Diariamente, logo cedo e no final do dia, meus vizinhos que criam frangos percorrem os galpões que alojam quase vintém mil cabeças cada um e coletam as aves que morreram. Dependendo do dia, principalmente no calor, são muitas as mortes. É uma rotina, um trabalho como qualquer outro, cuja feitura permite a sobrevivência dos demais.
No sítio é um pouco diferente. Se uma galinha morre é notícia. Seja por alguma doença ou cachorro ou “sei lá o que”, a gente percebe e, por que não, até sente a morte da bichinha.
Se alguma coisa acontecer com algum dos meus vizinhos a comoção será grande. Se, porventura, ouvimos ou vemos algo estranho, ficamos preocupados e a primeira reação é correr a ajudar. Um deles ilumina nossa casa numa madrugada ou outra, quando seus cachorros latem um pouco diferente e despertam a preocupação. Ele pega um potente farolete, daqueles que iluminam longe pra burro, e aponta para nossa casa. Não chega a mostrar, pois há muitas árvores no caminho, além da distância, mas estou certo que é um poderoso elemento de dissuassão de algum mal-feito.
Por aqui, na vida normal e rotineira da cidade grande, desse mundo grande, o assassinato de 32 pessoas numa universidade americana chama a atenção e leio alguma coisa a respeito.
Na seqüência, 19 morrem em tiroteios em dois morros do Rio de Janeiro. Leio alguma coisa a respeito.
Continuando, mais de 100 pessoas morrem em atentados no Iraque. Bom, também leio alguma coisa a respeito.
E, sinceramente, paro por aqui, com essa ação única de ler alguma coisa a respeito.
Perdi minha capacidade de indignação?
Perdi minha sensibilidade?
Perdi a noção de solidariedade?
Penso que sim, acho que não. Tirando o efeito bobinho dessa frase em assunto tão sério, a verdade é que mantenho todos meus sentidos e sentimentos, mas, ao mesmo tempo, é nítido que reservei-os todos para os que me são próximos. Não consigo mais gastar indignação, dó, compaixão, solidariedade com tragédias distantes e ao mesmo tempo corriqueiras.
A morte foi banalizada, é algo corriqueiro, que não mais nos impacta. Simplesmente está aí, presente, tal como as falcatruas, desmandos e calhordices com que nos acostumamos no governo desse imenso bananal, ora em vias de tornar-se imenso canavial. E isso não é uma crítica ao canavial. Provavelmente será melhor que o bananal.
Volto a pensar no sítio, onde a vida é mais focada nos acontecimentos próprios do dia-a-dia e nas pessoas e animais que nos rodeiam. Não consigo deixar de traçar um paralelo entre os frangos que morrem diariamente nos galpões super-povoados e com os quais nos acostumamos como parte inseparável do processo de criar frangos em escala industrial, e as dezenas e centenas de mortes diárias pelo Brasil e pelo mundo, quase todas em cidades superpovoadas, onde carências diversas, desde comida até carinho, são o estopim ou o alimentador desse processo inconsciente deauto-aniquilamento.
Fechamento com o que seria a abertura
Eu tinha pensado nesse texto de forma bem diferente. Ia começá-lo bombástico, copiando a abertura do Manifesto Comunista, de Marx:
“Um espectro ronda o mundo - o espectro da violência.”
Mas achei que seria demais. Preferi o paralelo com os frangos que morrem nos galpões. Tem mais a ver com os acontecimentos dos dias que vivemos.
.
2 comentários:
Emerson, te mandei uma e-mail com as informações da Sony H1.
Abraço
Te respondi o e-mail com uma proposta. Dá uma olhada.
Abraço
Postar um comentário