sábado, agosto 16, 2008

Espinhos e flores


Reparem na foto abaixo. É final de tarde, o Sol ainda está no horizonte, mas a Aleluia já dorme, depois de passar o dia com a mãe e com os primos. Escolheu como cama o chão embaixo da paineira que está dentro do bezerreiro. Como ela é agitada e brincalhona, o cansaço e a barriga cheia são ótimos indutores do sono.




Indutores do sono...

Quanta poesia... Mas, desde quando este texto é para ser poético?

Tem nada a ver, como vocês verão a seguir.

Pensando bem, nem precisa reparar muito, basta olhar para a foto do tronco da paineira em detalhe.


Viram quantos espinhos?

Pois é. Nem por isso, contudo, a paineira deixa de ser bonita e, ao seu jeito, aconchegante.

Assim, ou mais ou menos assim, é a vida no campo.

Que é, sim, bucólica, agradável, confortável, romântica, poética, que tem lá seus momentos, raríssimos, de sombra e água fresca, mas, que em contrapartida dessas coisas todas, tem também muitos senões.

Muitos espinhos, como a paineira, que é linda e gostosa no verão, com sua sombra generosa, bonita toda vida na primavera, coberta de flores, útil no inverno com suas painas que, como no sítio do Tião, cobrem o chão e dão a impressão passageira e falsa de uma nevasca em pleno interior paulista.

Na paineira, os espinhos têm função protetora.

Na vida campestre, os espinhos têm tudo, menos qualquer função útil. Principalmente quando esses espinhos são humanos e roubam.

Roubam leite e roubam galinhas, como fizeram conosco na semana passada, roubam televisões, geladeiras e aparelhos de som.

Roubam carros, motos e tratores, roubam vacas e carneiam as coitadas em qualquer beirada de asfalto, tirando meio quilo de carne e deixando o resto para os urubus, cachorros, gatos e outros comensais de carnes abandonadas; esse foi o destino da coitada da Gisele, uma das minhas Jersey PO, registrada e tudo, há alguns anos.

Essa semana mesmo, meu amigo A. e sua esposa L., chamemo-los assim, chegou em sua casa, no sítio, e deparou com bandidos fugindo em duas pickups pequenas e uma moto. A porta estava arrombada, mas os vagabundos nada levaram. Não tiveram tempo, felizmente. Mais felizmente ainda, fugiram, sem enfrentamento e as funestas conseqüências que disso poderiam vir.

Não por coincidência, uma semana antes os bandidos, com toda certeza, jogaram um pedaço de carne envenenada e mataram a cachorra que tomava conta da casa do A e da L.

Bom, a polícia foi chamada e compareceu, mas, naturalmente, nada fez, nada fará. Santa Rita do Passa Quatro tem apenas duas viaturas policiais para atender à cidade, à zona rural e ao distrito de Santa Cruz da Estrela. Nem é preciso dizer qual é a prioridade dos policiais, né? Até porque, ir pra zona rural implica em gastar combustível, pegar estradas de terra, ora com lama, ora com poeirão brabo, abrir porteira, passar por mata-burros, essas coisas todas que produtores rurais, e bandidos, são obrigados a fazer, mas que policiais e outras autoridades não gostam de fazer. Exceto, naturalmente, em período eleitoral, como agora.

Nos sítios e fazendas estamos isolados e, literalmente, sem proteção das forças de segurança, cuja existência tem por finalidade a proteção e segurança dos cidadãos.

Ao mesmo tempo, as autoridades e as leis, impedem-nos ou restringem terrivelmente, a possibilidade de auto-defesa. Ter armas em casa, por exemplo, é pedir pra arrumar chifre em cabeça de cavalo. É crime, do qual, naturalmente, estão isentos os bandidos, mas não os moradores da zona rural.




Apesar disso tudo, a vida no campo tem seus atrativos, ao menos para mim.

Como já disse mais de uma vez, o entardecer é um momento meio mágico.

A luz do Sol já baixo no horizonte dá um tom dourado a tudo. Os bezerros mais novos aproveitam o restinho de calor e antecipam a noite, caindo no sono ainda com claridade. Os mais erados ainda ficam zanzando por aqui e por ali, mastigam um pouco de feno, comem um bocadinho de grama, antes de se deitarem.

As noites com a Lua cheia, esplêndida e luminosa, ainda mais nesse céu limpo de inverno, são realmente lindas e despertam as melhores e, geralmente, as piores veias poéticas de muita gente. Gato escaldado que sou, para sorte de vocês fico quieto no meu canto e limito-me a essas mal traçadas linhas. Melhor dizendo, mal digitadas.

No fim, deixei para trás os espinhos da paineira e fiquei com suas flores e painas.


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