alguma das Américas ou do mundo dispunha de tão valioso serviço. Podemos deduzir a partir disso, que parte do Brasil, talvez a maior, está hoje como estava há 14.000 anos, com uma diferença: com muito mais gente e muito menos mato, capoeira, pântanos, mangues, o que quer que existisse de vegetação naqueles tempos.

Nesse momento, estimada leitora e também estimado leitor, você deve estar se perguntando o porquê dessa introdução tão perdida no tempo como no sentido, não está? Pois bem, vou explicá-la já, antes que esqueça sua razão de ser.

Remexendo na sujeira acumulada de uma caverna no estado americano do Oregon, cientistas descobriram coprólitos humanos cuja análise por meio do Carbono 14, o popularíssimo C14, comprovou sua idade em 14.000 anos. Coprólitos, como bem o sabem os leitores, não passa de um nome metido a besta para fezes fossilizadas.

Caraca! – exclama alguém, com certeza. Pois é, fezes fossilizadas. Não me perguntem como as ditas cujas viraram fósseis, uma vez que o meio de mato e os fundos de cavernas costumam ser habitados pelos mais diferentes tipos de bichos que, digamos, encarregam-se de dar às ditas cujas um digno e escondido final de existência enquanto fezes. Reparem na elegância dessa trecho: “enquanto fezes”. Nele está reunido um dos pontos altos de nossa mais recente criação intelectual, primo-irmão de outro ponto igualmente alto, o popular “a nível de”. Diria a vocês que o uso de enquanto associado a fezes e tudo isso associado à idade das mesmas, tem um profundo significado que não é escatológico, mas do qual não faço a menor idéia qual seja. Portanto, perguntas a respeito são dispensadas a priori.

Enquanto escrevia tão bem traçadas linhas, parte de meu cérebro ocupava-se com uma questão intrigante: o que leva gente instruída, certamente com bacharelados e doutorados em universidades famosas, talvez até daquele circuito do qual saem os grandes líderes mundiais, de Roosevelt a Obama, passando por Rory Gilmore, a cutucar sujeiras em fundos de caverna. Tanto remexeram que trouxeram de volta à luz do dia os coprólitos ali acumulados. Desconfio que se a busca continuar e for feita com esmero encontrarão os restos de uma pintura rupestre indicando se aquele local era de uso feminino ou masculino.

De volta à realidade, essa descoberta significa que nossas Américas já eram povoadas por nossos ancestrais há 14.000 anos ou 140 séculos. Isso é fato científico, pois exames de DNA comprovaram, inclusive, relações com populações da Sibéria e da Ásia Oriental (a Sibéria é parte da Ásia Oriental, mas assim está a transcrição do artigo publicado na edição eletrônica da Science) e é prova irrefutável da antiguidade de nossa chegada aos verdes prados americanos. Apesar disso, há controvérsias a respeito, levantadas por nada menos que uma pesquisadora brasileira de renome, a Dra. Niéde Guidon, brasileira de Jaú, interior paulista, que há mais de 30 anos pesquisa nossa pré-história na Serra da Capivara, no Piauí. Ali, ela encontrou evidências fortíssimas da presença de seres humanos há 50.000 anos, o que entra em choque com a teoria mais aceita e que diz ter o homem entrado na América há cerca de 13.000 anos, tempo que agora, graças aos coprólitos, foi esticado em mais mil anos.

Por trás da não aceitação da teoria da Dra. Niéde Guidon estão algumas dúvidas relacionadas à fixação dessa idade, que em parte foi baseada em evidências indiretas – a datação mais precisa é de restos de fogueira, o que permite a contra-argumentação de que o fogo pode ter tido origem natural –, mas está, também, a velha disputa Norte x Sul, versão mais pobre e discreta da Ocidente x Oriente, ou ainda Centro x Periferia. Afinal, o embasamento da teoria dos 13.000 anos passa pela Ivy League, aquele circuito citado mais acima das oito velhas e famosas universidades da Costa Leste americana (Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Pennsylvania, Princeton e Yale). Acreditem, isso é sério, afinal, mesmo a ciência nada mais é que mera criação desses seres imperfeitos, os humanos.

Se nossos tata-tata-tataravós já caçavam pelo Piauí há 50.000 anos, isso jogará por terra dezenas de anos de trabalhos e pesquisas baseados na crença da chegada mais recente. Tudo terá que ser revisto. Afinal, se os caras já estavam por aqui naquela época, de onde vieram e como vieram parar aqui? Sim, pois de algum lugar eles têm que ter vindo, pois é fato mais que sabido e aceito, que somos todos africanos na origem, entre 4 e 5 milhões de anos atrás, nos planaltos da África Oriental.

Bom, e agora? Dito tudo isto, o que resta a ser dito?

Talvez, quem sabe, isso mostre a importância científica para futuros paleontólogos da inexistência de esgotos no presente. Quem pode dizer se daqui a um ou dois milhões de anos um paleontólogo futurista não descobrirá coprólitos atrás de alguma moita de bananeiras – também fossilizadas, claro, só não sei como – e estabelecerá, com base nos ditos cujos, que aqui floresceu uma grande civilização, que sabiamente usava as bananeiras como ponto para exclusão de resíduos, que ao mesmo tempo fertilizavam as plantas que forneciam alimentos?

O Brasil, com sua falta de esgotos, é muito mais moderno e avançado do que imagina nossa vã filosofia.

Além de prestar valiosa contribuição para o conhecimento futuro da humanidade de hoje.


.

Nenhum comentário: