Pois é, o impensável às vezes acontece e nos pega de surpresa. Pensando assim, de repente, lembro-me que não só julgava impensável o fim da Guerra Fria, como também vivia em sobressalto por causa dela. Lia tudo que me aparecia pela frente, e muita coisa aparecia a respeito, desde a capacidade de destruição de um só ICBM até a função dissuassória das forças submarinas de um lado e outro, invisíveis ou quase isso, cada plataforma transportando a morte de centenas de milhões de pessoas. Eis que um dia Richard Nixon desembarca na China, em outro conversa animadamente com Breznehv, mais adiante é Reagan, o cowboy, e de repente o medo nuclear começou a ser jogado para o arquivo morto das preocupações.
O Muro de Berlim...
Sua queda era outra coisa impensável para quem, como eu, nasceu nos cinqüenta.
Portanto, foi com um espanto enorme e a sensação de estar vendo a história em ação e o mundo sendo transformado, que assisti pela às imagens de milhares de pessoas quebrando, a golpes de picaretas, martelos, pás e quaisquer outras coisas à mão, o muro vergonhoso, inominável, palco de mortes e tristeza. Na seqüência, o fim da União Soviética não chegou a causar o mesmo espanto, a mesma surpresa. Só a velocidade com que ela veio abaixo, mas, por incrível que pareça, ainda nos anos 70 já havia lido um trabalho com essa previsão, escrito pelos irmãos Medvedev, Zhores e Roy, intelectuais dissidentes, que previam o esfacelamento da URSS e apontavam as tensões e conflitos étnicos e religiosos como o estopim que conduziria ao fim.
Agora, numa só semana, o impensável bateu na porta duas vezes, e entrou em ambas. Primeiro, Fidel renunciou. Demorou, mas aconteceu. Já o tive como ídolo, mas isso foi há muito, muito tempo, e curiosamente durou pouco. Ter conhecido Cuba ainda enquanto a finada União Soviética era viva, foi bom, fez-me bem, reforçou minha convicção sobre o acerto na mudança de linha do que pensava, vale dizer, o acerto da minha mudança ideológica. A saída de Fidel, agora, nada teve de espetacular e foi apenas patética, tardia, chata. Como diz a rapaziada, demorou.
Finalmente, o impensável dos impensáveis fatos, aconteceu: a dívida externa “acabou”, o mundo nos deve mais do que devemos ao mundo, e não se trata de metáfora ou figura de linguagem ou qualquer outra dessas baboseiras nacionalistas. Não, nada disso, é fato contábil. Não só diminuímos nossa dívida externa pagando o que devíamos – a dívida pública externa foi liquidada – como também temos mais reservas do que dívidas. Inacreditável, preciso concentrar a atenção e os pensamentos para ter a real dimensão desse fato.
Já tivéramos uma avant premiére em 94, com o fim da inflação monstruosa e da correção monetária. A maioria de nós já esqueceu aqueles tempos, não lembra mais das manchetes regulares, a cada trinta dias, dizendo que o mês fechara com 15, 20, 25 e até mesmo fantásticos mais de 80% de inflação! É... Ninguém mais lembra disso, ninguém lembra que o salário recebido já valia dez, vinte, trinta por cento a menos do que seu valor nominal. Nem vou entrar no tititi de jogar na cara do PT e de seus asseclas – um monte enorme de gente – e apoiadores – milhões, iludidos pelo brilho fácil de promessas vãs – as sucessivas e estúpidas manifestações contra o Real, contra a política econômica de Fernando Henrique e Malan, contra a dívida externa, contra tudo, contra todos, preservando apenas a eles próprios como os donos das verdades políticas e econômicas, morais e éticas, eles, os cavaleiros andantes do bem em eterna luta contra as forças e agentes do mal, ou seja, todos os outros que não professavam das mesmas fé e ideais. Bobagem chutar cachorro morto.
Opa! Não, cachorro morto, não, muito pelo contrário, vivo, muito vivo, agindo e quando não, à espreita.
Mas, enfim, o impensável aconteceu também com nossa dívida externa.
Então, por justiça...
A César o que é de César.
A Lula o que é de Lula... e de FHC.
E à agropecuária brasileira o que é de todos: ela e os produtores rurais, humilhados e vilipendiados rotineiramente, são os grandes heróis do “fim” da dívida externa. Pena que quase ninguém sabe ou pensa nisso.
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