“É calor de mês de agosto, é meados de estação
Vejo sobras de queimadas e fumaça no espigão”
Os versos que abrem “Terra Tombada”, de Carlos Cezar e José Fortuna, cantada por Chitãozinho e Xororó, retratam bem esse mês que é sempre chato. Faltou falar do vento, que seca e resseca tudo ainda mais.
O monte de palha que tiramos da cana antes de ser picada para as vacas queima de forma instantânea, mal se encosta nele a chama do fósforo. As labaredas crepitam, a fumaça corre meio deitada no rumo do Sol ainda alto, levada pelo pouco de vento do começo de tarde. Em questão de segundos fica sobre o chão apenas pequeno monte de cinza, fumegando. O ceu, para os lados do oriente, está opaco, tomado por um cinza escurecido com uns toques meio avermelhados, tudo efeito do ar tomado por partículas as mais diversas, sólidas, nem é preciso dizer, que irritam os olhos, a garganta e até a boca.
É agosto.
Dias atrás, dia amanhecendo, o Dito chegou e disse-nos, com ar preocupado, um pouco até assustado, que alguém tocara fogo no capim do barranco na beira do asfalto e as chamas tinham quase chegado no nosso pequeno e salvador canavial, comida única das vacas nessa seca. Só não pegara fogo na cana porque um caminhão da usina jogou água e apagou o incêndio em seu começo. Tudo isso ele viu e deduziu em segundos, enquanto seu ônibus passava ao lado, já reduzindo a marcha para ele descer.
Ordenha finda, fomos lá dar uma olhada. De fato, tudo deve ter acontecido tal e qual disse o Benedito, para não ficar “disse o Dito”. O fogo começou na divisa do acostamento com a estreita faixa de terra antes da cerca. Passou pelos arames e mourões rapidamente, mas deixando suas marcas. Subiu o pequeno barranco tomado por capim e arbustos e entrou no carreador que margeia o canavial.
Foi nesse ponto que apareceu o caminhão-bombeiro salvador. O pessoal da usina sabe dos malefícios que mentes criminosas espalham nessa época e os motoristas dos seus caminhões-bombeiros têm liberdade para debelar esses princípios de queimada. Santa providência! Graças a ela, não perdemos a comida das vacas, o que seria simplesmente catastrófico para nós.
Os caminhões são usados para prevenir e controlar eventuais excessos nas queimadas de cana para colheita, processo em fase de extinção no estado de São Paulo, reduzido mais e mais a cada ano. No alto do tanque, atrás da cabine, é montada uma estrutura com um canhão-d’água. O motorista sobe, senta-se atrás da peça de artilharia aquática e dirige um jato poderoso contra os pontos com fogo. A força da água foi tanta que tombou toda a primeira linha de cana, e também boa parte da segunda. Tombou, mas salvou, e graças ao canhão-d’água da usina minhas vaquinhas Jersey e mestiças continuam comendo a sagrada cana picada duas vezes por dia.
Bom, voltando ao crime propriamente dito: como de hábito, ninguém viu, ninguém nada sabe. Falar com a polícia é tempo perdido, pois nunca fizeram e tampouco virão a fazer algo para prevenir ou punir esse tipo de crime. Pensei em falar com a Polícia Ambiental, que ainda chamamos de “Florestal”, mas seria igualmente inútil. Como seguro morreu de velho, pensei, e nisso fui apoiado pelo Zé Divino e pelo Dito, que seria até melhor não ter polícia enxameando por aqui, olhando, fuçando, pois o resultado mais provável seria apenas atiçar a vontade criminosa, que, certamente, voltaria à carga para terminar o serviço que foi interrompido.
Como de hábito, novamente, e temos muitos desses hábitos, fiquei “na minha”, apenas torcendo para nada acontecer. Claro que à mercê da bandidagem, contra quem não temos defesa. Ter uma arma em casa e disparar meia dúzia de tiros é procurar, e achar, chifre em cabeça de cavalo. Ora, como bem sabemos que cavalo não tem chifre...
Fizemos ligeiro aceiro na beirada do carreador e mudamos o corte da cana. Em poucos dias tiramos toda a cana mais próxima do asfalto, recuando o início do canavial em vários metros.
Para ajudar, caiu chuvinha miúda, raridade para agosto, que ajudou a dormir sem grandes receios.
A seca, porém, ainda não terminou e não sabemos quando isso acontecerá. Tanto gastamos em tantas coisas e não temos um satélite meteorológico próprio, posicionado para cobrir unicamente o que de fato interessa ao Brasil. Se não tivéssemos tantos ministros, tantos assessores, tantas malas (além de cuecas, meias e outros cofres) circulando pelos corredores e ante-salas brasilienses, sem dúvida sobrariam rios de dinheiro para gastarmos em coisas como um satélite meteorológico.
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