sexta-feira, janeiro 14, 2011

Tragédia em Itaipava

Cavalos são uma das mais belas e fantásticas criaturas que a Natureza criou.

Poucos seres humanos dão-se conta de sua importância para sermos o que somos hoje.

Ao domesticarmos o cavalo – domesticar: verbo tenebroso durante séculos, que hoje começa a ter seu significado transformado – ou, também posso dizer, a partir do momento em que aprendemos a conviver com essa criatura, nossa velocidade de deslocamento foi multiplicada.

O comércio beneficiou-se, a troca de ideias, o abastecimento de comida, tanto pela caça como pela troca e a produção, o ir e vir de pessoas, muitas outras atividades foram intensificadas graças ao emprego dos cavalos.

Sim, sem dúvida também as atividades bélicas.

Conhecendo o ser humano, o mais provável é que o primeiro e mais importante uso do cavalo foi nas guerras, pequenas, localizadas, entre tribos, mas sempre guerras.

A humanidade, tal como a conhecemos hoje, tem uma enorme dívida com os cavalos, que não é paga, nunca foi, de maneira digna, outro traço infeliz muito comum ao Homo sapiens.

A notícia trazida pela Folha chocou-me nesse final de madrugada: a morte de oito cavalos num haras de Itaipava, seguidas pelo sacrifício de outros oito.

Mais trágica ainda se torna a notícia quando ela relata que o tratador dos animais, chamado Miguel, não quis fugir da fúria das águas e ficou com seus animais. Não de sua propriedade material, mas de sua propriedade sentimental, infinitamente mais nobre e importante.

Lamento pelo Miguel, lamento pelos cavalos, independentemente de serem bonitos e valiosos, o que, em se tratando de vida, é irrelevante.

Lamento, profunda e sinceramente, pelas centenas de pessoas que morreram nessa tragédia anunciada, nessa tragédia reprisada, nessa tragédia que qualquer pessoa com um mínimo de bom senso e capacidade de observação sabia que iria acontecer e, pior, muito pior, sabe que irá acontecer novamente.

Não é a primeira vez que escrevo essa obviedade e não será a última, lamentavelmente.

O ser humano, com sua arrogância e sua ignorância, teima em desafiar a natureza e a resposta sempre se dá em forma de tragédias.

Meu respeito, minha admiração, minha dor pelo Miguel, a quem dedico esse texto.


(Abaixo, a transcrição da notícia da Folha de S.Paulo)

São Paulo, sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

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Cavalos de até R$ 500 mil são levados na enxurrada

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
ENVIADO ESPECIAL A PETRÓPOLIS

Entre os mortos do vale do Cuiabá, em Itaipava, distrito de Petrópolis, estão dezenas de cavalos de corrida que valiam até R$ 500 mil.
No haras Vale da Boa Esperança, um centro de treinamento do Jockey Clube Brasileiro, o cocheiro Miguel foi tragado pela tromba d'água porque não quis abandonar os animais.
Foi levado junto com oito cavalos de raça, que também morreram afogados na enchente. Ontem, ainda se viam alguns deles atolados na lama, mortos, só a cabeça de fora. O corpo do tratador ainda não foi encontrado.
Outros oito cavalos do mesmo haras tiveram lesões graves, como fraturas expostas, e foram sacrificados ontem com injeções letais.
Uma equipe de dez veterinários do Jockey veio ontem do Rio de helicóptero para matá-los e aplicar medicação nos 120 bichos sobreviventes. Cada um deles custa, em média, R$ 50 mil.

2 comentários:

Maira disse...

Tragédia "reprisada", muito bem colocado.
Lindo seu texto, linda a atitude do Miguel!
Não só cavalos de haras sofreram, veja: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/chuvas-no-rj/noticia/2011/01/imagem-mostra-cavalo-preso-em-escombros-de-casa-em-itaipava.html
E os cães, gatos, aves...
Reprisa, reprisa e reprisa a lição e não aprendemos a dimensão dos estragos que causamos...

Roberta Fonseca Winter. disse...

Me comovi com esta história de amizade e lealdade. Sua homenagem foi brilhante.