quarta-feira, junho 04, 2008

Machismo no Sítio das Macaúbas

Pois é, vejam só, contrariando o momento histórico presente em que o machismo apresenta nítido viés de baixa (obrigado, companheiros economistas do BC e arredores), por sinal corroborado por amigo meu, escritor de muito saber e observador arguto da vida nas grandes cidades, no Sítio das Macaúbas o maledeto desvio apresenta franco e preocupante viés de alta.

Que digo? Viés?

Nada disso, já deixou de ser tendência para assumir claríssima predominância. Digo, entristecido, que a situação fugiu ao controle que, diga-se, nunca tive, e hoje é uma das minhas fontes de aborrecimento e, por extensão, de prejuízo. Justamente agora...

Nos últimos sessenta dias recebi – contei direitinho – nada menos que sete ligações de interessados em comprar minhas bezerras e novilhas e até mesmo as minhas vaquinhas adultas remanescentes. Como sete é conta de mentiroso, o número real de ligações foi de nove ou dez, mas o número de interessados é de sete mesmo. Não declino seus nomes aqui por tratar-se de assunto que envolve o sigilo comprador-vendedor de gado, mesmo que, na atual conjuntura, eu não mais seja vendedor de gado. Mas garanto o sigilo, sabem como é, noblesse oblige.

Tantos telefonemas têm sua razão de ser: estão todos entusiasmados com o leite. Minha mulher, cética, olha tudo e diz que já viu esse filme antes. Eu, igualmente entusiasmado, retruco dizendo que também já vi esse filme de incontáveis reprises, mas saco do bolso do colete que não tenho os nomes mágicos: China e Índia. Falo da preocupação da ONU com a alta dos preços dos alimentos, manejo com certa maestria, modéstia às favas, os números de habitantes e crescimento dos PIBs dos distantes e populosos países asiáticos, com a emergência do que se pode chamar, neles, de classe média, contadas de dezenas em dezenas de milhões de pessoas, e mais o crescimento das áreas agrícolas voltadas à produção de biocombustíveis, com a conseqüente diminuição das ditas áreas destinadas à produção de alimentos, inclusive leite e laticínios, como os danoninhos da vida, concluindo, meio professoral, meio bobo alegre, que a melhoria dos preços, dessa vez, é sustentável.

Abro um parêntesis: quer impressionar e ver uma fala ou um texto passar batido pela platéia ou leitores, deixando em todos a sensação de que você entende do que fala e tem informações que mortais comuns ignoram? Quer mesmo? É fácil: use “sustentável” ou, de preferência, “sustentabilidade”. É tiro e queda, garanto. Não importa que você não faça a mínima idéia se isso ou aquilo tem ou é passível de ter auto-sustentação. Pode usar uma dessas palavras, é tiro e queda. Lembra da fase em que “cidadania” e “republicano” eram as palavras de ordem? Pois então, é meio por aí.

Como dizia, dessa vez eu acredito que a melhora nos preços dos alimentos é mais firme, é mais estrutural que conjuntural, logo, é sustentável, sim. A menos, é claro, que uma catástrofe planetária abata-se sobre nós, mas aí, vamos e venhamos, não há sustentabilidade que resista. Só sei que o leite está em alta firme, todo mundo anda querendo produzir mais leite, aumentar sua produção, voltar a produzir, entrar no mercado como produtor de leite é uma febrezinha, coisa aí de uns trinta e oito graus, longe ainda dos quarenta, mas uma febre.

Na manhã de segunda-feira, estava na Casa da Lavoura entregando minha nota de compra de vacina contra aftosa com o respectivo relatório com o número de cabeças e coisa e tal, e, como de hábito e manda a boa educação, trocava dois dedos de prosa com uma pessoa importante para todos nós, criadores pequenos: um negociante de gado. Há quem fale mal deles, mas eu falo bem. São eles que dão liquidez ao mercado e, pagando pouco ou mais ou menos, nas horas de aperto podemos recorrer a eles para desatar os nós que nos apertam. Pois bem, lá estávamos de bate-papo sobre as minhas novilhas e bezerrinhas (sim, ele foi um dos sete), quando chega um cara com todo o jeito de produtor de leite (o relatório de vacinação nas mãos foi mero detalhe) e, depois de cumprimento rápido, solta um “Me arranja umas vacas, tô precisando de leite!” e entra no escritório dando risada. Ora, falar tal coisa para um negociante é o mesmo que pedir para cobrar o que quiser cobrar, estou disposto a pagar. E o produtor que soltou tal pérola, totalmente contrária às mais elementares normas de conduta no mundo dos negócios e do leite em particular, não era novato entusiasmado e bobo como eu, não mesmo, era produtor vivido, já adentrado em anos, e leite-dependente ou, para ser chique, galactodependente (pois aprendi com o amigo escritor citado na abertura que galacto e leite são a mesma coisa, e nada como ser chique e instrutivo num texto como esse).

Portanto, aí está, vacas, novilhas e bezerras estão na crista da onda em Santa Rita do Passa Quatro e por toda parte, o que me deixa feliz, mas também meio entristecido, dado o pequeno detalhe que tenho poucas de cada e nem posso pensar em vendê-las, sob pena de ficar a zero.

Ah, é verdade, o machismo. Você, leitor, do sexo masculino, já nem lembrava mais do início dessas garatujas eletrônicas, mas, esteja certo, as companheiras leitoras (sorry... vício de linguagem) com certeza lembram e já estão a cobrar desse escrevinhador uma explicação para esse machismo que assola o Sítio das Macaúbas.

O diabo é que o trem descontrolou e, ao menos por ora, não sei como fazer para recolocar as coisas nos trilhos. Na natureza, o comum, normal e desejável é que a cada dois nascimentos um seja de macho e um seja de fêmea. Ou, numa base maior, cinco para cada lado a cada dez nascimentos, podendo chegar a 51x49 a cada cem, ora pendendo para o lado da setinha, ora para o lado da cruzinha. Todavia, no Macaúbas, os últimos 4 nascimentos foram de machos. Quatro em quatro, justamente nesse momento. É como eu ouvia na infância: pobre é tão azarado que quando chover sopa, todo mundo estará de colher e ele de garfo.

Estou de garfo nessa chuva de sopa de leite.


Para adoçar a opinião das leitoras sobre esse escriba, segue a foto de mãe e filho. O danado é machinho, mas é bonitinho e muito esperto.


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