sábado, agosto 26, 2006

Não emudeci

Uma amiga reclama, pergunta se parei de escrever. Parar, não parei, mas, pra ser sincero, ultimamente tenho escrito mais sobre futebol. A política e o sítio e a vida na roça... Sei lá, tenho andado meio desacorçoado (*), ou, como se diz em moderno português tupiniquim, sem tesão. Explicarei.

Sobre política, peguei-me chato e repetitivo, nada mudou, aparentemente teremos mais quatro anos do companheiro pela frente.

Heloísa Helena é piada de mau gosto, em que pese ser ela própria uma simpatia e fazer e dizer coisas que todos nós gostaríamos de fazer e dizer. Coisas que desopilariam o fígado, mas que não resolveriam coisa alguma nessa Terra de Vera Cruz. Pelo contrário, complicariam tudo de vez, e pegar-nos-íamos dizendo com caras de tacho: - Pois é, ruim com, pior sem.

Confesso, constrangido, que estou muito decepcionado com o PSDB. Nem tanto com o Geraldo, ou com o Alckmin, ou com o Geraldo Alckmin – não sei por qual nome ele prefere ser chamado; aliás, nem ele sabe, ainda, e tampouco seu partido e sua coligação. O PFL não me decepciona, pois isso é como aquelas paradas de emergência numa beira de estrada, numa biboca qualquer, e o dono da birosca aponta para os fundos, para onde você corre em busca do banheiro salvador e o encontra. Tudo bem, encontrar, encontrou, mas o cheiro... Nem adianta voltar pro carro depois e reclamar da sujeira e do mau-cheiro. Certas coisas você agüenta, usa e, se possível, nem comenta a respeito. É bem verdade que ele não é todo assim, tão fedido, e tem alguns cantos limpos e cheirosos. Carece uma certa busca, mas que tem, tem.

De volta ao PSDB. Quando fundaram esse partido eu já tinha parado com a minha vida de militante político. Velhos companheiros convidaram-me a ingressar, mas eu, enfarado com as coisas da política partidária, disse não. Já uma vez tinha enfiado minhas mãos na merda (**) política e com elas ali passei alguns anos. Foram importantes, acho que fiz a coisa certa, mas acho, também, que foi o bastante. Conheço pessoas que continuam ligadas à política através dos partidos, inclusive o dos trambiqueiros. São pessoas que apequenaram-se, amesquinharam-se, ficaram míopes, perderam de vista a sociedade e só enxergam seus mundinhos. Lutam por cargos e benesses. Sei lá se não por algo mais. Alguns ocuparam altos cargos nessa grande cidade e deles saíram, digamos, com manchas nos currículos. Não, não, não, nada de vida partidária para mim, posso ser um monte de coisas, posso ter feito um monte de coisas, mas jamais ganhei um centavo de dinheiro público e assim espero continuar, coisa impossível de se conseguir quando atrelamos nossa vida a um partido.

De volta ao PSDB, parte II. Decepcionante. É o único adjetivo que encontro que exprime com clareza e concisão o que penso. O candidato a presidente está abandonado. Candidatos a prefeituras e governos estaduais ignoram-no, quando não se atrelam, descarada e desavergonhadamente, à campanha do candidato oficial, o auto-candidato do Planalto. O discurso fica perdido em meio a pratos de macaxeira e miúdos de bode (nada contra os pratos, tudo contra eles esconderem o que importa). O discurso dos bandidos do pcc prevalece e ganha foros de verdade. Que a sociedade seja meio estúpida podemos aceitar, que a imprensa engula qualquer coisa, também, mas é inaceitável que o próprio partido que é o alvo preferencial dos bandidos se cale e não bote a boca no trombone, dizendo em alto e bom som que o terrorismo da bandidagem é provocado pelo endurecimento e pelo tratamento correto dispensado aos marginais pelo governo do Estado, que criou, há cinco anos, o RDD – Regime Disciplinar Diferenciado –, o instrumento que é o inimigo número um deles, posto ser o único capaz de cortar o comando do crime.

É um partido covarde, omisso, com discursos eleitoreiros pequenos e localizados. Um partido que deixa-se dominar por bandidos semi-alfabetizados, que comandam a vida da sociedade de dentro das prisões.

