sábado, janeiro 20, 2007

Só daqui a 100.000 anos...

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Cometa McNaught é flagrado no céu de Christchurch, Nova Zelândia, anteontem;
visibilidade é melhor em cidades mais ao sul


A seguir, transcrição de entrevista com o descobridor do cometa McNaught,
publicada na edição de hoje da Folha de S.Paulo.
Belo trabalho da Folha, que fez a entrevista com seu correspondente em Sydney,
Rafael Garcia
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O descobridor do cometa que corta o céu do hemisfério Sul neste mês é um astrônomo autodidata que não se considera cientista. "Sou um observador", diz Robert McNaught, um escocês emigrado para a Austrália, que guardou na gaveta seu diploma de psicólogo para trabalhar com astronomia. Desde que começou sua carreira tardia, o homem que dá nome ao cometa mais brilhante dos últimos 42 anos já descobriu outros 31, a maioria deles no Observatório Siding Spring, perto de Sydney. Em entrevista à Folha, McNaught falou um pouco sobre seu trabalho.

FOLHA - Seu site diz que a descoberta do cometa foi fruto de trabalho de rotina. Como é seu dia-a-dia?
McNAUGHT
- Temos três observadores aqui, contando comigo. Fazemos um rodízio. Toda noite com tempo aberto -exceto quando há lua cheia- operamos o telescópio sistematicamente, varrendo o céu do Sul.

FOLHA - O que é o seu projeto?
McNAUGHT
- Procuramos asteróides e cometas que apresentem risco de colisão com a Terra, especialmente os grandes - maiores de um quilômetro. Temos verba para isso até 2008.

FOLHA - Quantos cometas vocês já descobriram?
McNAUGHT
- Até agora foram 29, aqui no Siding Spring. O McNaught foi o último. Eu já batizei 32 cometas, na verdade, mas nenhum deles chega aos pés deste em brilho.

FOLHA - Vocês já calcularam a massa e o período do cometa?
McNAUGHT
- Aqui não analisamos estrutura física ou tamanho de cometas, mas já sabemos que a órbita dele é muito alongada. Ele veio para o Sistema Solar interno [planetas de Mercúrio a Marte] quase como numa parábola [curva aberta]. Ele provavelmente veio da Nuvem de Oort, de uma longa distância no Sistema Solar, e só vai voltar à Terra depois de cerca de 100 mil anos.

FOLHA - Porque o brilho do cometa surpreendeu tanto os astrônomos?
McNAUGHT
- Como não tivemos uma visão próxima do cometa, não sabíamos na realidade como era sua superfície. Não sabíamos se ela era de gelo com poeira ou se era coberta de um manto só de poeira, que impede a radiação do Sol de chegar ao gelo. Também não sabemos se a superfície tem falhas ou se é lisa. Isso tem grande influência no grau de brilho do cometa. Só podíamos estimar o brilho por antecipação comparando-o com outros cometas do passado, mas muitos cometas com órbitas similares não tiveram aumento de brilho tão rápido ao se aproximarem do Sol.
Mas não existe um comportamento típico de cometas. Cada um é um pouco diferente do outro. O McNaught parece estar no extremo de brilho em uma ampla gama de comportamentos [aspectos] dos cometas. Outros cometas, como o Austin [de 1990], tiveram um aumento de brilho rápido no início, mas não o mantiveram.

FOLHA - Qual é a perspectiva de brilho para os próximos dias?
McNAUGHT
- O brilho certamente já está diminuindo, mas o cometa está se movendo para um céu mais escuro, por isso está mais visível agora do que quando atingiu o ponto mais brilhante. Para quem estiver longe das luzes das cidades, o cometa deve ser visto com facilidade na próxima semana e, talvez, durante mais algumas. O céu mais escuro, além disso, permite ver a enorme cauda do cometa. Apesar disso, a Lua está começando a se aproximar daquela região do céu, e dentro de uma semana ela pode atrapalhar a visibilidade do cometa. Então, na verdade, a semana que vem deve ser mesmo a melhor para ver o cometa.

FOLHA - A latitude influencia a qualidade da vista?
McNAUGHT
- Sim. No geral quanto mais ao Sul, melhor. Aqui no Siding Spring estamos a 30 Sul e o cometa está bem posicionado. Quem estiver a até uns 20 Sul [latitude de Belo Horizonte] ainda pode ter uma boa vista do cometa, mas o melhor deverá ser em uns 40 Sul [latitude de Bariloche].

FOLHA - O cometa pode se desintegrar com a radiação do Sol?
McNAUGHT
- Há sempre uma possibilidade de isso acontecer, e acontece com freqüência com cometas que passam muito perto do Sol. Este cometa não passou tão perto, mas outros que estavam à mesma distância já chegaram a soltar alguns fragmentos. Até agora não temos evidência de que isso tenha ocorrido, apesar de ainda poder acontecer.

FOLHA - Quão brilhante é esse cometa, em relação a outros que apareceram nos últimos cem anos?
McNAUGHT
- Existe um grupo de astrônomos amadores que se dedica a compilar dados sobre isso. Segundo eles, o McNaught é o segundo cometa mais brilhante desde 1935. Ele perde para o cometa Ikeya-Seki [em 1965], que foi muito mais brilhante do que este.

FOLHA - Independentemente de sua beleza, o cometa gerou algum interesse científico em especial?
McNAUGHT
- Certamente haverá estudos especiais feitos sobre o cometa. O fato de ele ser tão brilhante significa que é possível estudar sua luz em mais detalhe. [A separação da luz pode revelar a composição do cometa], mas ainda não tive tempo de procurar saber o que está sendo feito.

FOLHA - Fale um pouco sobre sua carreira. Como o sr. virou um caçador de cometas?
McNAUGHT
- Eu me interesso por astronomia desde muito jovem e me tornei um astrônomo amador. Sempre fui ávido por isso, sair por aí para fazer observações com meu próprio telescópio. Então eu tive oportunidades que me levaram nesta direção. Mas não não sou pesquisador, sou um observador.

FOLHA - Em que o sr. se formou?
McNAUGHT
- Em psicologia, mas nunca trabalhei com isso. Assim que me formei, há uns 20 anos, consegui um emprego em astronomia. Sempre foi minha paixão.

FOLHA - Por que o sr. não se matriculou em física, ou algum curso ligado à astronomia?
McNAUGHT
- Eu fiz isso, mas eu larguei o curso porque minhas notas estavam péssimas. Eu fui para psicologia porque gostava do assunto, mas nunca trabalhei na área.

FOLHA - O sr. acha que a passagem de um cometa como este pode tornar os jovens de hoje interessados em astronomia?
McNAUGHT
- Eu já tinha interesse em astronomia antes de ver o cometa Bennet em 1969, mas foi a partir dali que eu fiquei deslumbrado. Aquele cometa era espetacular e certamente aumentou meu interesse em astronomia.



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