domingo, maio 18, 2008

Reflexões e revelações de uma noite sabatina

Não tenho mais por onde fugir.


(E se você, leitor paciente, já fugiu desse texto iniciado com um “não”, não se preocupe, não irei reclamar de sua ação; sim, não irei porque sei que não se começa um texto com não).


Os argentinos descobriram-me, agora o jeito é ceder e embarcar. Aguardo apenas a passagem e a confirmação da suíte no hotel buenairense de minha escolha, pois o congresso acontecerá na linda capital portenha, embora eu preferisse, mesmo, que fosse na muito mais linda San Carlos de Bariloche, no fantástico Lau Lau. Porém, aprendi em outras eras que a cavalo dado não se olha os dentes. Hoje, contudo, dado o preço do feno, das vacinas, das rações e outras coisinhas mais necessárias ao bem-estar eqüino, não só é o caso de olhar-se muito bem os dentes, como também de pensar bastante a respeito de tal presente. Os custos atuais estão fazendo de todos os simpáticos e maravilhosos cavalos... cavalos de Tróia. Nem por isso, entretanto, abrirei mão de manter o Brioso comodamente instalado no Sítio das Macaúbas, além do que, tão logo me mude, darei a ele a companhia de um ou dois parceiros de pasto & feno. Cavalo é paixão e paixão não tem preço. Tal e qual as minhas vaquinhas.


Os argentinos... Pois é, os hermanos descobriram meus pendores para a arte médica e meus profundos conhecimentos a respeito, associados ao gosto que tenho pelas causas jurídicas que rendem grandes debates nos tribunais, chegando, inclusive, à Suprema Corte.


Ah, vocês desconheciam essas minhas facetas?

Pois não deveriam.


A prova está no convite que recebo a cada oito ou dez dias, lembrando-me, instando-me, mesmo, a participar do VII Congreso Argentino de Derecho Médico y de Salud, a realizar-se brevemente em Buenos Aires.

Não, nem adianta pedir-me consulta médica ou jurídica. Apesar do convite para o Congresso citado, não sou médico e menos ainda jurista. Esse último menos ainda tem sua razão de ser, uma vez que, em relação ao primeiro, como diz o povo, de médico e de louco...


Apesar de ser um sem-diploma na vida, e já em dúvida se o meu diploma da vida é verdadeiro ou veio da China via Ciudad del Este, sou um perito nessas artes, como já disse. Consegui chegar onde cheguei graças ao inestimável aprendizado com os Doutores Gregory House e Alan Shore.


O primeiro, para quem não conhece, médico de grande prestígio entre o povo dos Estados Unidos e do Brasil, mas aqui somente entre os felizes espectadores das tevês a cabo. Dr. House tem muito prestígio, também, entre as classes dos artistas e publicitários. O segundo, o Alan Shore, é advogado de enorme prestígio em Boston, terra de grandes juristas de tradição liberal.


Estamos juntos toda semana, eles na telinha e eu no sofazão, e dessa forma damo-nos muito bem.


Sou craque em diagnósticos estranhos. Já vou adiantando que, dependendo do jeito que a pessoa está à minha frente, de cara já sei se se trata de um caso de lupus ou sarcoidose. Ressonâncias e tomografias são comigo mesmo. Diante de um tomógrafo de última geração, comporto-me da mesma forma que diante de portentosa ilha de edição. Sou fera no assunto. Ao contrário do Greg, porém, meu cinismo é tímido, mais mental que oral. Uma vantagem, segundo alguns, uma enorme desvantagem, segundo a maioria dos pensantes.


Como o Alan, sou liberal e conservador ao mesmo tempo. Gosto de velhos valores (ainda mais se ao portador e penhoráveis), mas apego-me ao seu espírito, não às suas letras, pois também gosto das coisas novas. Sou novidadeiro, se alguém quiser me conquistar é simples: um McBook com 4 gigas de memória RAM, HD de 200 gigas, todo equipado com tudo de direito e muito mais. Taí um negócio simples e que, certeza absoluta, conquista-me totalmente.


De alguma forma a organização do VII Congreso Argentino de Derecho Médico y de Salud descobriu-me e às minhas qualificações. Os vendedores de livros já conhecem meus gostos e enviam-me tentadoras propostas literárias, tão tentadoras quanto as propostas de mirabolantes viagens por todo o mundo. Por sinal, trabalho mal empregado, pois de todo o mundo só interessam-me, a rigor, a Toscana, a Provence, as estepes da Ásia Central, o Himalaia, o Kilimanjaro e a Grande Barreira de Recifes, além de ver ao vivo e a cores alguns grandes jogos em Barcelona e Madrid, principalmente. Portanto, poupem-me das ofertas para Los Angeles, Chicago, mesmo New York – essa, só depois que Obama assumir – e, principalmente, Miami. Tudo, menos isso. De repente dou de cara com o tal Horatio, aquele do CSI Miami, com sua eterna cara de quem comeu demais e não gostou de nada.


De tudo que recebo em minha caixa de entrada internética, tenho ficado incomodado somente com repetidos, inumeráveis e originalíssimos e-mails que me prometem mais 4 polegadas! Mas que diabos vou fazer com mais 4 polegadas?


Um verdadeiro absurdo, principalmente se lembrarmos que a formosa Marta Rocha perdeu o cetro universal porque tinha 2 polegadas a mais.


Eu, hein?


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