Um Olhar Crônico sobre os dias de hoje e alguns de ontem. Um Olhar Crônico sobre a vida nas cidades, a vida na megalópole, a vida na roça, quando é dura, e no campo, quando é lírica. Textos, Idéias & Coisas diversas, aquelas que passam pela cabeça e a gente acaba registrando, sabe-se lá pra que ou mesmo porquê.
segunda-feira, maio 29, 2006
Era uma vez um Círculo... que nem chegou a existir
Eram outros os tempos, muito piores que esses de agora, muito melhores que esses atuais. Parece e é um jogo de palavras, mas é também a expressão perfeita da realidade, tal como a mim parece, até porque, realidade, cada um tem a sua.
Era um tempo de inflação pesada, coisa bruta já esquecida, quando o dinheiro de uma infinidade perdia meio, um, dois e até a estupidez de quase três por cento num só dia, enquanto, numa outra ponta, valorizava tudo isso para uma pequena porção. Paradoxalmente, era, ainda, um tempo de crenças, não mais as antigas revolucionárias, mas outras, mais modernas, mais condizentes com o desabrochar de um novo mundo. Globalização já era palavra conhecida, mas ainda não era moda. Internet era algo esotérico, meio estratosférico, e significava que aqueles povos estranhos dos laboratórios de universidades tinham computadores que conversavam entre si, que trocavam dados de experiências. Coisas fora da nossa vidinha de todo dia, comum, comum.
Aqui em São Paulo a gente se achava. É, essa gíria também não existia, então nós acreditávamos que éramos, de fato, a Nova York do sul do Equador. Que nosso futuro era brilhante. Que já tínhamos muitas coisas boas e novaiorquinas, até mesmo uma certa elegância discreta. Bem discreta, diga-se, mesmo porque muito restrita. Mas quem se liga em detalhes como esse diante da grandiosidade de se sentir na Nova York do sul?
E tínhamos o MASP e seu maravilhoso acervo.
Ora, se o Met e o MOMA em Nova York tinham lá seus círculos de amigos, com direito a carteirinha e tudo, nada mais natural que o mesmo ocorresse em São Paulo. Eu queria ser parte do MASP, eu queria ter uma carteirinha atestando que eu era isso. Atestanto que eu era chic e novaiorquino. (Deletem essa frase, foi infeliz, e isso aqui não é divã de analista pra ficar contando podres do passado.)
Naqueles dias, uma nota no jornal chamara minha atenção. Dizia que o MASP precisava aumentar sua receita e estudava a criação de um grupo de contribuintes.
Perfeito! Tudo indicava que, breve, eu teria minha carteirinha de amigo do MASP, meu passaporte para uma cidadania mais refinada, mais nobre, mais... chic. (É, não tem jeito mesmo.)
Cheio de boa vontade ou, como diria um amigo da época, cheio de amor pra dar, liguei pro Museu. Ofereci-me como contribuinte, perguntei se estava correta e em pé a informação sobre o círculo de amigos. A resposta desanimou-me, jogou-me de volta à realidade e ensinou-me algo precioso sobre a cultura no Brasil. A nada simpática assessora ou lá o que fosse, disse-me que nada nessa linha estava sendo pensado, que os “amigos” que o Museu tinha em vista eram amigos dotados de gordos saldos, capazes de contribuir com generosas quantias. Nada que se adequasse a um executivo pé-rapado como eu.
Já naquela época o Museu de Arte de São Paulo tinha dificuldades imensas para pagar suas contas básicas. Então, como agora, o Museu e seu povo só enxergava e enxerga a alta burguesia como amante da arte e capacitada a contribuir com sua manutenção. Justamente a alta burguesia tupiniquim, vejam só, que de arte nada entende e cuja maior qualidade e diferencial em relação a outras altas burguesias, reside no aprimoramento na criação e engorda de maracutaias e sonegações e superfaturamentos. Uma burguesia dona de muitas e muitas dezenas de bilhões de dólares (bilhões mesmo, cada um valendo mil milhões, só pra deixar bem claro) em contas secretas e outras nem tanto, pela Suíça, Jersey, Cayman, Uruguai e outros paraísos fiscais. Uma burguesia que nada dá para as artes e para os museus. Uma rica burguesia ignorante e atrasada.
De vez em quando lembro dessa vivência e lamento a inexistência do Círculo de Amigos do MASP. Paciência. Se existisse, era bem capaz de proibir que falássemos de futebol em nossas reuniões. Mas, pelo menos, acho que teríamos luz para sentarmos no Museu e papear um bocado.
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3 comentários:
Emerson,
Não teria muito para dizer, na medida em que seu maravilhoso texto só deixa espaço para meditar...e lamentar.
Seu blog é um caso sério de seriedade crítica e merece muita, muita divulgação!
Grande abraço
Nelsinho
Parabéns, seu texto é excelente e completa e absolutamente verdadeiro. Depois de se ler tanta besteira nessa rede é compensador ver que há vida inteligente na Terra. Mais uma vez parabéns.
Cheguei ao seu post via blog da Cora Rónai... E concordo plenamente com você. Sou carioca, filho de paulista (bragantino) e passei toda minha vida (55 anos) entre Rio e São Paulo. O MASP está para os paulistanos como o MAM está para os cariocas. Fiquei muito triste ao saber que o Conselho Diretor do MASP é composto por nomes da alta burguesia paulista e, pasme, não conseguem dividir entre si uma reles conta de luz para evitar o vexame do corte ocorrido por falta de pagamento... Já que você falou em NY, no MOMA, o Conselho Diretor tira do bolso e com muito orgulho!
É muito triste o momento do Brasil atual. Parabéns pelo blog.
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