Caminhava tranqüilo pelo Malecón, uma manhã fresca em Havana graças a uma frente fria vinda do distante norte. O mar estava calmo, ao contrário da véspera, quando as ondas quebravam no grande muro – o malecón – que protege a orla naquela parte de Havana e subiam alguns metros. Espetáculo bonito, mas assustador. Não gostaria de estar na ilha durante a passagem de um furacão.
A máquina fotográfica a tiracolo era meu atestado de turista, o que atraía a atenção dos cambistas, da polícia e de pessoas comuns, que olhavam para minha mulher e para mim sem pudor, sem tirar os olhos. Eu é que sempre tirava os olhos. Sou tímido.
O velhinho vinha caminhando num ritmo rápido. E dava pra perceber, mesmo ao longe, que embora bem velho, estava numa forma excelente. Ao se aproximar, olhou-nos e cumprimentou com um sonoro bom-dia. A conversa com ele era inevitável e começou
A conversa estava boa, mas não lembro ao certo do que falávamos, mais ele do que eu, claro. Foi quando ele disse-nos a frase mais marcante, para mim, daquela viagem a Cuba:
- Vamos a caminar, que a la policia no les gusta que hablemos con estranjeros.
E assim seguimos caminhando, um pouco mais devagar do que ele estava acostumado a andar, para prolongar o prazer daquela conversa. Despedimo-nos defronte ao grande outdoor – ou devo dizer cartaz? – conclamando os cubanos à luta:
- Hasta la victoria siempre!
Ele se foi para continuar vivendo sua vida desconhecida. A essa altura, tantos anos passados, já deve ter partido para a tal da viagem definitiva da qual nada sabemos e muito supomos. Afinal, enquanto isso, a União Soviética se foi, a Iugoslávia acabou, como tantas outras coisas, mas Fidel permanece.
A Dra. Hilda Molina e sua mãe, já com 87 anos de idade, permanecem literalmente aprisionadas na ilha. Essa brilhante neurocirurgiã e cientista, revolucionária de primeira hora e desiludida com o regime, nada recebe do estado, e sobrevive com a pensão mínima – 8 dólares por mês – que recebe sua mãe.
E o que quer a Dra. Hilda Molina? Sair de Cuba e ir para a Argentina, onde vivem seu filho e neta. Família que ela não vê há mais de 12 anos. Mas Fidel não permite. O grande herói das massas oprimidas mantém prisioneiras em sua ilha duas senhoras, uma delas já muito idosa.
A troco de que?
Eis aqui um bom assunto para o companheiro Zé Dirceu usar suas nunca imaginadas habilidades diplomáticas.
Eis aqui um bom assunto para o grande líder e amante da democracia, lulla da Silva, conversar com seu amigo Fidel. Talvez convenha, antes, consultar o companheiro Chávez. Isso, contudo, é mero detalhe diante do sofrimento de duas mães.
Não tenho saudades de Cuba.
P.s. Na recente reunião de chefes de estado do Mercosul realizada em Córdoba, na Argentina, o presidente desse país, Néstor Kirchner, pela segunda vez desde que assumiu a presidência entregou uma carta a Fidel Castro pedindo a libertação - na prática - da Dra. Hilda e sua mãe, para que possam rever o filho e neto, e conhecer sua família. Como de hábito, Fidel não respondeu e a Dra. Hilda continua prisioneira na ilha.
.
3 comentários:
Triste essa história. Como tem gente sem alma nesse mundo.
Sandra
quem sabe essa historia comece a mudar em breve?
tudo, ou quase tudo, parece apontar para algum tipo de fim em cuba...
Pois é. O que me assusta é que tem muita gente "esperta" no Brasil piscando o olho para o tal de socialismo. Depois de se arrepender, leva umas duas gerações e muito sofrimento para sair da aventura desditosa. E o pior é que quem mais vai sofrer serão as gerações futuras que não pediram para testar essa estrovenga. Que Deus dê juizo aos brasileiros.
Postar um comentário