quarta-feira, março 28, 2007

Nas estradas da vida

A tarde de começo de outono ia do meio para o fim, a temperatura já estava mais gostosa e a proximidade do sítio tornava tudo ainda melhor, completando a sensação de bem-estar e “em paz com o mundo e a vida” iniciada quase uma hora antes, numa barraquinha/Kombi meio mambembe, na beira da estradona entre Araraquara e São Carlos.

Naquele trecho há um monte de peruas transformadas em quiosques vendendo garapa e outras coisas. Mas a garapa, ou caldo-de-cana, é o carro-chefe. Toda vez que passo por aquele trecho e o calor é forte e o tempo permite, paro e tomo meu caldo-de-cana. Esse pequeno hábito, ainda que muito espaçado, é coisa que me acompanha desde sei lá quando, mas acho que desde os meados dos anos setenta.

É, o tempo passa...

Comento isso com o garapeiro que tem toda a pinta de ex-alguma-coisa desempregado, que comprou uma Kombi véia e foi pra beira da estrada ganhar a vida. Além da garapa ele vende ovos caipiras, mel, doces diversos, e sei lá mais o que, nada que me interesse. Os ovos são meio caros, como tudo mais na beira da estrada. Uma pilha de embalagens com ovos grandes se destaca. Diz ele que são caipiras com duas gemas.

Hummmmmmm...

Sou capaz de apostar alto que são ovos de granja, isso sim. As galinhas caipiras botam poucos ovos com duas gemas e são criações pequenas. A quantidade de ovos naquela barraca só poderia ser gerada numa grande criação, com milhares de galinhas poedeiras. Logo, numa granja. Estatisticamente fácil de se perceber. Logo, o simpático kombeiro-garapeiro não é lá muito honesto no quesito “ovos”, mas o é no que importa a mim, o caldo-de-cana, gelado, doce e saboroso.

O garapeiro conta que a cana, fininha e até meio feia, é mesmo muito doce e é toda fornecida pelo Picinin, um situante dali de perto, que entrega pra ele e todos os outros garapeiros daquele trecho. E faz isso há muitos anos já, pelo jeito, a vida toda. Não duvido, respondo pra ele, afinal, eu mesmo passo por ali há trinta anos ou pouco mais e lembro-me da garapa ser sempre boa, confiável, doce ao extremo.

Termino meu copo, ele enche novamente e lá vai goela abaixo, refrescante e energizante. Mal termino, ele enche o copo pela terceira vez e ainda me ameaça com o que sobrou na jarra e que, certamente, renderá mais um, o quarto copo. Entristecido, mas satisfeito e de barriga cheia, declino. Aumento em 1/3 o valor que tenho a pagar e ele protesta, dizendo que não precisa, os copos extras são cortesia da Kombi, digo, da casa. Sim, sim, eu sei que são cortesia, e esse algo mais no pagamento também é cortesia. O atendimento foi excelente, super-gentil, o produto estava excelente, delicioso e bem gelado, me botou de bem com a vida (não que eu estivesse de mal com ela, mas, sempre é bom estar, explicitamente, de bem) e achei justo deixar um pouco mais. Apesar da história dos ovos de duas gemas serem caipiras. Um pecadilho menor e que serve muito bem para mostrar-nos como somos, os brasileiros. Somos legais, mesmo com um pouco de ilegalidade aqui e ali.

E depois de tudo isso, de novo na estrada, outra estrada, e outra, e, finalmente, a estradinha vicinal pro Sítio das Macaúbas. E, nela, já perto do Brejão, a visão da paineira, tão bonita que força uma nova parada.

Por puro prazer.




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A paineira se destaca na paisagem tomada pela cana nos dois lados da estrada.



É bonita a danada, e cheia...



... tão cheia que esconde outras duas logo atrás dela, embora não tão bonitonas.




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quinta-feira, março 22, 2007

Água


A cristalina, transparente e vital linfa (arghhhhhh) ficou tão importante que tem até um dia só para ela, o Dia Mundial da Água.

Que é hoje.

Por toda parte vemos e ouvimos cadernos especiais, programas especiais, menções, imagens e discursos, muitos discursos. Nada resolve, claro, mas pelo menos temos o Dia da Água, para conscientizar a todos, etc e tal.

