sábado, fevereiro 22, 2014

Vida marvada... ou não



Nesses últimos anos acostumei-me a vê-lo ao levar o Dito para sua casa, sempre com o chapelão tipo Stetson, sempre sentado no portão de sua casa ou na escadinha do alpendre e, principalmente, a ouvi-lo. Fosse cantando e tocando sua viola, ou ouvindo, em alto volume, músicas sertanejas num potente equipamento, daqueles que nos acostumamos a ver nos ombros de amantes do hip hop, rock, funk e – por que não? – sertanejo.
Seu nome é Mato Grosso, é o que sei. Nem creio que por nascimento (alguém já viu mato-grossense fora do Mato Grosso?), mas talvez por paixão a uma terra que povoa os sonhos de quem gosta dos grandes espaços dos sertões, terra que povoa as letras de músicas sertanejas, escritas por sonhadores ou saudosos dos sertões.
Na minha cabeça, o quadro do Mato Grosso ficou meio delineado: a viola, chapéu, o som e o carro na garagem, limpinho e brilhante, sempre o oposto do meu próprio e judiado carro. O carro foi a concretização brigada de um sonho. Quando recebeu um dinheirinho, tempos atrás, teve a opção de comprar a boa casinha onde morava. Não quis, preferiu o sonho, comprou o carro.
Coisas da vida.
Ultimamente, reparei que ele não estava lá na frente da sua casa. E o som não se ouvia. Estranho. Apesar disso, não perguntei ao Dito o porquê das ausências, por mero esquecimento ou porque estávamos no meio de alguma conversa e não queria mudar o assunto. Numa das vezes em que levei-o para casa, nessa semana, perguntei-lhe do Mato Grosso.
- Ué, o senhor não sabe? Ele estava se queixando fazia tempo de uma dor na perna (e o Dito aponta para a sua própria perna direita) e não ia no médico, não ia, não precisava, ia tomar um comprimido e foi levando. Aí, outro dia, a dor piorou e ele foi pra Santa Casa, só que não tinha mais jeito: mandaram ele pra Ribeirão Preto e cortaram a perna dele, logo aqui, ó (e mostra com o dedo um ponto pouco abaixo do joelho).
Bateu uma tristeza grande. Chateado, perguntei ao Dito que diabo era aquilo, como foram cortar a perna do cara assim, sem mais nem menos?
- Mas não foi assim sem mais nem menos, seu Emerson, a dor vinha atormentando ele há muito tempo.
- Puxa vida, mas que coisa, hein? E como ele está?
- Ah, eu perguntei a mesma coisa pra ele, outro dia, e ele respondeu que tava bem, tava sem a perna, mas tava sem dor.
E assim segue a vida, pensei cá com meus botões. Sem dor, o que deve ser muito bom. Mas, agora, de que lhe servirá o carrinho bonito e brilhante? Melhor teria sido comprar a casinha, não?
Vida marvada.
Será mesmo tão marvada assim?
Sei lá, já tive muitas respostas para muitas coisas em outros tempos, em outras eras. Hoje tenho muitas perguntas para muitas, infinitas coisas. E não tenho mais as respostas... que achava que tinha.

Gostaria de ver novamente sua figura, chapelão na cabeça, viola na mão, cantando e tocando. Curiosamente, nunca parei para ouvi-lo, mas, passando devagar, cada vez mais devagar, ouvia um bocado do que cantava. Deu saudade.

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