quarta-feira, abril 25, 2007

Uma curta carta...

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Estou pensando simploriamente...

Em relação ao aquecimento global a importância da vegetação reside no seqüestro e posterior fixação do carbono atmosférico. Basicamente.

Temos hoje nesse planeta – e particularmente nesse país – algumas centenas de milhões de hectares mal ou subaproveitados. Principalmente em áreas em processo de degradação, onde as manchas de solo exposto e nu ganham terreno chuva a chuva, seca a seca. Essas áreas estão quase zeradas em termos de seqüestro de carbono. Em termos de tudo, na verdade. Além disso tudo, ainda servem de fornecedoras de material para assoreamento de mananciais diversos, córregos, rios, etc, além de não serem bacias de captação de águas subterrâneas.

Paralelamente, temos grandes focos de tensão provocados pelo acúmulo de gente e escassez de trabalho. Pior que isso: boa parte dessas pessoas, mesmo nada tendo, sonham em ter trabalhos mais próximos do sonho urbano que da dureza rural. Nada como trabalhar só oito horas por dia, ter descanso no sábado e no domingo, ou então umas belas horas extras, além de um serviço menos pesado (mesmo quando no campo) e a assistência médica chique de um convênio. Outro ponto: boa parte desse povo, se largado à solta em lotes rurais, nada mais será que um destruidor implacável de tudo e qualquer coisa que se relacione com a natureza. Logo, diria ser de bom alvitre “confinar” esse pessoal nas cidades com empregos urbanos ou agroindustriais.

Continuando com minha linha simplória, sem grandes derivativos, acredito que 1+1=2. E, nesse caso, 2 para mim é transformar essas terras inúteis em áreas geradoras de empregos, que, ao mesmo tempo, sustentem uma lavoura voraz em carbono, que ainda vai gerar um combustível que permitirá o menor uso, quiçá a substituição, de um combustível cujo maior predicado é encher a atmosfera de mais gases que aumentam o aquecimento.

Uma floresta em crescimento seqüestra carbono de monte.

Uma floresta de eucalipto – e essa está em “eterno” crescimento – consome tanto ou mais carbono que uma linda e correta floresta nativa, que seqüestra, cresce e entra em equilíbrio, basicamente substituindo folhas.

Um canavial seqüestra menos carbono, claro, mas creio que, depois de um hectare de árvores, um hectare de cana sadia e produtiva seja um grande sorvedouro de carbono. Não só a cana. Qualquer lavoura sadia e bonita é uma grande seqüestradora de carbono, não é?

Ainda, então, na linha 1+1=2, sou a favor de mais agricultura.

Agricultura bem feita, técnica, caprichada, produtiva. Não é tarefa para sem-terra ou sem-conhecimento. Mas é tarefa banal para sojicultores e usinas de açúcar e álcool, assim como papeleiras e reflorestadoras.

Concentra renda?

Não, distribui, na medida em que geram empregos melhor remunerados e criam grandes estruturas de serviços.

Distribui pouca renda?

Sim, por obra e graça desse bananal.

São benéficas ao ambiente?

Atrevo-me a dizer que sim, pois mau plantador faz duas safras e jamais consegue a terceira. Não há boa safra, hoje, sem solo protegido e uso correto – e, por extensão, econômico – de adubos e defensivos. E não há lavoura produtiva e lucrativa sem esses pré-requisitos.

Precisa derrubar a floresta?

Bobagem. A floresta tem que ser protegida a todo custo e em toda parte. Não pra ser bonzinho com bichinhos e plantinhas, mas para proteger-nos. Sabe-se, hoje mais que antes, que boa parte das chuvas do Sudeste e Centro-Oeste e até do Sul, são geradas na Amazônia.

E onde vai pastar o boi?

Ora, o boi que coma silagem e paste em pastos bem plantados, de preferência numa rotação de longo prazo com a soja, milho, sorgo e até cana. E que a população toda pague um pouco mais pela carne. É justo e é necessário (e pelo leite também, por favor!).

E vai tudo virar cana ou soja?

Vai nada! Se o risco acontecer os preços dos outros produtos trarão produtores de volta.

E por aí vai...

Como eu disse, tudo simplório, claro. Mas creio que tudo factível.