Finalmente, o presidente. Falar o que desse sujeito que, politicamente, nada mais é que uma excrescência? É bom explicar que usei excrescência com o significado de tumor, um tumor que cresce acima de um órgão. É assim que enxergo lulla da Silva, cercado, por sua vez, por um monte de excrescências menores. Falar o que de um sujeito que a cada vez que abre a boca despeja, digamos, montes de porcarias, para não falar outras coisas? Um sujeito que não tem noção de história ou de decência política, enfim, um cara que não tem noção? Todavia, é esperto o companheiro, muito esperto. Pode não ter noção de certas coisas, mas bobo ele não é, nunca foi. E, baseado em demagogia barata e assistencialismo estéril, vai construindo uma sólida plataforma de apoio junto à base miserável da população, uma base que encontra correspondência num Estado cada vez mais aparelhado. A esse respeito, recomendo leituras sobre a Venezuela do companheiro Chávez. Muito instrutivo, infelizmente.

Ao seu lado, um parlamento podre, corrupto, sem um pingo de vergonha de ser o que é, de fazer o que faz.

Claro que eu votarei para o parlamento! Por um único motivo: entre os mais de 500 membros, tem uma parcela, não sei precisar quanto, de gente honesta e correta. Então, tudo que me restará será dar meu voto a um candidato a deputado federal em quem eu confie e que tenha uma história digna.

Bom...

Pois é, falei, falei, escrevi, escrevi, e acabei me repetindo. No Brasil a gente se repete muito. Em todos os níveis.

Mas não tem sido apenas esse lado da vida que me desestimulou a escrever. Do outro lado tem a seca.

Ah... A seca... As vacas vão para um lado e para outro e, no vai-e-vem, levantam tufos de poeira. A visão que os olhos registram e encaminham para algum departamento cerebral, chega ao coração, que parece diminuir, parece doer. A seca é muito triste.

Os pastos estão rapados, as vacas olham – algumas delas – pra gente e seus olhos perguntam: – Cadê a comida? Estamos cortando a cana que deveria ser cortada só mais pra frente, isso se tivesse chovido em abril e maio, o que não ocorreu. A cana é um arremedo de cana, mas é melhor que nada. A salvação da lavoura. Nesse caso, do gado.

Pensei em vender parte do gado, mas o preço é vil, irrisório, já que a oferta é grande e a comida é pouca em toda parte. Além disso, quem compra já pensa em fazer dinheiro via abate. Desisti.

Pensei em arrendar pasto, mas de quem? Quem tem, está usando. O que sobra não presta.

Pensei em comprar comida, até comprei um pouco, mas o custo é uma exorbitância. O jeito salvador foi mesmo apelar para a caninha. Pequena, miúda, pouco desenvolvida, não importa, é comida e isso é tudo o que importa.

Meus vizinhos não estão em melhor situação. O preço do leite continua vil, o preço do frango um descalabro, o preço da laranja criminosamente baixo, apesar dos jornais apregoarem acordos lindos entre indústria e produtores rurais. Só quem planta cana vai se dando bem, ou seja, as usinas. E parte do povo que arrendou suas terras para as usinas encherem de cana.

E, pairando sobre tudo, a seca continua soberana. Nas cidades ninguém percebe, a água continua saindo das torneiras. Água não rende voto, tampouco imagem. Pode alterar a ordem desses fatores, o resultado não muda. Exceto se ela parar de jorrar das torneiras e chuveiros. Aí, sim, aí rende muito voto. Para a oposição, claro, qualquer que seja ela.

Por toda parte – Estados Unidos, México, Argentina, Europa e nessa Terra de Vera Cruz – consome-se as reservas de água como se consome as reservas de petróleo. A água dos lençóis freáticos mais profundos vai embora em alta velocidade. O nosso Aqüífero Guarani, tido e havido como o maior do mundo, serve a inúmeras cidades e milhares de propriedades agrícolas e indústrias. Consome-se aos baldes e às baldas, hoje, sem pensar um segundo no futuro. A recomposição do lençol freático é tarefa que a natureza demora centenas de anos para cumprir. E isto em áreas com solos protegidos por florestas, onde as chuvas caem e se infiltram no solo, condição que atualmente inexiste em grande parte dos solos do planeta. Portanto, esses aqüíferos levarão, com certeza, não centenas, mas milhares de anos para voltar ao nível original. E isto se o consumo cessar bruscamente.

Outra água, parte invisível, parte visível, já vem sendo estragada: as chuvas. Sim, as chuvas estão ficando poluídas. Já o estão há muito tempo na Europa e Estados Unidos, e agora por aqui, também. A poluição atmosférica tem transformado o pH da água das chuvas, que ficam mais ácidas e alteram a fertilidade do solo e sua cobertura vegetal.

