sábado, setembro 22, 2007

Às três da manhã


Nada pior que acordar de sono profundo com o telefone tocando.

Antes de atender à chamada olho o mostrador do vídeo: faltam dois minutos para as três da manhã - só pode ser engano, penso, na verdade, torço. Nesse horário, se não for engano, é notícia ruim. Mil coisas e pessoas passam pela minha cabeça: minha mulher e minha mãe estão no litoral, na casa da minha filha. Meu filho está viajando pela Europa. Meus sogros estão no interior, assim como muitos parentes. E tem o sítio, sabe-se lá o que pode acontecer no sítio, que já foi roubado sete vezes. Ergo o fone e escuto a musiquinha da chamada a cobrar. Deve ser coisa do sítio, imagino.

- Pai, me ajuda, pai...

- Hum?

- Me ajuda, pai, fui assaltado.

Passado o impacto inicial de ouvir a palavra pai, em voz chorosa, percebo, numa fração de segundo, que estou sendo vítima de uma tentativa de golpe por parte de vagabundos.

Apesar da chamada ter sido a cobrar, resolvo dar trela ao vagabundo, deixá-lo perder tempo comigo, até ouvir minha voz chamando-o de vagabundo e mandando-o ir trabalhar.

Pena, entretanto, que o vagabundo percebeu que eu não caí em seu golpe e desligou o telefone. Ainda por cima, mal educado.

Fico sentado alguns minutos ao lado do telefone, pensando na situação.

Estou certo que, naqueles momentos, o bandido está tentando aplicar o mesmo golpe em outra pessoa. Penso na dor, na preocupação, que outra pessoa pode estar sentindo. Enquanto penso, procuro por uma pastilha anti-ácida, pois entre o acordar e o momento em que identifiquei o crime, a descarga de adrenalina agiu e provocou uma acidez. Mesmo sabendo que não era meu filho, pela voz e pelo fato dele estar a milhares de quilômetros de distância, em Milão, o despertar, a incerteza e os momentos de angústia que a chamada provoca, e que foram aumentando enquanto tocava a musiquinha da chamada a cobrar, são o bastante para causar estragos.

Demorou para acontecer comigo, penso. Há meses espero, sem esperar, claro, por algo parecido. Felizmente, aconteceu numa noite em que não havia como ter dúvidas a respeito. Teria sido melhor que fosse uma tentativa de obter dinheiro para um resgate. Em minha cabeça o plano há muito estava traçado: conversar, ficar preocupado, chorar, implorar, negociar. Enquanto isso, tentaria ligar para a polícia pelo celular.

No meu planejamento, impecável, a polícia receberia informação preciosa, fosse de um local de encontro, fosse de uma conta para transferência de fundos. E, naturalmente, prenderia os vagabundos em flagrante.

Humpf...

É isso que dá assistir muito CSI isso e aquilo, Numbers, NCIS e congêneres. Vã ilusão, mesmo porque, se tudo funcionasse tão bem, tão roliudianamente, os bandidos estariam soltos em questão de dias ou semanas, com muita sorte em alguns meses, e aí a coisa ficaria muito pior, pois saberiam tudo sobre o denunciante que os levou à prisão, ou seja, eu mesmo. Viveria com uma espada de Dâmocles permanente sobre a cabeça. Seria, não duvido, o maior consumidor de pastilhas anti-ácidas da super-drogaria mais próxima de casa.

O vagabundo desligou, entretanto. Minha representação foi pífia, com certeza. Decididamente, eu e o teatro pouco temos em comum. Pensando bem – é, eu penso muito –, foi até melhor, pois já foi divulgado que há funcionários corruptos nas empresas telefônicas – ora, ora, ora, não diga! –, que vendem informações dos assinantes para a bandidagem. Vai que o vagabundo que me acordou resolvesse dar uma lição ao idiota – eu – que tentou enganá-lo?

Para um bandido, nada mais fácil que isso.

Aqui, nessa terra, em se bandidando tudo dá.

Azar o nosso.

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