Água, desmatamento e desertificação são coisas que me preocupam desde há muito e estão intimamente interligadas, assim como a poluição.

Bom, sinceramente, não estou com muita disposição para escrever sobre água, hoje. Abro o blog e vejo que a previsão é de mais um pouco de chuva no sítio, amanhã. Maravilha, são as águas de março que fecharam o verão e estão abrindo o outono.

Caronistas desejáveis


De antemão já peço desculpas pelas fotos que não vão conseguir mostrar o que eu vi e fotografei. Ou pensei ter fotografado.

Algumas aves vivem perto dos bois, vacas, cavalos e búfalos, além de ovelhas e cabras. Ficam por ali, ora pegando uma carrapata gorda, cheia de sangue e ovos, ora comendo os insetos que fogem das patas dos animais. Basta um olhar um pouco mais atento e a gente observa essas curiosas relações.

Aqui, um bando de gaviões-carrapateiros, também conhecidos como gaviãozinho e pega-pinto, passeava entre as búfalas do Tião, algumas pastando, outras descansando, dormindo, mesmo, como essa da foto.



Essas ovelhas deslanadas são da raça Santa Inês, criada no Nordeste a partir de animais trazidos pelos primeiros colonizadores europeus. Adaptaram-se bem às condições de vida do agreste e do semi-árido, e agora são criadas para fornecer carne com bastante sucesso. Esses exemplares são de um sítio próximo, onde há mais de cem cabeças. Disseram-me que o dono está louco para vender tudo, pois não consegue comercializar os animais para abate. Pelo menos nesse interior paulista, carneiro ainda é carne meio cerimoniosa, distante das panelas do dia-a-dia. Com um olhar atento e uma grande dose de boa vontade talvez dê para perceber um casal de siriris sobre o dorso da ovelha, em sua faina habitual de procura de comida.



Há controvérsias sobre a origem dessas garças-brancas-pequenas, já chamadas de garças-carrapateiras. Alguns especialistas dizem que elas migraram da África para o Brasil, enquanto outros dizem ser ela nativa. Curiosamente, minha tendência é apostar na imigração. Quando criança, essas cenas misturando gado e garças eram inexistentes. As poucas garças que víamos eram as grandes e sempre em beira de grandes rios. Ver uma garça era uma festa... Hoje, felizmente, é lugar-comum, tanto em volta das vacas e búfalas como dos cavalos. Escolhi essa foto feita numa várzea na entrada de Santa Rita do Passa Quatro, caminho de passagem entre o sítio e a cidade.


Certa feita, no Haras Desempenho, em Cachoeira de Macacus, no Rio de Janeiro, avistei uma garça vindo em um longo vôo pelo vale e pousar, meio destrambelhada, no dorso de uma égua mangalarga que pastava e continuou pastando,sem dar maior atenção à amazona inesperada.

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Miscelânea de dias e acontecimentos


Dias confusos.

Corridos, preocupantes, ocupados ao extremo, agravados pela implantação de três pontes de safena em meu sogro, e depois um AVC, felizmente leve, mas, assim mesmo, traumatizante e muito preocupante. Lentamente a vida vai voltando ao seu eixo, e até por conta disso, acabei ficando bastante tempo em Santa Rita do Passa Quatro, dividido entre o sítio e a cidade.

Choveu, finalmente, e choveu bem, a chuva certa, do jeito certo, na hora certa. Mansa, sem causar enxurradas, sem provocar erosão, caindo levezinha por horas a fio. As noites já ficaram mais frescas ainda no verão que findou, dando lugar a esse outono que começa gostoso: fresco e úmido.

Março e abril parecem meses em que se torna mais fácil avistar animais que moram em nossa região. Nesse final de semana, contrariando minhas instruções, o rapaz que cuida dos cascos e ferraduras do Brioso viu uma jararaca próxima à mina e matou-a. Inutilmente, atrevo-me a dizer, apesar de sua ponderação que ela “ia sair dali e podia pegar uma vaca, uma novilha...” Sim, é verdade, ela poderia sair dali, do entorno da mina e do córrego, no meio do capão de mato que protege a água. Mas, por que sairia do seu habitat natural e predileto? É raro encontrarmos jararacas fora da matinha da mina, onde o gado não entra, a menos que por acidente (até porque o gado não deve ter acesso à água em córregos ou açudes, e sim nos cochos). Curiosamente, porém, é comum encontrarmos jibóias nas proximidades da mata, e até no barracão do curral há algumas semanas. E cascavéis, claro, mas, apesar desse plural, vi somente uma cascavel nesses anos todos, e dentro do barracão. Consegui capturá-la e trouxe-a para o Butantan, uma senhora cobra de 1,3 m de comprimento.

