quinta-feira, agosto 24, 2006

Cronista sob a água

Sentei-me no chão do banheiro e deixei a água quente cair sobre meus ombros e cabeça. O tempo passou, a água rolou e o relaxamento, enfim, chegou, merecido e desejado, depois de um dia duro. Comecei o banho com o corpo gelado, depois que a chuva rápida e forte passou e, auxiliada pela água escorrendo do teto do barracão encharcou-me completamente. Chuva no sítio em pleno meado de agosto é algo a ser comemorado. Mesmo que passageira, não importa.

Durante o começo da tarde ela se anunciou com trovoadas isoladas que mais pareciam resmungos do que trovões. Nem demos bola e tocamos o trabalho. Ela chegou quando começávamos a picar a cana para o trato das vacas. Momento chato esse, pois a picadeira está protegida pelo teto do barracão, mas a carroça fica do lado de fora, embora bem ao lado. A chuva em si não incomoda, é gostosa e bem-vinda. Mas entre a carroça e a picadeira tem a ponta do teto e as goteiras.

Ah, as goteiras... Que transformaram-se em verdadeiras torneiras abertas, vertendo água justamente no lugar onde temos de ficar parados, ajeitando a cana na picadeira. E tomando um verdadeiro banho de chuva.

A visita da chuva foi rápida, passageira, foi embora e deixou saudades. Ainda ajudei o Ismael a terminar as tarefas enquanto sentia a roupa gelada começar a secar sobre meu corpo. Nessas horas, o bom mesmo é parar tudo, tomar um café quente e ir pro banho idem. Como ainda tinha um bocadinho de coisas a fazer, contentei-me com o café e uma camiseta seca, o que já foi um conforto e tanto.


O céu começou a abrir e o sol mostrou sua cara num entardecer bonito e gostoso. A vida brilha mais depois de uma chuva. Meu ânimo fortaleceu-se, com ele a esperança de dias melhores em todos os sentidos. Não, não fiquei pensando essas coisas, racionalizando a esse ponto. Até porque teria de racionalizar o irracional. Mas a terra molhada passa para mim um sentimento difuso de bem-estar, de tranqüilidade e, nesse estado de quase beatitude, sou dado a ser mais esperançoso que o normal.

Conheço sentimentos piores, infelizmente. Por isso e muito mais, gosto de me sentir desse jeito. É capaz até de fazer bem pra pele, o que não me importa muito, prefiro, isso sim, que faça bem pro fígado. E acho que faz.

E assim fui ficando no chão do banheiro, pensando na vida, na chuva, nas vacas e bezerras, pensando em textos e crônicas ao ponto de desejar ter um notebook à prova-d’água para transformar na mesma hora as brilhantes e molhadas idéias em crônicas maravilhosas. Crônicas que são e serão como os peixes perdidos pelos pescadores, sempre grandes e fantásticos. No fim, o que sobra e vai pra frigideira são os lambaris e bagres de toda pescaria e olhe lá. Já é muito. Como esse lambarizinho que ora digito, digo, frito.



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2 comentários:

cjb disse...

Emerson caro,

Aqui em Washington (e pelo resto do NE dos EUA) necas de chuva.

Mas como o sistema é fechado, em algum lugar do mundo deve estar chovendo prá cacete.

Não sei que lugar seria esse.

Em Kamchatka? Terra da Liga Penal?

cjb disse...

Novo notebook? A Panasonic produz aquela linha à prova de choque, de chuva e de guerra civil que todas as ONUs e ongs da vida querem ter. É a linha "Hardbook."