segunda-feira, outubro 23, 2006

Visitantes no Macaúbas


Quem vive com cachorros conhece claramente seus diferentes latidos. Isso nos permite dormir placidamente em plena madrugada enquanto eles ficam batendo boca, talvez falando mal um do outro, talvez falando mal da gente, provedores de alimentos e carinhos, geralmente chatos os primeiros e insuficientes tanto uns como outros. Mas há um latido que é tiro e queda, e nos desperta do mais profundo sono tão logo começa: é o latido de alerta para invasão de território. Como o território deles é o mesmo que o nosso, esse alerta nos é da maior serventia. Ou não, mas aí já são outros quinhentos.

Sábado, no sitio, a Panda e o Stanley desataram a latir: latidos para acuar e pegar, típicos. Fomos ver o que causava o alvoroço e lá estavam os dois incomodando e atacando um pacífico ouriço-cacheiro. A Panda, mais afoita e boba, já tinha alguns espinhos no focinho. E o pobre cuim – um dos nomes indígenas do ouriço-cacheiro – estava com a perna traseira esquerda ferida. Não bastassem os dois cachorros, alguns gatos também apareceram, interessados na confusão e já em atitude de caça, típica, com o olhar inconfundível de “presa à vista”.

Estávamos no meio do dia. O cuim gosta mais da noite para seus passeios em busca de frutas e brotos diversos. É louco por goiaba e aprendeu, desde séculos atrás, a amar a banana. Depois de afastar felinos e canídeos fiquei olhando o bichinho, que no solo é lerdo demais. Ele, basicamente, vem ao solo para trocar de árvore, quando não pode passar de galhada para galhada. Dizem alguns conhecedores de seus hábitos que eles pouco bebem água em fontes e riachos, pois os brotos e frutas são ricos nesse elemento, fora o que devem encontrar em bromélias e outras plantas que armazenam a água das chuvas. Bom, se ele já é lento, em pleno dia claro, ensolarado, fica mais lento ainda. Pensei no que fazer... Pegar uma luva grossa... Não, fora de cogitação, não iria pegá-lo.

Então, uma vez mais, vali-me de uma caixa plástica para transporte de laranjas. Coloquei-a sobre ele, improvisando, assim, uma gaiola. Tampei as beiradas com pedras e ripas, colocando outras por cima da caixa (cujo “piso” estava para o alto), criando uma estrutura pesada e que não seria desfeita pela Panda, talvez nem pelo Stanley. Antes de me afastar, coloquei uma vasilha com água e meia banana – não sabia se ele iria ou não comer a fruta. Horas mais tarde, com a noite chegando, tirei as pedras e ripas e levantei a caixa. A banana sumira por completo e fiquei até chateado por não ter colocado mais.

Lentamente, o coandu – outro nome indígena, mais usado pelas tribos do norte – afastou-se em direção às arvores do bosque que fica ao lado de casa. Antes mesmo de chegar às árvores mais altas, embrenhou-se por um trecho de vegetação rasteira fechada, emaranhada, onde os cachorros não entram e mesmo os gatos têm dificuldade para se locomover.

A pata parecia um pouco melhor e não havia sinal de sangue, felizmente. Se morássemos no sítio iria mantê-lo preso por alguns dias até ter certeza de sua recuperação – coisa arriscada, pois se a Florestal aparece... É bom nem pensar no abacaxi.

Enquanto pensava em que fazer com ele, as pessoas – tínhamos visitas em casa – diziam, preocupadas, minha sogra, inclusive, para tomar cuidado, pois ele atirava os espinhos. Esse é um dos mitos mais arraigados entre as pessoas, a crença que o ouriço-cacheiro, ou porco-espinho, como é erroneamente chamado – possa disparar seus espinhos. Ele, quando ameaçado, levanta os pelos do corpo, pondo à mostra seus espinhos amarelados. Ao menor contato, eles se soltam da pele e penetram fundo e facilmente no corpo do agressor. Fora isso, uma resistência absolutamente passiva, nada mais faz esse bichinho tímido.

Os cachorros conhecem os sapos e mantém distância deles. Os cachorros urbanos não conhecem, mas, instintivamente, deixam os bicharocos em paz. Quando isso não acontece e calha de abocanharem um sapo, é pela primeira e única vez. O Truck, meu doberman já falecido, fez isso na primeira primavera aqui na casa da Granja Viana. E ficou mal, babando, envenenado. Felizmente, o Salvador, nosso veterinário antes da Andréa, matou a charada na primeira palavra que proferimos: - Ah, isso não é nada, ele mordeu um sapo. E aplicou-lhe uma injeção não lembro de que... Horas depois o Truck já estava ótimo. E nunca mais voltou a morder um sapo.

Já com os ouriços isso não acontece. Parece que o “código genético” dos cachorros não traz a informação de que o bicho não é bom. Em conseqüência, vira e mexe lá estão os cachorros com as bocas cheias de espinhos. Já tivemos, duas ou três vezes, de chamar um veterinário para cuidar dos idiotas, digo, cachorros. Curiosamente, as onças também aparecem com espinhos enfiados no focinho.

Em algum momento ao longo da evolução, faltou ao cuim um competente serviço de relações públicas ou de mensageiros, que distribuísse entre as espécies predadoras a mensagem que ele era um bicho que deveria ser mantido fora do menu.

Essa parte da lição os sapos fizeram direitinho.

P.s.: sim, a foto está horrível, culpa da câmera cujo flash não está funcionando; sorry.


Jibóia no barracão

Ela está alojada, com relativo conforto, parece, atrás de um dos tambores de ração para as vacas. Não está enrolada, está dobrada e dorme, ou finge que dorme, diante dos movimentos e da barulheira que fazemos. Está completando, que tenhamos visto, uma semana de residência. Acho que já posso cobrar aluguel dela.

Não demos por falta de pintinhos ou galinhas, então, pelo jeito e local, ela parece estar comendo os ratos silvestres que vira e mexe estão no barracão atrás de milho e ração.

O único risco, fora os pintinhos, é um dos gatos pequenos ficar zanzando por ali, mas o Ismael disse que eles não tem entrado no barracão.

O barracão da jibóia.

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9 comentários:

cjb disse...

Ouriço-cacheiro! Adoro essa tua precisão no vernáculo, Emerson.

Cora disse...

Adoro essas histórias de sítio! A Mala e o Baú, os dois cães pastores da minha Mãe, também cismam com os ouriços e, naturalmente, volta e meia aparecem ganindo, com espinhos nas fuças. E não aprendem, os bobos. Tsk.

Anônimo disse...

Bom dia, Emerson,

um dia... um dia essas histórias ainda serão todo o meu universo.

VanOr disse...

ah, concordo com o ricardo. Eu quero ser o Emerson quando crescer. ;)

Anônimo disse...

A Cora fez muito bem em te elogiar lá no blog dela. Suas histórias são deliciosas mesmo. Uma delícia de se ler...

Anônimo disse...

Deliciosas... delícia...
tsk tsk tsk (saiu sem querer)

leila disse...

Emerson, tira a jibóia daí! uma hora ela come um gato... ou mesmo pintos ou cachorros... nem quero pensar! manda essa jibóis caçar sapo!

Emerson disse...

Leila, a jibóia está "protegida" no barracão. Nenhum gatinho sumiu... E nenhum dos gatões tampouco.

:o)

Anônimo disse...

Olá Emerson... dá vontade de ser visitante também... ir lá tomar leite quentinho, tirado na hora ... rsrsrsrs... que bom que seu emudecimento durou pouco!!
beijo