terça-feira, outubro 04, 2016

Uma igreja e a paz no meio da estrada


Estava viajando sozinho, pensando na vida, o que, naquela fase, naquele momento, naquela viagem, significava estar pensando nas muitas dificuldades e no pouco dinheiro para enfrenta-las. Estava tenso e meu pé pesava sobre o acelerador, sem o prazer de deixar o carro devorar quilômetros e mais quilômetros, saboreando a velocidade e a passagem rápida das paisagens.

A imagem foi fugaz, até pela velocidade e a atenção voltada para a pista. Hoje, o comum é dizer que minha atenção estava focada na pista. Ah, modismos...

De volta à viagem... Uma fração de segundo foi o suficiente para atingir meus neurônios: a porta da igreja estava aberta.
Sim, na beira da estrada havia uma igreja, há ainda, continua lá resistindo ao tempo e à estrada. Uma igreja pequena, pouco mais que uma capela. Meu olhar registrou que a porta estava aberta e não sei, não faço ideia de como ou porque isso ocorreu.

Em outras poucas frações de segundos, muitas coisas aconteceram, em sucessão...
Meu olhar foi para o espelho retrovisor, meu pé saiu do acelerador para o freio, a mão esquerda sinalizou que eu ia para o acostamento e a direita reduziu a marcha do carro... Já no acostamento, com a estrada ainda deserta atrás, engatei a marcha-à-ré e, de forma impressionante para quem está acostumado a pensar e planejar, vi-me parando numa sombra ao lado da igrejinha.

Cresci e fui criado como católico... De boca, nunca de prática. Confessei-me, sei lá, meia dúzia de vezes, todas elas durante o catecismo que antecedeu à minha primeira – e única – comunhão. Missas? Raras vezes, sempre por obrigação. 
Tive sorte: minha família era meio relaxada com relação à religião, mas não com relação aos princípios religiosos que, ao fim e ao cabo, são princípios de bem viver em sociedade, princípios típicos de civilização. 
Comportei-me da mesma forma com meus filhos, criados dentro dessa visão ampla e generosa do catolicismo. 
Bom... Generosa demais, talvez, o que já é outra história. 
Digo tudo isso para que vocês entendam a minha perplexidade com esses atos todos, que culminaram com minha entrada na pequena igreja.


A penumbra e o frescor foram um bálsamo, depois do calor e da luminosidade intensa da estrada. Tão bom quanto e até melhor que isso tudo era o silêncio...

Sentei-me...

Algum tempo passou, alguns minutos, pouco mais que dez, provavelmente.

O que pensei? Não lembro, não faço a menor ideia!


Se rezei? Não, não rezei.

Apenas fiquei lá, quieto, sentado, pensando em alguma coisa ou em nada, relaxando, descansando, acalmando...


Bom, hora de pegar estrada, vamos nessa, pensei e levantei do banco. 
Na saída estava um pote para receber doações. Peguei algum dinheiro e fui coloca-lo no pote, mas... a “boca” dele estava fechada.

Instantes depois, saindo, deparei com uma pessoa, um homem, entrando com algumas coisas nos braços. Cumprimentou-me, respondi e perguntei sobre o pote. Queria doar algum dinheiro, como poderia?
Ele disse-me algo como “doe quando voltar”, durante a missa, porque fora da missa o pote ficava lacrado por causa dos ladrões.

Fui embora. Calmo, tranquilo, aquele estado que não é de felicidade e nem de tristeza, muito menos de tensão. 

Em paz comigo mesmo.

Meu pé estava incrivelmente leve sobre o acelerador e assim permaneceu até o final da viagem.



Post scriptum: não, não vou explicar, não vou teorizar, não vou fazer explanação alguma a respeito. Cada um faça a sua própria.

Post scriptum 2: a foto não é daquela igreja, mas lembra um pouco, até pelas árvores.


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