segunda-feira, maio 12, 2008

Ondas e outras coisas


Dia das Mães, por volta das nove e meia toca o telefone.

É minha filha ligando de Bali. Falamos rapidamente, com o devido delay para a voz chegar e voltar, afinal, Bali é longe pra burro, mas não para surfistas. Ela falou só comigo, pois a Rosa tinha saído. Está adorando Bali, é tudo maravilhoso, etc e tal. Ela e o marido não compraram um laptop em Cingapura porque acharam caro. Preferiram deixar para comprar no Brasil, depois que voltarem.

Meu queixo caiu e fiquei sem resposta.

Parece que o real anda mesmo valorizado e o dólar desvalorizado.

Voltando à paradisíaca (dizem, não conheço) Bali, ficarão por ali mais alguns dias, pegando ondas. Depois vão para Mentaway, na ilha de Sumatra. Antes tem outra parada não sei onde, e por fim, já no caminho de volta, Jeffers Bay na África do Sul, lugar aprazível também para ver tubarões-brancos, aqueles mesmos.

Ufa! Só de relatar já fiquei cansado.

Viajar, hoje, é algo plenamente pensável para qualquer cidadão com razoável ficha cadastral, e por razoável entenda-se não ter protestos e ganhar mais de um salário-mínimo. O crédito está fácil, abundante, oferecido e descarado.

Fácil de pegar.

Difícil de pagar.

Como sempre, mas quem pensa nisso?

Felizmente, o casal surfista primeiro guardou os caraminguás e só depois viajou.

Meno male. E certeza que a viagem será lembrada com saudades e carinho.

Mas não estou escrevendo esse post para ser um relato financeiro/familiar/turístico.

O motivo é outro.

Java, Sumatra, Indonésia e outros mais, são nomes que conheço desde moleque. Sempre associados a vulcões, maremotos, terremotos e agora tsunamis. Esse longo passeio por ali tudo, confesso envergonhado, às vezes preocupa-me um pouco.

Por mim, teriam voltado para a verdadeiramente paradisíaca Itacaré – conheçam antes que façam ali um megaporto e destruam tudo – ou para a não menos espetacular Fernando de Noronha.

Mas, o chamado das ondas perfeitas falou mais alto, calou mais fundo em seus desejos.

A ligação para cá foi feita do hotel, imagino. Não quiseram levar seus celulares, talvez com receio de receberem ligações fora de hora e fora de orçamento, o que é pior.

Semana passada meu filho estava em Buenos Aires. Depois de deixá-lo no aeroporto e já na longa viagem de volta de Cumbica para a Granja Viana, lembrei-me de algo a falar com ele. Liguei para seu celular, mas já estava desligado. Bom, paciência, depois eu conto.

Horas depois, ouço o alerta de mensagem chegando no meu celular. Fui olhar e era mensagem do celular dele, já na capital porteña, informando que já estava disponível para receber ligação.

Ora, por que não?

Dito e feito, liguei e quase de imediato começamos a conversar. Assim foi por várias vezes, geralmente uma por dia. Que coisa... É vapt-vupt, liga e alguém atende no outro lado do mundo ou bem ao sul do Rio Grande.

O melhor local e horário para falar ao celular é no trânsito paulistano.

Sim, é proibido, eu sei.

Sim, tem multa, eu sei.

Sim, é perigoso, eu sei.

Porém, quem disse que eu falo com o carro em movimento?

(Até faço isso, mas atire a primeira pedra quem não?)

Falando ao celular o tempo passa e a gente não percebe.

Mesmo à fantástica velocidade de cinco ou seis quilômetros por hora, em algum momento chegamos ao destino e, se conversamos muito e bem, nem sentimos a passagem do tempo.

Para alguma coisa serve o trânsito: conversar pelo telefone.

Para alguma coisa extra serve o celular: suportar o trânsito da Paulicéia.

Queria um livro lá de Buenos Aires, um livro que comprei em conjunto com um amigo, mas, com as mudanças da vida, ficou com ele e nunca mais vi, nem um, nem outro.

A lembrança desse livro me persegue há anos. Agora, com os 40 anos da Primavera de 68, o desejo volta mais forte. Nele, o autor dá imagens inesquecíveis, para mim, do que foi a revolução que não aconteceu, mas mudou o mundo.

O livro é o Ultimo Round, de Cortazar, um de seus livros menos conhecidos e, para mim, um dos melhores. Ora, mas por que eu queria esse livro vindo de Buenos Aires? Porque o que eu quero é o mesmo que eu tive, no comecinho dos 70, a primeira edição, da Siglo XXI mexicana, quebrado em duas partes, como vemos em livros infantis, uma separada, distinta, da outra. Já andei procurando por ele aqui em São Paulo, claro, mas ainda não achei.

Tem na Amazon, claro, mas tá caro pra burro.

Uma palavrinha com São Google e descobri-o em duas ou três livrarias que vendem livros antigos em Buenos Aires. Ah, mas quando vi o preço do livro em melhor estado, desisti: 200 dólares! É muita areia pro meu atual caminhãozinho. Mas hei de encontrar e comprar esse livro. Enquanto isso, se alguém tiver oportunidade, recomendo a leitura. Aliás, recomendo tudo de Julio Cortázar, como, por exemplo, Libro de Manoel, leitura assaz indicada para os dias que correm.

Desisti do Ultimo Round buenairense. Acho que vou encontrar essa obra muito mais em conta por aqui mesmo. Mas ainda vou checar Madrid, Barcelona e México. Afinal, internet e google servem para isso mesmo.


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