Vou tentar pensar a respeito durante a viagem. Escrevi agora de sopetão, mas, em síntese, é isso que penso.

Ah, sim, e nada de madeireira fazendo “manejo sustentável” de mata amazônica. Isso é pura abobrinha. Não pode mexer nada na mata e ponto final. Agora, tem que dar um jeito de dar dinheiro pros “povos das florestas”, ou eles mesmos vão derrubar tudo e trocar por uma parabólica.


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quinta-feira, abril 19, 2007

Uma rotina indiferente

Diariamente, logo cedo e no final do dia, meus vizinhos que criam frangos percorrem os galpões que alojam quase vintém mil cabeças cada um e coletam as aves que morreram. Dependendo do dia, principalmente no calor, são muitas as mortes. É uma rotina, um trabalho como qualquer outro, cuja feitura permite a sobrevivência dos demais.

No sítio é um pouco diferente. Se uma galinha morre é notícia. Seja por alguma doença ou cachorro ou “sei lá o que”, a gente percebe e, por que não, até sente a morte da bichinha.

Se alguma coisa acontecer com algum dos meus vizinhos a comoção será grande. Se, porventura, ouvimos ou vemos algo estranho, ficamos preocupados e a primeira reação é correr a ajudar. Um deles ilumina nossa casa numa madrugada ou outra, quando seus cachorros latem um pouco diferente e despertam a preocupação. Ele pega um potente farolete, daqueles que iluminam longe pra burro, e aponta para nossa casa. Não chega a mostrar, pois há muitas árvores no caminho, além da distância, mas estou certo que é um poderoso elemento de dissuassão de algum mal-feito.

Por aqui, na vida normal e rotineira da cidade grande, desse mundo grande, o assassinato de 32 pessoas numa universidade americana chama a atenção e leio alguma coisa a respeito.

Na seqüência, 19 morrem em tiroteios em dois morros do Rio de Janeiro. Leio alguma coisa a respeito.

Continuando, mais de 100 pessoas morrem em atentados no Iraque. Bom, também leio alguma coisa a respeito.

E, sinceramente, paro por aqui, com essa ação única de ler alguma coisa a respeito.

Perdi minha capacidade de indignação?

Perdi minha sensibilidade?

Perdi a noção de solidariedade?

Penso que sim, acho que não. Tirando o efeito bobinho dessa frase em assunto tão sério, a verdade é que mantenho todos meus sentidos e sentimentos, mas, ao mesmo tempo, é nítido que reservei-os todos para os que me são próximos. Não consigo mais gastar indignação, dó, compaixão, solidariedade com tragédias distantes e ao mesmo tempo corriqueiras.

A morte foi banalizada, é algo corriqueiro, que não mais nos impacta. Simplesmente está aí, presente, tal como as falcatruas, desmandos e calhordices com que nos acostumamos no governo desse imenso bananal, ora em vias de tornar-se imenso canavial. E isso não é uma crítica ao canavial. Provavelmente será melhor que o bananal.

Volto a pensar no sítio, onde a vida é mais focada nos acontecimentos próprios do dia-a-dia e nas pessoas e animais que nos rodeiam. Não consigo deixar de traçar um paralelo entre os frangos que morrem diariamente nos galpões super-povoados e com os quais nos acostumamos como parte inseparável do processo de criar frangos em escala industrial, e as dezenas e centenas de mortes diárias pelo Brasil e pelo mundo, quase todas em cidades superpovoadas, onde carências diversas, desde comida até carinho, são o estopim ou o alimentador desse processo inconsciente deauto-aniquilamento.

Fechamento com o que seria a abertura

Eu tinha pensado nesse texto de forma bem diferente. Ia começá-lo bombástico, copiando a abertura do Manifesto Comunista, de Marx:

“Um espectro ronda o mundo - o espectro da violência.”

Mas achei que seria demais. Preferi o paralelo com os frangos que morrem nos galpões. Tem mais a ver com os acontecimentos dos dias que vivemos.


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sexta-feira, abril 13, 2007

Ipanema no Sítio das Macaúbas...



... Ou, lembranças de um Reveillon


Dias atrás, caminhando pelo sítio lembrei-me que alguns de seus habitantes vieram de Ipanema. Alguns prosperaram, outros definharam e sumiram.

