terça-feira, agosto 08, 2006

A mesma lua, lá e cá


É um hábito que carrego comigo desde que mudamos para a Granja Viana, não consigo fugir dele, e tampouco quero. Antes de me deitar, vou à janela do quarto e olho para a noite que esconde a paisagem que era só de árvores e agora é de árvores, luzes e casas. As luzes, felizmente, são poucas. Ainda bem.

A Lua está cheia no céu de inverno sem nenhuma nuvem. Como os cronistas antigos, não consigo ou não quero procurar outra palavra, e digo que sua luz banha a essa terra, dando às árvores e aos morros uma característica distinta das que eles apresentam nos dias ensolarados. É uma paisagem calma e silenciosa, os ruídos nessa noite são poucos e até os cachorros dormem, apesar da lua cheia. Encosto na parede e fico olhando por alguns minutos. Tranqüilo, vou para a cama, leio um pouco e durmo.

Sou precavido ao amanhecer. Desprezo todo o jornal e vou direto à seção de esportes. Ali, as notícias não me fazem mal, pelo contrário. Mesmo nas catástrofes – e cada derrota de meu time é uma – a dor é diferente, pois sei que passageira. E é assim que tomo o café da manhã. Só depois eu começo a folhear e, ocasionalmente, ler o resto do jornal.

Felizmente...

O PCC atacou novamente...

Fidel continua internado, mas vai viver para sempre, como um personagem de Garcia Marquez. Penso na Dra. Hilda e em sua mãe. Lamento.

Em Rondônia, os três poderes são antros da mais deslavada corrupção.

A ciência avança na cura do câncer através do uso do tempo ocioso dos computadores pessoais.

Israel bombardeia o Líbano. Hezbollah bombardeia Israel. Poucos soldados mortos, muitas crianças, mulheres e idosos mortos.

É quando paro no relato do correspondente de O Estado de S.Paulo na região, Lourival Sant’Anna.

“Eram 20h43. A lua cheia brilhava no céu sem nuvens de Marjayoun. Foi quando começou o bombardeio.

No início, tem-se o impulso de contar as bombas... Depois cai-se numa quase monotonia, quebrada por um ou outro estouro mais próximo, o impacto que sacode fortemente a casa. As paredes tremem e os vidros, se ainda houver – o que não é o caso da casa onde o repórter do Estado passa a noite – se estilhaçam.”

Essa mesma Lua, poucas horas depois, estaria banhando com sua luz suave e prateada a paisagem em frente à minha janela e, um pouco mais distante, as vacas deitadas na sombra do barbatimão, ruminando tranqüilas e pensando em nada, como gostam de fazer, acho eu.

O relato do repórter prossegue, fala em perdas e destruição, fala de vidas que se foram, mortas ou fugidas, fala de habitações vazias, e ainda é um texto suave, tanto quanto a luz da lua, pois texto nenhum consegue retratar o horror e o sofrimento dos bombardeios e da guerra.

Ontem, quando me deitei, o livro que levei para ler falava de um outro tempo, duro, também, afinal, o homem sempre transforma para pior o seu tempo e lugar. Mas o tempo retratado no livro foi, talvez, o último tempo meio louco, o último tempo antes da loucura tomar conta das ações humanas. Um trecho lido algumas noites atrás dá bem uma prova disso:

“... Em vez de um pequeno número de profissionais perfeitamente adestrados, defendendo a causa de sua pátria, com armas antigas, e a surpreendente complicação das manobras arcaicas... vemos agora populações inteiras, inclusive mulheres e crianças, lançadas umas contra as outras num brutal extermínio do qual só conseguem escapar alguns burocratas de olhos remelentos, que sobram para fazer a escrita da carnificina.“

O tempo do qual fala o autor é a última década do século XIX. E quem escreveu essas linhas foi Winston Spencer Churchill, à época jovem oficial da cavalaria no exército de Sua Majestade.



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12 comentários:

Anônimo disse...

Emerson, então... lendo Churchill, né? Qual a biografia (ou biografias) na mesa de cabeceira?

Emerson disse...

Ainda as mesmas, CJ, "Churchill" e "Bolívar".

