Nesses últimos anos acostumei-me a vê-lo ao levar o Dito para sua casa, sempre com o
chapelão tipo Stetson, sempre sentado no portão de sua casa ou na escadinha do
alpendre e, principalmente, a ouvi-lo. Fosse cantando e tocando sua viola, ou
ouvindo, em alto volume, músicas sertanejas num potente equipamento, daqueles
que nos acostumamos a ver nos ombros de amantes do hip hop, rock, funk e – por que
não? – sertanejo.
Seu nome é Mato Grosso, é o que sei. Nem creio que por
nascimento (alguém já viu mato-grossense fora do Mato Grosso?), mas talvez por paixão
a uma terra que povoa os sonhos de quem gosta dos grandes espaços dos sertões,
terra que povoa as letras de músicas sertanejas, escritas por sonhadores ou
saudosos dos sertões.
Na minha cabeça, o quadro do Mato Grosso ficou meio
delineado: a viola, chapéu, o som e o carro na garagem, limpinho e brilhante,
sempre o oposto do meu próprio e judiado carro. O carro foi a concretização brigada
de um sonho. Quando recebeu um dinheirinho, tempos atrás, teve a opção de
comprar a boa casinha onde morava. Não quis, preferiu o sonho, comprou o carro.
Coisas da vida.
Ultimamente, reparei que ele não estava lá na frente da sua
casa. E o som não se ouvia. Estranho. Apesar disso, não perguntei ao Dito o
porquê das ausências, por mero esquecimento ou porque estávamos no meio de
alguma conversa e não queria mudar o assunto. Numa das vezes em que levei-o
para casa, nessa semana, perguntei-lhe do Mato Grosso.
- Ué, o senhor não sabe? Ele estava se queixando fazia tempo
de uma dor na perna (e o Dito aponta para a sua própria perna direita) e não ia
no médico, não ia, não precisava, ia tomar um comprimido e foi levando. Aí,
outro dia, a dor piorou e ele foi pra Santa Casa, só que não tinha mais jeito:
mandaram ele pra Ribeirão Preto e cortaram a perna dele, logo aqui, ó (e mostra
com o dedo um ponto pouco abaixo do joelho).
Bateu uma tristeza grande. Chateado, perguntei ao Dito que
diabo era aquilo, como foram cortar a perna do cara assim, sem mais nem menos?
- Mas não foi assim sem mais nem menos, seu Emerson, a dor vinha atormentando ele há muito tempo.
- Puxa vida, mas que coisa, hein? E como ele está?
- Ah, eu perguntei a mesma coisa pra ele, outro dia, e ele respondeu que tava bem, tava sem a
perna, mas tava sem dor.
E assim segue a vida, pensei cá com meus botões. Sem dor, o
que deve ser muito bom. Mas, agora, de que lhe servirá o carrinho bonito e
brilhante? Melhor teria sido comprar a casinha, não?
Vida marvada.
Será mesmo tão marvada
assim?
Sei lá, já tive muitas respostas para muitas coisas em outros
tempos, em outras eras. Hoje tenho muitas perguntas para muitas, infinitas
coisas. E não tenho mais as respostas... que achava que tinha.
Gostaria de ver novamente sua figura, chapelão na cabeça, viola
na mão, cantando e tocando. Curiosamente, nunca parei para ouvi-lo, mas,
passando devagar, cada vez mais devagar, ouvia um bocado do que cantava. Deu saudade.
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