Também nesse final de semana avistei, uma vez mais, o que me parece ser uma irara, já terminando de cruzar o asfalto e entrar na macega que margeia o Rio Clarinho. Não foi a primeira vez que avistei esse animal, de corpo esguio e preto, pelo brilhante, cauda longa. E esperto como o diabo, pois nunca consegui flagrá-lo de corpo inteiro, sempre só a metade traseira e o rabo, já adentrando a vegetação que margeia a estrada. Perto da chácara do meu sogro, como gosto de entrar por uma estrada de terra que corta uma área que deveria ser uma reserva, avistei um mutum-pinima bebendo água numa das poças d’água criadas pelas chuvas. Tão logo viu o bico do meu carro, virou-se e entrou no cerradão que marca o local. Aqui, na Granja Viana, eles eram comuns, inclusive freqüentando as árvores do terreno ao lado de casa, mas agora sumiram. Creio que a construção de mais casas e o conseqüente desmatamento, afastou-os daqui; uma pena, e em breve os sagüis – que hoje apareceram cedo em busca de comida – terão sua área tão diminuída que irão, simplesmente, desaparecer.

No sítio fechamos o primeiro silo, uma mistura de capim com milho. Ficou pequeno e muito caro. Incrível como o dinheiro é consumido em qualquer coisa, qualquer atividade realizada no sítio. E, para entrar... Bom, velha e triste história. Pronto o silo, descobri que seria 40% mais barato comprar silagem pronta, de milho, de qualidade muito superior à recém-feita. Agora, Inês é morta e não adianta chorar. Nos próximos dias terei de fazer outro silo, esse de cana, e no tamanho certo: por volta de 45 toneladas. Vai ficar caro, também, mas não há outro jeito, pois a seca já se avizinha e, de repente, não mais que de repente, a gente acorda e vê que não tem pasto algum pras vacas.

E a vida vai seguindo enquanto isso.

Doei um bezerro Jersey pro leilão de arrecadação de fundos para ajudar as obras da reforma da igreja de Santa Rita. Dá dó ver o bichinho ir embora.

O pessoal admirou-se com sua mansidão e docilidade. Basta dizer que nem precisamos tocá-lo para o embarcadouro: o motorista do caminhão, o Ismael e eu conseguimos levantá-lo e colocá-lo no caminhão. Ficou na memória seus grandes olhos escuros olhando para mim e para os irmãos no piquete, comendo o feno que ele também estava comendo. Não gosto dessa parte da vida no sítio, mas é assim que ela é, seja no sítio ou na cidade. O Gilberto, nosso leiloeiro “oficial”, disse que procuraria destacar que o bichinho é bom para ser criado como touro para cobrir vacas mestiças ou holandesas. Tomara que seja esse seu destino e viva confortavelmente.

Isso, por sinal, consolidou minha decisão de trabalhar com inseminação artificial o mais breve possível, usando sêmen sexado, ou seja, sêmen que vai gerar fêmeas com 95% de certeza. Custa caro, é claro, mas mesmo assim compensa, pois é mais barato criar uma fêmea do que um macho, além de evitar o dissabor de ter de se livrar de bezerros machos.

Peguei uma caixinha de leite no mercado...

R$ 1,70...

Para pagar essa única caixinha, preciso produzir e vender cerca de 18 litros de leite, pois, se estiver ganhando muito bem, estou ganhando coisa aí duns oito ou dez centavos por litro produzido.

A caixinha é “longa vida”, chique no úrtimo, coisa de país rico. Em países pobres, como os Estados Unidos, o leite é comprado em embalagens plásticas com um galão de capacidade (quase 4 litros). Essa embalagem custa mais barato que uma única das nossas caixinhas “longa vida”. Coisa de gente rica essa de comprar tudo em caixinhas “longa vida”. Um dia,ainda, os americanos chegarão ao nosso nível.

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