E preciso voltar pra "grandona" do Churchill, pois, como lembrou um amigo por e-mail, o mesmo homem que escreveu essas palavras que citei aqui, fez parte do comando que autorizou os bombardeios de Hamburgo e de Dresden.

Embora nessa sua auto-biografia - "Minha Mocidade" - em vários trechos ele já se refira à loucura que tomará conta do mundo.

Anônimo disse...

Emerson, é importante lembrar que Churchill presenciou a Guerra Boer na condição de mezzo-jornalista, mezzo-soldado: e lá viu de perto (se não viu, ouviu) os primeiros campos de concentração que surgiram pela "counter-insurgency warfare" naquela vertente ainda vitoriana. Como você sabe, ele também lutou com certa dedicação pela reconciliação com os Boers...

Não faz tanto tempo que li a curta biografia dele pela mão do John Keegan, e uma outra -- vasta e enciclopédica -- do Roy Jenkins.

Anônimo disse...

respondendo ao teu comentário alhures, Emerson, sobre bios do WSC: não digo a ninguém que "deviam" ler a do Jenkins. Até por uma questão de piedade. Mas eu li sim no verão passado enquanto recuperava de fratura na rótula. São 800 páginas, grande parte dedicada ao jogo parlamentar e suas intricâncias ao longo dos 50 anos de carreira parlamentar do WSC maduro.

Mas o Jenkins também relembra a carga em Omdurman, mesmo que o Keegan, sendo historiador militar, capture com traços mais vibrantes o espírito da coisa.

Anônimo disse...

se mata se morre...e ainda ficam pra historia....

Anônimo disse...

Ambrósio, você também por aqui?

Passe também no Notas Avulsas (http://notas-avulsas.blogspot.com) e deixe (1) um comentário e (2) seu contato pras minhas amigas no Rio encomendarem umas trufas.

Emerson disse...

É, mas não tenho como escapar do Jenkins.

Eu pensei que tinha comentado aqui sobre o Gromyko, mas foi alhures. Balla, acredite, fiquei meio, sei lá, abestalhado com o Gromyko ignorando esse grande bananal. Ou, pior, talvez não ignorando e por isso mesmo sequer citando. Foi "maus".

Melhor ler a do Kennedy, a história dos mil dias de governo pelo seu assessor, o Schlesinger. Lá o Brasil é figurante. Não chega a ser personagem, mas é figurante de certo peso e porte.

:o)

Anônimo disse...

Emerson, se você ainda lê inglês com desenvoltura eu mando as duas bios (Keegan e Jenkins) pelo DHL. Sem problemas e sem estresse. Eu já passei da idade quando queria acumular biblioteca. (Ah, e se a India -- o país ao sul do centrão da Ásia, e não a música paraguaia em cover da Gal -- for do teu interesse, tenho um container inteiro.) Depois explico.

Emerson disse...

Estou sempre lendo alguma coisa em inglês, não há como ficar sem. :o)
.
Ano retrasado vendi quase todas as minhas primeiras edições, mas eu nunca saí da idade de acumular biblioteca. :o)

Pra desespero de certa moradora dessa casa.

Já o subcontinente... Meu interesse é pequeno, mas pela história do container é grande.

Vou nessa.

Anônimo disse...

Fair enough. I'll leave India out of the package for the time being. (Father lived there from '90 to '02).

But send me your shipping address and we'll start with the Churchills.

It would please me to know that they'll wind up in the hands of another reader.

Anônimo disse...

Voltei a ver a lua inda gora.

Um disco cheio subindo do sul.

Well, that's the moon.

Linda e de prata branca e suspensa subindo no céu.

Anônimo disse...

Eu doei coleções inteiras bem encadernadas de mistérios, intrigas, fatos irrefutáveis e algumas biografias, relativas aos períodos prè-14-18, entre duas guerras, segunda guerra e pós segunda guerra.

Foi muito mais que uma questão de espaço físico: Eu me desinteressei!

Mantenho uma coleção de história desse período para enfeite da estante, e há anos que não folheio.

Afinal, banhos de sangue pelos mais estúpidos motivos são encadeados non-stop.

Nelsinho