Foi assim.

Vi o sítio pela primeira no distante novembro de 1999, logo depois de uma seca terrível. E isso foi bom, pois pude ver que o sítio se mantivera em ordem e a fonte principal não fora muito afetada pela estiagem severa e prolongada.

Alguns dias depois voltei, dessa vez acompanhado pelo representante do proprietário. Andei por toda parte, entrei na pequena casinha, olhei e gostei mais ainda do sítio. A certeza que eu já tinha que ele seria meu ficou mais forte. Vieram as conversas, a negociação e chegou o Reveillon, o Reveillon da falsa passagem do milênio, mas que valeu, oras, que diabos, como verdadeira.

Comprei umas garrafinhas pequenas, individuais, de Don Perignon. Gastei, é bem verdade, mas valeu a pena, pois já naquela época desconfiava que aquela seria a única passagem de milênio que eu veria. Tenho certeza que há muito ter-me-ei ido na próxima virada, de 2999 para 3000, embora o correto, claro, seja de 3000 para 3001. Mas quem se importa?

E, assim, lá estávamos nós – Rosa, Rogério, Sonia e eu – em plena areia de Copacabana, espremidos entre muitos milhares de pessoas, esperando pelos fogos para ver, abrir as garrafinhas e entornar o champagne direto na boca, sem taça e sem finesse, mas com muita alegria e esperança, artigo ainda abundante naquele tempo.

O assunto que dominou nossa estada no gostoso apartamento da Nascimento e Silva naqueles dias foi o sítio. Meu amigo Rogério, agrônomo, taquaritinguense deslocado multinacionalmente para Ipanema, presenteou-me com mudas de árvores que ele preparava com sementes colhidas em suas caminhadas pela beira da Lagoa e pelas ruas do bairro. Eu nem havia comprado o sítio e já tinha o que nele plantar. De certa forma, posso dizer, esses ipanemenses foram os primeiros novos habitantes do sítio sob nova direção, a minha.

Na hora de ir embora, lá foram as mudas para o carro: uma muda de oiti, duas ou três de abricó-de-macaco, e umas três ou quatro de umas “cássias”, árvores da enorme família das leguminosas, com caules e galhos espinhentos. E pegamos estrada. E paramos. As chuvas fortes tinham derrubado barreiras na Dutra. Saí dessa estrada e fui pra Barra do Piraí, onde encontramos o Rio Paraíba quase passando por cima da ponte, que estava, naturalmente, interditada. Por sinal, foi interditada uns quinze minutos antes de chegarmos. Bom, dirigir é coisa que gosto, ainda, e gostava muito mais. Assim, peguei de novo a estrada e fui sair em Bananal, no alto da Serra do Mar, já em São Paulo. E de lá para casa, onde me esperava a tratativa final para a compra do sítio. Alta expectativa.

As mudas ficaram em casa. Só em fevereiro foram para seu novo lar, onde eu mesmo plantei-as. Não lembro ao certo, mas creio que já contei com o ajutório do Ismael no plantio de algumas.

Sete anos se passaram e elas vêm crescendo lentamente. É assim mesmo com mudas de pé-franco, preparadas diretamente da semente, sem enxertia.

De todas, a mais bonita é o pé de oiti, plantado ao lado da varanda do tanque, na cozinha. Tá bonitona a danada, como dá pra ver na foto.

Essas duas cássias, cuja espécie ainda não identificamos, também vão bem e o gado já se abriga em suas sombras não muito grandes.

A idéia era essa mesma, sombrear um pedaço de pasto.

Tem mais uma perdida lá pra parte de baixo, num buraco deixado por um pé de ponkan que bateu as botas.

Os abricós-de-macaco sumiram, não deixaram rastro, deles ninguém sabe, ninguém viu. Pra ser sincero, não sei se sinto a falta deles, pois, afinal, um dia dariam frutos e, com eles, trariam aquele cheiro... Que cheiro.

Não é sempre, mas muitas vezes olho para o oiti e para as cássias e lembro-me de meu amigo Rogério e da Sonia, sua esposa. Lembro de nossa amizade e lembro do Reveillon da virada do milênio. Fake, sim, mas quem se importa?

