Um Olhar Crônico sobre os dias de hoje e alguns de ontem. Um Olhar Crônico sobre a vida nas cidades, a vida na megalópole, a vida na roça, quando é dura, e no campo, quando é lírica. Textos, Idéias & Coisas diversas, aquelas que passam pela cabeça e a gente acaba registrando, sabe-se lá pra que ou mesmo porquê.
domingo, janeiro 08, 2006
Sabores & dissabores do caminhar
O sol brilha sobre São Paulo nessa manhã de domingo. Depois de prolongada ausência, voltei a caminhar. Minhas panturrilhas, recém-massageadas com um creme do Boticário, repousam agradecidas aqui por baixo do teclado do micro. Devia ter voltado com menos sede ao pote, acho que a distância de 6 km foi um pouco demais. Mas foi bom, não cansei, apenas senti dores musculares normais. Ótimo, nada que mais alguns dias de caminhadas não elimine.
Ao caminhar observa-se o mundo (ou não, depende de quem caminha) e seus tripulantes. Hoje me detive num jovem tico-tico. Bobinho, ainda, afastava-se da minha aproximação sempre em linha reta para a frente, um metro, ou metro e pouco, trecho que eu vencia rapidamente, obrigando-o a novo pulinho voado. Não pensei em desviar, ou melhor, pensar eu pensei, mas não desviei. Desviar-se desses grandes macacos pelados que caminham sobre duas patas é um aprendizado necessário. Finalmente, depois de uns dez metros dessa perseguição inexistente na minha cabeça e tenebrosa na dele, o esperto desviou-se para o lado e eu passei batido. Olhei para trás e ele ainda estava quieto, meio ressabiado, tomando ar depois do susto. Olhei de novo e já ciscava em busca de comida. Espero que tenha aprendido a lição: dos humanos há que sair da frente e dar-lhes passagem a distância segura. É o mais prudente a fazer.
Caminhar é exercício excelente... para o cérebro. Justamente, para as “células cinzentas” às quais tanto se referia o saudoso Hercule Poirot. Caminhar com a cabeça erguida e o olhar disposto a enxergar tem como efeito colateral oxigenar o cérebro e suas células, cinzentas ou não. No meu caso, estimula, também, sonhos e idéias. Sonhar acordado é atividade que me acompanha desde que me conheço por gente. Penso em coisas a escrever, penso em coisas a fazer no sítio, penso em pessoas e em bichos e, pasmem, por força de algum desvio ou acidente cerebral, penso até no trabalho! Ainda não associo o sítio e suas canseiras mil com trabalho, tampouco o faço com a escrevinhação, coisa que sonho associar o mais breve possível, confesso. Trabalho continua sendo o “departamento“ de criar e produzir vídeos para clientes, generosos clientes que me pagam por isso. Mas a eles não dedico minhas horas “de folga”, a eles dedico o “nine to five” de segunda à sexta-feira. Acho que me falta a ambição para ganhar mais, correndo atrás de mais clientes e mais trabalhos e mais dinheiro. Às vezes me questiono a respeito, mas esse correr atrás para resultar de verdade em mais din-din significativo, implicaria em praticamente esquecer todos os outros lados da minha vida e centrar o foco e os esforços na nada nobre arte de ganhar din-din. Porém, como ainda tenho algumas vontades que são totalmente dinheiro-dependentes, como conhecer a Toscana e a Provence, o Himalaia, o Kenya e algumas outras, vou ter que dedicar um pouco mais dos meus esforços para esse departamento.
Adoraria voltar a Nova York, até sonho com isso, mas não há chance de lá voltar sob a atual administração. O jeito é esperar pela próxima, quem sabe Mrs. Clinton, quem sabe ela tenha aprendido algo de bom com o maridão, que foi,sim, um bom presidente sem ser um estadista.
O que eu não gosto nas caminhadas aqui pela Granja Viana é o acompanhamento do ritmo acelerado de novas construções e novos condomínios residenciais de médio luxo. Médio porque acessíveis à classe média, espécie à qual cheguei a pertencer, mas de onde fui excluído por não preencher alguns requisitos básicos como carro novo, um segundo carro também novo ou semi-novo, quando muito, viagens para a Florida e/ou Buenos Aires com escala em Bariloche y otras cositas más. Médio luxo, também, porque as casas agora têm terrenos menores, o que significa mais casas e menos árvores por área. Isso implica em redução do estoque de alimentos para a fauna, entre outras coisas. O guincho agudo dos sagüis me lembra de tudo isso enquanto caminho. Deve ser o mesmo bando que freqüenta nossa casa e as dos vizinhos. Agora eles têm aparecido pouco, pois com as chuvas e o calor aumentou a disponibilidade e variedade de alimentos no que resta de matas no bairro. Durante a seca o bando chegava a passar boa parte do dia nas árvores vizinhas, motivados, naturalmente, pela oferta de frutas que colocávamos à disposição deles. Atitude teoricamente errada, claro, mas praticamente correta. Afinal, eles estavam por ali porque nós mesmos estávamos tirando a comida de suas bocas com a derrubada das árvores. Logo, nada menos injusto do que repor, em parte, essas perdas.
E assim segue a caminhada, misturando sagüis com Nova York e Hillary, o Kenya ou Tanganica com trabalhos e pendentes e outros cobiçados. Misturando tico-ticos com os estilos arquitetônicos – ou a falta de - em voga nos condomínios bonitos e meio sem graça. Com sabores & dissabores, caminhar é uma atividade muito gostosa, principalmente, como eu disse, se nossos olhos, ouvidos e sentidos estão abertos para o caminho. É quando mais vale a pena.
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