segunda-feira, agosto 20, 2007

Domingão, dia de Estadão


Meu jornalão de hoje está especial.

Não é merchandising. Se alguém achar que é, paciência.

Dentro de dois meses farei 53 anos de idade. Leio o “Estado” desde os oito. Portanto, já lá se vão 45 anos de leitura semanal, no começo, mais adiante bi ou tri-semanal, até virar diária ainda na adolescência, em pleno regime militar.

Isso, entretanto, é outra história. Portanto, falar desse jornal pode ser tudo, menos propaganda.

Como é sagrado, começo pelo caderno de esportes. Não fala muito do meu time, apenas o normal. O cronista de futebol do domingo escreveu um texto interessante, até gostei, ao contrário do habitual. Dos cronistas do Estado, gosto, mesmo, de um só, o mais “futebolista” deles, digamos. Futebol é futebol, quando abro o caderno de esportes quero ler sobre futebol. Outras coisas embaralham e irritam. Pulo e passo adiante. O caderno de hoje traz uma matéria bonita, falando da escolinha que o Vasco mantém para seus jovens atletas. Muitos chegam sem saber coisa alguma, sequer, a bem dizer, escrever. Coisas de Brasil, claro.

No caderno Aliás, uma entrevista, ou melhor, uma “senhora” entrevista com o ex-correspondente do NYT no Brasil, Larry Rother. Uma entrevista como deve ser: nada menos que duas páginas do caderno. Uma introdução boa, no tamanho e com as informações na dose certa, e depois a conversa com o Larry. Como deve ser uma conversa inteligente. Ele fala de seus muitos anos de Brasil, em dois tempos, conta breves “causos” daqui e de outros países sul-americanos, fala um pouco sobre jornalismo e fala, muito, do estrepitoso affaire Governo x NYT, quando ele escreveu a matéria dizendo que o hábito de “bebericar” do presidente atrapalhava o governo. Dizem que a verdade dói, e essa matéria doeu. Mas o jornalista, com justiça, não conta tudo: reserva mais coisas para o livro que está escrevendo sobre seus anos aqui entre nós. Naturalmente, vou comprar e ler no lançamento.

No primeiro caderno, uma matéria sobre a Juréia.

E com ela meu humor balança. O Parque da Juréia é um lugar maravilhoso, extremamente bonito, onde a Serra do Mar encosta nas ondas do Atlântico, até literalmente, em alguns pontos. As praias são desertas e muito bonitas. A mata atlântica em todo seu esplendor original ocupa todos os espaços, morro acima, morro abaixo, nos vales e planícies.

Correção: ocupava todos os espaços. Palmiteiros, madeireiros e bananeiros devastam parte da área do Parque. E, a auxiliá-los e livrá-los da prisão, índios guaranis.

Ah, os índios têm direito, né?

Pois sim. Esses índios foram aqui introduzidos pela FUNAI, trazidos de não sei onde, tal como foi feito com os pataxós do entorno do Parque Nacional do Monte Pascoal, no sul da Bahia. Instalados na Juréia, os guaranis, tão logo viram as costas dos burocratas governamentais, mudaram-se com armas e bagagens para as cidades mais próximas, no Vale do Ribeira. Nenhum deles quis saber de morar na mata. Mas todos vão até a mata. Derrubam palmeiras juçaras, coletam orquídeas e bromélias, e postam-se à beira dos “asfaltos” vendendo o fruto da pilhagem. Proibido por lei para todos, menos para os índios. Que ganham algum dinheiro com o corte de mais juçaras. É assim: uma palmeira juçara com mais de 4 metros de altura e que demorou dez, doze ou mais anos para chegar àquele ponto, é encontrada por um palmiteiro que, em seguida, simplesmente bota-a abaixo. Seu ponteiro é cortado e dele tirado o tolete de palmito com cerca de 40 centímetros de comprimento. Tanta destruição por meros quarenta centímetros. A destruição não se limita à palmeira em si, fonte de alimento para dezenas de espécies animais, mas se estende ao seu redor, pois, ao cair, ela destrói outras pequenas árvores, arbustos e cipós. Depois de abaterem mais de duzentas palmeiras, em recantos cada vez mais remotos, os palmiteiros pegam a estrada e levam o fruto do crime para fabriquetas clandestinas ou para vendedores de palmito fresco. Em cada viagem, em cada deslocamento do caminhão, um índio guarani está junto, pronto a dizer que o palmito é seu e sobre ele tem direito legal. De fato, tem direito legal.

Bom, a matéria segue por outras coisas, como plantações ilegais de banana sob a sombra das grandes árvores. A subvegetação é cortada e mudas de bananeiras são plantadas. Quando elas ficam adultas, as árvores são derrubadas, dando lugar a um bananal que, em breve, será ponto de início de erosões.

A matéria é boa e rica. No site tem mais fotos, ainda. O jornalista a tudo vê e documenta. As autoridades nada vêem e nada fazem.

E assim prossegue o jornal

Cada domingão um novo jornalão com coisas de um velho e lamentável Brasil.

A cada domingão procuro pelas boas notícias, e até encontro. O diabo é que o peso das más notícias é mais e mais avassalador.

Bom, depois dessa lembrança sobre a Juréia perdi a vontade de falar do resto. Economia, explicando o recente quase-crash, Metrópole, com mais informes sobre o CAN – Caos Aéreo Nacional – e a vergonhosa, para não dizer criminosa, ação ou inação das autoridades, o “mistério” acerca da pilhagem dos cadáveres e bens pessoais das vítimas do 1907 (que vergonha, a que ponto de degradação moral chegamos!), Cultura, com alguns livros ótimos na seção de lançamentos, etc.

Ah, claro, tem também as últimas sobre o caso Renan, outra vergonha nacional, outra amostra da degenerescência de nosso sistema e de nossos “representantes” no parlamento.

E pensar que, mesmo assim, com tudo isso, eu ainda anseio e não tomo meu café de todas as manhãs sem o meu jornal, aos domingos um jornalão.

.

Um comentário:

Anônimo disse...

Um passarinho contou que voltou-se a "bebericar" em altos saloes brasilienses.