Ao fim e ao cabo, o que lembro, mesmo, é da amizade tão gostosa e de pessoas tão queridas. E é sempre um pouco de Ipanema no Sítio das Macaúbas.


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quarta-feira, abril 11, 2007

Animais macaubenses – Abril de 2007

Os gatos vão bem. As três gatinhas que foram operadas voltaram para casa a tempo de passar a Páscoa com toda a família. Depois de quinze dias fora, estranharam um pouco, tiveram um pouco de medo – uma delas teve que ser tirada da caixa de transporte – e coisa e tal, mas em questão de horas estavam de novo integradas e à vontade.



Estávamos preocupados com a Pretinha, uma das gatas mais velhas. Todo dia, no fim da tarde, ela e o Fred e mais os cachorros, acompanhavam-nos no passeio até a porteira ou numa ida ao curral. Com o tempo, o Fred passou a dar mais valor à sua cesta acolchoada que aos passeios, mas ela não, pelo contrário, até. Ao lado da Panda, a cachorra do Esrael que ficou de vez pelo sítio, ela a
companhava a Rosa nas idas ao pomar de lima, afastando-se bastante de casa. E, tal como a Panda, curiosa, andando por toda parte, ora adiante, ora atrás, às vezes pulando sobre touceiras de capim. Enfim, divertindo-se à larga.

Foi com tristeza que não a vimos duas semanas antes da Páscoa. Perguntado a respeito, o Ismael disse que, de fato, ela não aparecia já há dois ou três dias. Bom, a tristeza aumentou, pois a Pretinha era dengosa e carinhosa, ao seu jeito, além de companheira nas andanças.


Por tudo isso, foi muito legal vê-la de novo a bordo quando chegamos para a Páscoa. Lá estava ela, toda fagueira, como se nunca tivesse se afastado dali. Disse o Ismael que ela reapareceu meio louca, correndo, miando, morta de fome, brigando com todo mu
ndo, enfim, fazendo de seu retorno um verdadeiro acontecimento. Comeu ração, tomou leite e foi se aquietando, mas ainda brigou com seus irmãos e sobrinhos por mais dois dias. Gostaria muito de saber por onde andou a aventureira. E porque. Por sexo é que não foi, pois ela foi operada há meses. Um mistério.



Dez para as três da manhã. A Panda late sem parar. O latido é típico: ela acuou um bicho. Saco! Saio da cama na madrugada quase fria para ver o que se passa. Logo na entrada da varanda lateral, a meros três metros e meio da janela do nosso quarto, um ouriço balançando no alto de um arbusto que decora a entrada, ao lado da coluna. O Stanley e a Manchinha só olham, pois a Panda late por ela e por eles. Inteligentes, economizam latidos. Bom, só tem um jeito: a Rosa chama os três pra cozinha, fecha a porta e eu fico por ali, curioso para ver o que o coandú vai fazer. Entro, pego uma blusa, saio novamente e minutos depois ele desce do arbusto e se encaminha para o pasto de baixo. Espero mais alguns minutos, solto os cachorros e me arrependo, pois a Panda “pega” seu cheiro e dispara atrás dele. Felizmente, ou perdeu a trilha deixada pelo cheiro ou desistiu de ir mais longe, pois volta e se deita na varanda para dormir. Nós também voltamos pra cama pra tentar aproveitar o resto da madrugada, o melhor horário do sono. Coisas da vida na roça. Faz parte.



Numa outra madrugada, há um pouco mais de tempo, a chuva veio
forte, precedida por ventos fortíssimos que derrubaram coisas, quebraram galhos e inclusive algumas árvores em sítios vizinhos. E choveu pra burro, choveu a cântaros. Isso foi por volta de uma da manhã. Acordamos às quatro, ou melhor, a Rosa acordou e foi ver o motivo da barulheira feita pelos cachorros. Os picaretas estavam acuando o galo vermelho – galo meio criado no “colo”, que habituou-se a seguir a Rosa para ganhar petiscos, como pão, bolo, frutas diversas – num canto da casa.

Peraí, um galo no chão no escuro da alta madrugada?

