O jornal dá a notícia em manchete, letras garrafais no caderno de economia, com chamada na capa da edição:
“Desemprego no mundo é recorde”
Em letras bem menores, um subtítulo:
“São 195,2 milhões de pessoas sem emprego e setor de serviços já ocupa mais mão-de-obra que a agricultura”
Serei sincero: a manchete chamou minha atenção, sem dúvida, mas o que me levou a ler a matéria e agora comenta-la aqui, foi o subtítulo, com a nota de menor importância dando ciência que menos gente trabalha na agricultura que na área de serviços.
Acredito que pela primeira vez na história da humanidade há mais pessoas prestando serviços que produzindo alimentos.
Esses números e os que virão a seguir são da OIT, acredito eu que insuspeita mesmo aos olhos mais radicais dos políticos de certos países. No ano de 2006 era de 2,9 bilhões o número de pessoas trabalhando nas indústrias, nos campos e nas lojas e outras empresas da vasta área de “serviços”.
2006 marca, também, o ano em que pela primeira vez mais pessoas moram nas cidades que nos campos em todo o planeta, mas a matéria só diz que o número, obviamente, é maior que 50%.
Do total de 2,9 bilhões de trabalhadores, o setor de serviços ocupa 40%, a agricultura 38,7% e a indústria 21,3% do total. Isso quer dizer, a grosso modo, que cada trabalhador na agricultura precisa produzir grãos, fibras, carnes, leite, ovos para si próprio e para pouco mais de cinco pessoas. Essa proporção cresce rapidamente, à medida que mais pessoas deixam os campos e migram para as cidades, deixam as duras tarefas agrícolas e vão em busca de melhores condições de trabalho, conforto e possibilidade de progresso. A vida no campo para quem é pequeno produtor é muito ingrata ainda nos dias de hoje. Não por maldade ou por culpa de supostos “terratenientes”, ou ainda do moderno “agronegócio”, mas simplesmente porque os mercados do mundo inteiro não dão valor aos alimentos. Comprar um minúsculo chip custa o equivalente a centenas de quilos de feijão ou muitas centenas de litros de leite. Tanto o inventor como os operários que pensaram e produziram a pecinha não sobrevivem mais que uma semana, em média, sem o arroz com feijão, bife, ovo e salada de todo dia. E em boa quantidade, pois, em caso contrário, não terão neurônios suficientes para pensar em nada mais que pedir comida. Ou, não muito fracos, lutar por ela.
E ninguém poderá comer chips. Por mais revolucionários e poderosos que sejam, sua complexidade não chega aos pés de um simples grão de arroz ou feijão. E não há como digerir os negocinhos, diga-se de passagem.
Não é só a produção de comida...
... que está ameaçada. Com poucos dias de diferença o jornal informou que, segundo a também insuspeita FAO, em 20 anos ou menos cerca de 60% da população mundial terá problemas com a escassez de água.
A FAO calcula que até 2025 pelo menos 1,8 bilhão de pessoas viverão em países ou regiões com “drásticos” problemas de acesso à água.
Já nesse 2007 começado há pouco, mais de 1 bilhão de pessoas já tem problemas com falta de água potável para suas necessidades diárias. Em algumas regiões do planeta, agricultores já entram em severas disputas por fontes de água. Cabe dizer que esse problema já existe em algumas regiões agrícolas do Brasil, e seu número e abrangência cresce ano a ano.
Completando esse quadro, nada menos que 2,6 bilhões de pessoas não têm instalações aceitáveis de saneamento. Isso reflete pesadamente sobre a água existente, contaminando-a e tornando-a imprestável para consumo humano e animal.
Esses números são assustadores e estão casados com outros que apontam para o aumento da pobreza, apesar dos anos seguidos de crescimento econômico que atravessou o planeta.
A Terra de Vera Cruz tem terras agricultáveis abundantes e, ainda, muita água. Todavia, não tem projeto, plano, idéia, nem mesmo um grupo de estudos ou uma comissão inter-ministerial para pensar e cuidar dessas coisas. Avançamos pelo mundo como um cego sem bengala, sem cão-guia e surdo, ainda por cima, atravessando uma larga avenida paulistana na hora do rush, mas com o trânsito
Ah, sim, com tudo isso o jornal destacou o desemprego.
Questão de perspectiva.
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