Estava viajando sozinho, pensando na vida, o que, naquela
fase, naquele momento, naquela viagem, significava estar pensando nas muitas
dificuldades e no pouco dinheiro para enfrenta-las. Estava tenso e meu pé pesava
sobre o acelerador, sem o prazer de deixar o carro devorar quilômetros e mais quilômetros,
saboreando a velocidade e a passagem rápida das paisagens.
A imagem foi fugaz, até pela velocidade e a atenção voltada
para a pista. Hoje, o comum é dizer que minha atenção estava focada na pista. Ah,
modismos...
De volta à viagem... Uma fração de segundo foi o suficiente
para atingir meus neurônios: a porta da igreja estava aberta.
Sim, na beira da estrada havia uma igreja, há ainda,
continua lá resistindo ao tempo e à estrada. Uma igreja pequena, pouco mais que
uma capela. Meu olhar registrou que a porta estava aberta e não sei, não faço
ideia de como ou porque isso ocorreu.
Em outras poucas frações de segundos, muitas coisas
aconteceram, em sucessão...
Meu olhar foi para o espelho retrovisor, meu pé saiu do
acelerador para o freio, a mão esquerda sinalizou que eu ia para o acostamento
e a direita reduziu a marcha do carro... Já no
acostamento, com a estrada ainda deserta atrás, engatei a marcha-à-ré e, de
forma impressionante para quem está acostumado a pensar e planejar, vi-me
parando numa sombra ao lado da igrejinha.
Cresci e fui criado como católico... De boca, nunca de
prática. Confessei-me, sei lá, meia dúzia de vezes, todas elas durante o
catecismo que antecedeu à minha primeira – e única – comunhão. Missas? Raras vezes,
sempre por obrigação.
Tive sorte: minha família era meio relaxada com relação à
religião, mas não com relação aos princípios religiosos que, ao fim e ao cabo, são
princípios de bem viver em sociedade, princípios típicos de civilização.
Comportei-me
da mesma forma com meus filhos, criados dentro dessa visão ampla e generosa do
catolicismo.
Bom... Generosa demais, talvez, o que já é outra história.
Digo tudo
isso para que vocês entendam a minha perplexidade com esses atos todos, que
culminaram com minha entrada na pequena igreja.
A penumbra e o frescor foram um bálsamo, depois do calor e
da luminosidade intensa da estrada. Tão bom quanto e até melhor que isso tudo era
o silêncio...
Sentei-me...
Algum tempo passou, alguns minutos, pouco mais que dez,
provavelmente.
O que pensei? Não lembro, não faço a menor ideia!
Se rezei? Não, não rezei.
Apenas fiquei lá, quieto, sentado, pensando em alguma coisa
ou em nada, relaxando, descansando, acalmando...
Bom, hora de pegar estrada, vamos nessa, pensei e levantei
do banco.
Na saída estava um pote para receber doações. Peguei algum dinheiro e
fui coloca-lo no pote, mas... a “boca” dele estava fechada.
Instantes depois, saindo, deparei com uma pessoa, um homem,
entrando com algumas coisas nos braços. Cumprimentou-me, respondi e perguntei
sobre o pote. Queria doar algum dinheiro, como poderia?
Ele disse-me algo como “doe quando voltar”, durante a missa,
porque fora da missa o pote ficava lacrado por causa dos ladrões.
Fui embora. Calmo, tranquilo, aquele estado que não é de
felicidade e nem de tristeza, muito menos de tensão.
Em paz comigo mesmo.
Meu pé estava incrivelmente leve sobre o acelerador e assim
permaneceu até o final da viagem.
Post scriptum:
não, não vou explicar, não vou teorizar, não vou fazer explanação alguma a
respeito. Cada um faça a sua própria.
Post scriptum 2:
a foto não é daquela igreja, mas lembra um pouco, até pelas árvores.
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