Pois é. O coitado virou um “sem teto” pela força dos ventos. Deve ter sido derrubado da árvore onde dormia e ficou no chão. Ora, os cachorros, como outros predadores, têm um sentido aguçado para perceber tudo que é estranho, fora do normal e, em se tratando de possível presa, não perdem tempo e atacam. Era o que faziam com o galo vermelho, já privado de seu vistoso rabo, quando a Rosa abriu a porta e gritou com eles. Foram colocados para dentro de casa e se aquietaram. Ela ficou preocupada com o galo, achando que estava ferido, mas nada. Perdeu o rabo, mas não a vida. No dia seguinte estava já lépido e fagueiro andando por toda parte. O rabo já cresceu, mas está longe de ter a beleza e porte do original perdido para os cachorros.


A presença dos gatos, e o crescimento da família antes das operações, acabaram por trazer um benefício agradável: espantou os pardais de casa e, com eles, os ninhos e a sujeira que faziam dentro da cozinha nova (isso porque não refizemos os fios em volta da casa, excelentes para espantarem os sujismundos). Outros hóspedes que foram afastado foram as maritacas, que há anos passavam parte da temporada no nosso teto, fazendo uma barulheira danada a noite inteira. Bom, gosto das maritacas, dos pardais nem tanto, mas ficou tudo melhor sem eles dentro ou sobre nossa casa. São os gatos justificando a ração, o leite e as cirurgias.


A última safra de gatos veio com três machos e uma fêmea apenas, o que foi uma excelente notícia. Dos três machinhos, um deles, todo preto com um pouco de branco no peito, criando uma cor meio esfumaçada, já virou hóspede em casa. Aprendeu a subir pra cesta do Fred e aninhar-se com ele, que, por enquanto, divide a cesta com o sobrinho sem maiores dramas. Resta saber até quando.

E pensar que tudo isso começou com a Sophia abandonada por alguém na porteira do sítio...



O Brioso está redondo, quase gordo, bem bonito. Tem trabalhado pouco, pois o leite voltou a ser recolhido no sítio. Com isso, seu trabalho resume-se a ir buscar a cana cortada. O sem-vergonha, no bom sentido, tão logo vê a Rosa já fica animado. Sabe que vai ganhar cenoura e, manjar dos manjares, maçã. Vive bem o rapaz, o que me deixa feliz. A melhor prova disso é que jamais se afastou para fugir ao arreamento, por exemplo. Mas tão logo termina a descarga da cana ele mesmo toma o rumo da garagem para ser desarreado.

Esperto ele...


As noites estão bem frescas, até um pouco frias em algumas madrugadas. O tempo começa a ficar ao gosto das vacas. Ao meu também, diga-se. O número de insetos já diminuiu, deixando as varandas “habitáveis” no fim da tarde e começo da noite. Já, já, teremos o retorno das sopas e a chegada de algumas garrafas de vinho. O fogão a lenha fica mais e mais gostoso a cada dia.

A maioria dos animais fica muito confortável nas temperaturas mais baixas, para as quais têm boas defesas. Os cavalos e as vacas têm a pelagem de inverno, mais densa e protetora. As galinhas sofrem com o calor e se deliciam com o frio, graças à proteção das camadas de penas e penugem. Já dá para ver que os bezerros estão mais preguiçosos de manhã cedo, assim como algumas vacas. Essa é a melhor época do ano no sítio, pois a par de tudo isso ainda temos algumas chuvas. Sem dúvida, o melhor dos mundos.


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Devaneios canavieiros


Todo dia a gente corta, transporta e pica duas carroças de cana para suplementar o pastejo das vacas. Sempre sobra alguma coisa nos cochos, e essa cana que sobrou já fermentou, inda mais em dias quentes. A fermentação da cana gera um produto de muito agrado dos humanos em todas as alturas e latitudes, o álcool. E ao remexer essa cana fermentada lá vem o cheiro – por que não dizer perfume? – da iguaria proporcionada pela ação da temperatura e fungos (leveduras, quando cultivados com a finalidade de fermentar cana ou malte ou farinha) naturalmente presentes na cana. É um cheiro gostoso, inebriante. Talvez eu tenha cheirado demais nesses dias, dando, como resultado, esse texto.