Enquanto se apela para a água invisível cada vez mais, degrada-se mais e mais rapidamente a água visível, a água dos rios, lagos e oceanos. Sobre isso é desnecessário falar. Basta olhar ao redor ou descer o vidro do carro e aspirar o, digamos, infeliz aroma das águas de nossos rios.

Estão vendo só? Por tudo isso que eu ando meio avesso a escrever, exceto sobre futebol, em que pese a perda da Libertadores pelo São Paulo.

...

...

Essa manhã de sábado começou bem e depois ficou meio tensa. Ao meio desse texto, liguei para o Ismael e ele disse-me que a Honey, que pariu um machinho nessa semana, não se alimentou ontem. Liguei na hora para o Sergio, nosso veterinário – acreditem, a despesa mais barata e produtiva numa criação de gado é a visita do veterinário – e dei sorte, pois ele estava nas proximidades do sítio e foi pra lá na mesma hora.

Agora o Ismael já ligou de volta e está tudo bem. A Honey estava anêmica – não era pra menos, coitada – e ligeiramente febril. Uma boa injeção de pentabiótico vai dar conta do recado. Ao mesmo tempo, preocupado com o bezerro, o Ismael começou a dar-lhe o precioso colostro na mamadeira. Excelente! Há tempos eu queria implantar esse esquema para os bezerros novos, mas estava meio preocupado, por ser mais serviço, por ficar preocupado com a higiene da mamadeira e coisa e tal. Mas agora começou por iniciativa dele (essa é a melhor coisa que existe) e vamos em frente e do jeito que eu queria: os bezerrinhos vão receber no leite os medicamentos homeopáticos contra diarréia e contra parasitas. Excelente, excelente, meu humor já está alto, meu sábado já está com cara de sábado mesmo.

E, para ajudar ainda mais, o Sérgio sugeriu levar alguns animais para a Feira que o município vai promover em setembro. Isso me deixou animado, nem tanto pela perspectiva da feira, e sim por ser um atestado que os animais, apesar da seca, estão com boa aparência, todos eles. Esse episódio com a Honey, além de corriqueiro, não é praxe no rebanho, foi um caso isolado.

É, nada como boas notícias e a sensação de, apesar das dificuldades, estar fazendo as coisas corretamente. Mesmo que a um custo muito alto.

Assim é a vida, né? Em meio às secas, chuvas, doenças, nascimentos, mortes, a gente vai levando, vai vivendo, procurando fazer tudo certinho, procurando agir com correção com os outros e com a natureza. Tenho dormido bem, espero continuar gozando dessa benesse.

Bom fim de semana para todos.

Observações

* O certo é desacoroçoado, mas cresci no interior de São Paulo e lá a gente fala, ou falava, desacorçoado. Portanto, desacorçoado estou.

** Esse vocábulo “merda” tem sua razão de ser; há muitos anos, no final de 73 ou comecinho de 74, um artigo no jornal Opinião chamou minha atenção: basicamente, o autor dizia que era hora de deixarmos de fazer oposição na sala de visitas e metermos a mão na merda, ou seja, no partido oficial de oposição, o MDB, pois só conseguiríamos mudar alguma coisa de dentro para fora; não tenho certeza absoluta, mas perto disso: o autor foi o Prof. Fernando Henrique Cardoso; esse artigo marcou minha vida e levou-me ao velho MDB.



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2 comentários:

cjb disse...

É a volta ao mundo em 80 frases, seu Emerson.

De Opinião de 74 à estiagem de 06, à falência provisória do PSDB (há mais do que uma ou duas coisas no Picolé de Chuchu que me lembram do Michael Dukakis em '88 -- e quem se lembra hoje do Dukakis?) e das agruras do produtor rural à saúde do bezerrinho da Honey, e da própria Honey. (Alívio saber que ela vai bem.)

Melhor assim. Porque as fotos no post anterior provocavam uma visão graciliana das coisas: vidas secas, costelas à mostra.

É isso. Saúde e prosperidade feliz aos mamíferos. É o mínimo que podemos fazer.

Emerson disse...

Balla, não se impressione com as costelas da Honey ou da Itaquá: as vacas leiteiras, principalmente no pós-parto, mostram mesmo as costelas, claro que nunca gracilianamente.

Nas raças de corte há sempre uma boa camada de gordura, o que inexiste nas leiteiras - e nem é desejável - porque produzir leite consome muita energia.

Apesar da seca, os animais estão em bom estado. A anemia da Honey foi um caso isolado, que não acometeu, por exemplo, a Itaquá, uma vaquinha em teoria menos resistente que a Honey e que me preocupava.

A visita do vet hoje cedo me deixou feliz pra burro. Ou pra vaca.

:o)