- E aí, tá tudo em ordem?
- Tudo bem, tudo certo.
- Ótimo. A Aleluia tá boa, desenvolvendo bem?
- Ah, tá, é a mais esperta dos bezerros, tá bem bonitinha.
- Legal, bom mesmo.
- Ah, tem uma coisa meio estranha...
Pronto!
Frio na barriga, o temor toma conta de mim.
Essa frase é sinal de coisa ruim, conheço-a muito bem, assim como o tom de voz.
- Então, o motorista do caminhão do leite trouxe um relatório e disse que o leite da segunda-feira tava sem gordura.
- Como assim sem gordura? Que loucura é essa? Justo as Jersey?
- É, eu achei bem estranho.
- Mas como o leite pode ter ido sem gordura? Não tem lógica.
- É, foi o que eu pensei, também.
...
...
Silêncio da minha parte, silêncio da dele, e a operadora do celular contando o dinheirinho pra sua conta enquanto isso.
- O motorista não falou nada, só isso?
- Só isso.
Conversei mais uma coisinha ou outra com o I. e desliguei, encafifado com a informação: como o ‘meu’ leite não tinha gordura?
Ora, pílulas, leite de Jersey só tem gordura! É riquíssimo, a ponto do próprio Jamie Oliver dizer em seus programas que o melhor creme de leite é o de leite de vacas Jersey! O que só mostra como ele é bom e entende mesmo de gastronomia. Já éramos seus fãs, aqui em casa. Depois disso, então...
Um pouco mais tarde, peguei o telefone e liguei pro Guto, tirador de leite há muito mais tempo, que mora no sítio e vive do leite. Alguém, portanto, que sabe das coisas, tanto as boas como as ruins.
Conversa vai, conversa vem e a bomba explode na minha cara ingênua:
- Emerson, leite sem gordura é leite com água. Roubaram teu leite e colocaram água no lugar.
Fico quieto... Estou pasmo, incrédulo, revoltado, desacorçoado.
- Oi, você ouviu?
- Desculpe, ouvi sim. Duro é acreditar.
- Eu sei como você está se sentindo. Onde você deixa o leite?
- Dentro do resfriador, mas o resfriador fica na varanda, exposto.
- E você não passou uma tranca nele, né?
- Nem pensei nisso.
- Pois então, pode pensar e fazer.
Pronto.
Aqui estou eu às voltas com mais uma das delícias da vida campestre.
Alguém, sabe-se lá quem, embora desconfiemos de alguém, ao invés de pedir, roubou.
Pior que isso, deu-me um duplo prejuízo: roubou o ‘meu’ leite e, em seu lugar, colocou água, afetando assim minha ficha e minha credibilidade junto ao laticínio.
Não bastava o roubo, teve também a sacanagem do prejuízo ao meu nome.
Por que o vagabundo simplesmente não deixou o latão com menos leite, flutuando na água?
Porque além de bandido e vagabundo é burro. Fez isso achando que ninguém iria descobrir e assim ele poderia continuar mamando no meu resfriador.
Só não sei para fazer o que com o leite, pois quem roubou não tem criança pequena na casa e, bem sabemos, tem leite à vontade do próprio local.
Claro, sabemos quem foi, mas não temos provas.
É o mesmo ladrão que levou as galinhas e foi visto por um morador próximo descendo de seu cavalo e levando um monte de sacos vazios na mão.
Agora o resfriador está envolvido por uma corrente, fechada com cadeado. Não que vá impedir, caso a vontade de roubar seja grande, mas atrapalha e atrasa muito o “serviço”, coisa que vagabundo nenhum gosta.
Não vale a pena avisar a polícia, é só perda de tempo, mas assim mesmo eu vou avisar, pois quem rouba um tostão rouba um milhão.
Hoje, galinhas, o galo vermelho que a Rosa adora e leite. Amanhã... Sabe-se lá o que.
Por isso, já tenho visita programada à delegacia tão logo chegue na cidade.
Tem nada, não, a vida no campo, mesmo assim, é gostosa, e é meu sonho e meu destino.
Não, hoje não vou falar sobre as galinhas e o galo vermelho. Lamento.
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