(Percebo, em releitura, que esse “cheirado demais” ficou estranho e perigoso; mudá-lo, porém, significaria sucumbir à censura, no caso a auto, coisa que assaz me desagrada; portanto, cheirei demais, mesmo, a cana fermentada.)

Os canaviais estão cercando o Sítio das Macaúbas, sem falar que ele mesmo já dispõe de seu próprio canavial, chiquitito pero cumplidor, felizmente. Algumas áreas ainda resistem com seus pés de laranja, mas, sei não, pelo andar da carruagem, mais dia, menos dia, tudo virará imenso canavial, cumprindo-se a profecia de antiga música de antigo artista tupiniquim. A cana vem descendo o morro e tomando a paisagem


Santa Rita do Passa Quatro tem uma usina de açúcar e álcool em seu território, a Santa Rita. E mais algumas nos arredores, das quais a Ferrari, em Santa Cruz das Palmeiras, é a mais próxima. Falando nisso, quando tiver dinheiro e estiver morando no sítio, vou comprar um pedacinho qualquer de terra só para arrendá-lo pra Ferrari. Como fornecedor, terei direito a abastecer meu carro a álcool nas bombas da usina, pagando menos da metade do preço cobrado nos postos da região. E a usina ainda lucra ao vender o álcool por menos da metade de seu preço oficial. Também, pudera, esse álcool não precisa viajar até Paulínia, na Petrobrás, para depois voltar, num processo idiota, estúpido, imbecil, burro e quantos outros adjetivos possam existir nos Aurélios da vida. Dizem que essa é uma exigência da Petrobrás. Petroleiros dizem que a exigência é do governo. Não importa, o que conta, ao fim e ao cabo, é que o combustível poderia custar a metade do que custa para o consumidor, se fosse distribuído e vendido onde é produzido. Ao invés disso, circula centenas de quilômetros gastando combustível, dissipando energia, contribuindo para o efeito estufa, agregando custos e, o mais importante, somando impostos para alimentar a voracidade da máquina pública. Danem-se o ambiente, o consumidor e o futuro.

Pois bem, como dizia, um dia ainda arrendarei um pedacinho de terra pra usina, e virei a fazer parte do feliz mundo dos sustentados no todo ou em parte pela cana. Sim, sim, a cana sustenta. Trabalhar na usina é o sonho da rapaziada em toda parte onde há uma usina. Nem dá para comparar o brutal trabalho na roça, de sol a sol, de chuva a chuva, com o trabalho na usina, regido pelos horários, ritmos, salários e benefícios da indústria. O dinheirinho, pensando em termos tupiniquins, é bom, muito bom. O sujeito baseia sua vida nessa realidade e toca em frente, feliz ou menos infeliz, dependendo do gosto de cada um.

Bóia-fria, ou trabalhador temporário, sem o qual a agricultura não vive, é cada dia mais e mais difícil. Os que a gente encontra são os que estão arrolados no Departamento de Tranqueiras. Nenhum, quase, presta. É um povo que gosta do emprego, mas não do trabalho. Que exige a paga no fim do dia ou da semana, mas não deixa contrapartida sequer razoável em troca. É um pessoal tão tranqueira que não conseguiu trabalhar para nenhuma das usinas, para onde correm todos ao menor chamado. Bom, não são só as usinas que empregam o melhor da mão-de-obra volante, pois os laranjeiros também o fazem. A disputa é dura e o pior sobra para nós, que não somos usineiros ou laranjeiros.

A verdade é que a cana gera muito emprego, e esse emprego é melhor remunerado que a média de cada região onde tem cana.

Embora bonito de ver, não sou muito chegado às vastas paisagens tomadas pelos canaviais. Prefiro a diversidade, o mosaico multicolorido de culturas e pastagens, com seus limites ora arredondados, ora retilíneos, com diferentes coisas acontecendo em diferentes momentos do ano. Mas é difícil não concordar com o valor e importância dessa lavoura e sua indústria correlata, mormente quando se vive numa região em que ambas estão presentes.

