domingo, maio 28, 2006

Triste florada



Já na estrada vi alguns ipês-roxos, velhos conhecidos, em plena floração. O primeiro pensamento ou sentimento foi de alegria e prazer, coisas normais à vista de um ipê, qualquer que seja sua cor, com florada plena. A seqüência, porém, nada teve de feliz e, se não cheguei a maldizer os ipês, que culpa nenhuma tem, tampouco continuei alegre com as visões bonitas que me proporcionaram. Desanimado, deixei a câmera quieta do meu lado. Um pouco, também, em protesto, recusei-me a fotografar esses ipês apressadinhos, semostradeiros por demais.

Puxa, por que tanta bronca, tanta raiva, tanto pesar?

Simples: esses ipês deveriam florescer em julho. Ou em final de junho, mas jamais em meados de maio. Não é certo, não é assim que devem ser as coisas. Mas, nesse ano, as coisas foram diferentes.

Tomei posse do sítio em janeiro de 2000, no falso alvorecer do século XXI. De lá para cá, sete vezes vivemos em abril, outras sete vivemos em maio, nesse caso valendo o verbo para o passado e para o presente, por mais três dias. Tantos meses assim, tantas vivências de abril e maio, serviram para dar uma boa base e poder dizer, triste, pesaroso, muito preocupado: nunca tivemos um abril tão seco como o desse 2006. Nunca tivemos um maio tão seco como esse cuja travessia ora terminamos.

Os pastos acabaram, pura e simplesmente. Como medida de emergência, terei de começar a cortar e picar a cana de julho agora, ainda pequena e com menor volume que o esperado. Já estamos com cinqüenta dias sem chuva no sítio. Semana passada, desmentindo a previsão já pessimista, choveu ainda menos que o esperado. Na verdade, nem choveu, garoou, e a água mal e mal molhou a poeira.

Quando muito tristes, as lágrimas molham nossos rostos.

Quando a secura é muita, faltam lágrimas para molhar a terra.

Não sei conviver com a seca. Nunca gostei da falta de água, nunca passei por esse tormento. Melhor, nunca vivi esse tormento, pois passar já passei sim, numa ou noutra triste viagem pelo Nordeste, tão tristes que delas nunca quis guardar recordações. A seca é uma coisa muito assustadora, dia após dia a gente acorda, levanta, abre a janela e vê um lindo céu começando a clarear no leste, escuro e estrelado no oeste. E a esperança que acompanha toda alvorada definha um pouco mais a cada dia. Quando ela começa no tempo certo ninguém se incomoda muito. É um rito da natureza, é uma fase como tantas outras e não demora nada ela termina. Todavia, quando essa esperança começa a sofrer assim tão cedo, ela traz consigo a tristeza e o medo.

Nos bancos, os economistas fazem contas e chegam à conclusão que, a continuar assim, terão dificuldades para receber os dinheiros emprestados. Nas cidades, a preocupação é nenhuma, muito pelo contrário. Os dias são lindos, azuis, esplendidos e quem pode gasta-os à beira-mar, ou flanando alegremente pelas cidades, óculos escuros amenizando e embelezando as paisagens.

Na vida real, ou onde a vida realmente começa, é diferente.

É muito diferente.

E os ipês-roxos? Pois é, depois de um março fraco em águas e um abril frio e seco, maio teve cara, jeito e gosto de julho e agosto. Enganados em sua boa-fé, derrubaram parte de suas bolhas, emitiram botões e abriram a linda florada de todo ano. Fora de época, fora de prumo, fora de tudo.


.

5 comentários:

Anônimo disse...

E somos responsáveis por tudo isso.

Anônimo disse...

Mas vai dizer isso a um churrasqueiro!

Anônimo disse...

Grande pena. Enquanto isso, pras bandas de cá o céu desaba suas má(guas).

Anônimo disse...

Não conhecia o seu blog, Emerson, e gostei da florada dos ipês. A natureza anda magoada com o que os homens têm feito. Há,um crescente desequilíbrio geral e,como você falou, nós, aqui da cidade, quase não percebemos isto. O que importa é o céu azul outonal,e, se a chuva vem,reclamamos do tempo,esquecendo que,sem ela,a natureza não se renova.

Anônimo disse...

A sua escrita é linda, vi e entendi tudo deste outro lado do atlantico e do hemisfério. Mas Emerson, purfa, teria como, de vez em quandinho, inserir uma foto? Seus textos não são legendas, repito: são inteiros e autônomos. A foto seria uma janela alegremente escancarada, tenho certeza.