As usinas têm capital, parques de máquinas, know how, corpos técnicos e profissionais capacitados para plantar, cultivar, colher, processar a cana e seus dejetos. Com isso, trabalham cada vez mais com maior qualidade e cuidados, o que se reflete na conservação do solo em toda a região. É comum o proprietário rural entregar sua terra para arrendamento já meio degradada, com problemas de erosão pipocando por toda parte. É quando chegam as máquinas da usina. São grandes, potentes, poderosas, produtivas... Chegam como as tropas americanas depois do Dia D, em grandes comboios desfilando suas cores pela paisagem. Em minutos ou horas dão conta de trabalhos de correção totalmente fora do alcance de qualquer produtor rural. Poucas semanas depois, o verde da cana já tomou conta de mais uma área onde vacas pastavam um pastinho ralo ou laranjeiras doentes definhavam à espera da motoserra.

Ao plantar e cultivar corretamente, com medidas de conservação e prevenção da erosão, as usinas preservam os cursos d’água impedindo seu assoreamento pelo escorrimento das terras superficiais. Ao mesmo tempo, incrementam os lençóis freáticos que vão alimentar fontes que, por sua vez, alimentarão os regatos e riachos e córregos diversos. O ideal é que tudo isso ocorra com a rigorosa preservação dos trechos de matas ainda existentes, geralmente pequenas áreas em grotas e áreas de fontes. Melhor ainda seria se houvesse um grande acordo envolvendo governo, sociedade e usinas, que as incentivassem (mais do que obrigassem) a criar novas áreas de preservação permanente.

Esse é, a meu ver, o grande pulo do gato para a expansão da cana pelas grandes áreas de pastagens degradadas de todo o Centro-Oeste e parte do Norte do Brasil. Por ali, muito mais que em São Paulo e Paraná, por exemplo, existem plenas condições para permitir o estabelecimento de grandes talhões de lavouras, cortados, divididos, por áreas de matas e matas ciliares. Vejo como plenamente factível, graças à importância e aos preços praticados, que uma nova área de plantio só possa ser tocada em frente com o compromisso de preservar o que já existe de vegetação nativa – o que é o óbvio e o mínimo – e, acima de tudo, com o compromisso, mais que isso, a missão de criar ou recriar novas áreas com vegetação nativa, protegendo fontes, rios, riachos, flora, fauna, ambiente, ajudando-nos a ter um futuro digno desse nome e sentido (futuro quase sempre é algo com conotação positiva).

Gostaria muito de ver usinas como a Nova Olímpia, do Mato Grosso, criadas em meio ao vazio populacional dos cerrados. Sim, lamento pelos cerrados, mas a verdade é que boa parte deles já se foi e meia dúzia de empregos foram gerados. Com uma usina, a cana toma o lugar da pastagem, as pessoas têm trabalho, fertilizantes e defensivos são aplicados para garantir boas safras e mais álcool estará sendo permitindo que nosso padrão e estilo de vida seja mantido com menor consumo de gasolina e menor geração de CO2.

Bom, mudar nosso estilo de vida, mudar nosso padrão de vida (nosso o que?), já é outra história, em outras esferas e tampouco impede ou tira a importância e necessidade de produzirmos mais álcool, junto com novos empregos.

Bom, nessa altura da manhã os efeitos da cheiração de cana fermentada no sítio já vão passando. Da cozinha chega outro cheiro, o do café sendo coado, e vou em busca dele. Se tem gente e carros movidos a álcool, creio que eu mesmo sou movido a cheiros. Bons, é claro.

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terça-feira, abril 03, 2007

Tá explicado



Agora ficou fácil de entender.


Quando vi a fumante diretora da ANAC mamando um charuto em nababesca festa de casamento de filho de político baiano de alto coturno, antes de ficar indignado, sentimento que por aqui é fora de moda e perda de tempo, fiquei curioso sobre quem seria essa figura e quem seria seu padrinho.

Sim, padrinho, pois por aqui, e notadamente nesse governo "companheiro", altos postos da administração pública são entregues a qualquer um, desde que bem indicado, ou seja, desde que tenha bom QI - quem indica.

Na coluna Persona de hoje, no Estadão, César Giobbi revela: Dona Denise Abreu é indicação de José Dirceu.

Isso mesmo, aquele Zé Dirceu, o próprio, que, tal como Palocci e outros, continua dando ordens, continua importante, continua respeitável e respeitado na república bananeira, digo, companheira.

O outro diretor da ANAC presente ao regabofe e que se auto-proclamava como o "próximo presidente da ANAC" é apadrinhado de Itamar Franco, aquele obscuro vice que virou presidente e surgiu para o mundo ao lado de recatada moça sem calcinha, com as "partes pudendas" expostas, em pleno Sambódromo, na frente de dezenas e dezenas de jornalistas e milhares de pessoas.

E a TAM ainda tem coragem de pintar em seus aviões "orgulho de ser brasileira"...

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domingo, abril 01, 2007

Crime e Acinte





Dona Denise Abreu é diretora da ANAC, a Agência Nacional de Aviação Civil, supostamente responsável por tudo que diz respeito ao transporte aéreo no Brasil. Vejo nessa manhã de domingo, logo cedo, belas (sic) fotos de Dona Denise mamando respeitável charuto, não tão respeitável como os que mamava Churchill, mas, ainda assim peça de respeito.

Dona Denise estava em fantástico regabofe, em Salvador, capital da Bahia. Por ali, em meio aos espumantes e escoceses, circulavam outras autoridades republicanas, inclusive mais algumas ligadas à ANAC. Clima, cara e jeitão de festa, afinal, era o casamento do filho ou filha de político baiano de nomeada. E a gente sabe como são festas de políticos, né?

Nessa festa, diz o pai de um dos nubentes que gastou apenas oitenta mil reais. Papagaio! Isso é que é saber comprar bem! Infelizmente, porém, estimativa por baixo de jornalistas a partir dos preços cobrados pelo buffet, apontam o gasto em cerca de duzentos mil reais, pelo menos. Fora as bebidas, claro, além de outras coisinhas. Bom, isso é picuinha de pobre, de classe média falida e invejosa das festas dos nababos.

Mas enquanto rolava a festa, enquanto Dona Denise mamava seus charutos, enquanto as autoridades republicanas esbaldavam-se no consumo de algumas centenas de espumantes espanhóis e algumas dezenas de escoceses, muitos milhares de pessoas perdiam o dia e a noite acampados em aeroportos tupiniquins. Perdiam, também, casamentos, com certeza não tão nababescos, perdiam funerais, perdiam festinhas de aniversário, batizados, comunhões... Perdiam um dia ou dois com os familiares distantes, perdiam conexões, perdiam dias de serviço e talvez negócios importantes.

Uma dessas pessoas perdeu mais que todas as demais: perdeu a vida em Curitiba, vítima de fulminante infarto. Difícil não dizer que tal desdita não tenha sido provocada pelo caos aeroportuário. Talvez seja o caso de dizer que ele foi assassinado, por que não? Nesse caso, o homicídio deve ser imputado à malta de controladores e à malta de autoridades à frente dos destinos desse imenso bananal.

Em outras condições eu poderia ser simpático à causa dos controladores de vôo, mas não sou. Eles foram, claramente, os responsáveis pela morte de 155 pessoas no acidente com o avião da Gol e o jatinho americano. Quando ficou clara sua culpa, encheram-se de brios corporativos e deflagraram suas operações-tartaruga, operações-padrão, chegando ao ridículo de uma greve de fome. Infelizmente, foram interrompidos em tão nobre e útil propósito.

Eles ganham pouco, muito pouco mesmo, e não estou ironizando, pelo contrário. Fiquei assombrado com a baixíssima media salarial da categoria. Não têm preparo – mais de 90% nada fala de inglês, além de um prosaico “tanquiú” e “gudibai”, e olhe lá. Exercem uma das mais estressantes profissões do mundo.

Mas durante anos e anos mantiveram-se mudos e ovinamente conformados com equipamentos sucateados, equipamentos sem manutenção, salários, condições de trabalho, etc e tal. Só despertaram quando tantas mortes também despertaram alguma investigação. E, desde então, querem cantar de galo, penalizando, para isso, dezenas de milhares de pessoas que nada têm a ver com seus problemas, sua falta de consciência profissional, seu acarneiramento contumaz.

Os controladores de vôo e as autoridades republicanas merecem-se uns aos outros. Não estou bem certo com relação a nós, mas... Sei lá, acho que também merecemos.

Mais um acintoso charuto, Dona Denise?


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