quinta-feira, agosto 31, 2006

Fora do mundo

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Dois dias inteiros no interior de Santa Catarina e volto sem saber do que anda acontecendo. Culpa do interior catarinense? Não, longe disso. Culpa de meus próprios hábitos, a cada dia mais e mais imutáveis. Ou imexíveis, como talvez dissesse antigo ministro de tempos que achávamos tétricos. É... Nada como um dia depois do outro, mostrando aquilo que a gente teima em não acreditar: o poço pode ser sempre mais fundo.

Em meu habitat normal, estou cercado por meu computador com acesso banda-larga conectado full time, minha tevê recebendo o mundo por mini-parabólica e mostrando-o em dezenas e dezenas de canais, e mais meu sagrado jornalão diário, companheiro inseparável de todo café-da-manhã, além da também inseparável revista semanal. Se por algum motivo, coisa que por sinal é igualmente mais e mais rara, tenho que sair, costumo ligar o radio do carro em uma estação AM. Ouço o noticiário radiofônico e a cobertura idem para a vida na megalópole.

No oeste catarinense estive fora do meu habitat. No meu quarto de hotel tinha uma tevê, mas há muito tempo perdi o hábito de assistir ao noticiário por essa mídia. Além disso, estamos em plena vigência do maledeto horário político, outra lembrança da ditadura militar, convenientemente aproveitada e mantida pelos democratas de sempre, interessados primeiro e acima de tudo em sua própria manutenção e reprodutibilidade. Coisa básica em qualquer ser vivo, e única nos seres chamados inferiores nos reinos animal e vegetal: bactérias, fungos, protozoários, vermes e políticos.

Sem acesso à internet e sem assistir à televisão, trabalhando duro e corrido o dia inteiro e sem coragem para bater perna pela cidade nas noites geladas, mergulhei de cabeça no último livro da Patrícia D. Cornwell lançado entre nós, vivenciando as aventuras da Dra. Kay Scarpetta & Cia. bela.

Na manhã de hoje retomei meu contato com a, digamos, realidade da vida e das coisas. Hummmmm... Sim, com as contas também, pois as infelizes fazem parte da dita cuja realidade.

E, constato, sem surpresa, que nada mudou. Nadica de nada.

lulla da Silva segue em sua retumbante marcha rumo à reeleição. Para surpresa do mercado, o COPOM altera sua sacrossanta política e reduz a taxa básica em meio ponto percentual, ao invés do quarto de ponto rotineiro. Parece bobagem, é bobagem, mas num quadro mais amplo tem lá seus efeitos. E benesses para o candidato oficial.

Em São Paulo o governo estadual aperta o regime prisional dos chefes do crime organizado e a resposta é imediata: ataques terroristas. Mais do que nunca é nítida e clara que a onda terrorista não é devida a um recrudescimento na criminalidade ou mesmo a uma brutal falha na segurança estadual. É o que sempre foi e poucos quiseram enxergar e anunciar: uma atitude de revanche e desafio ao único governo que ousou endurecer o regime nas prisões, isolando pelo RDD – Regime Disciplinar Diferenciado – os chefes da bandidagem. Essa é a verdade, e assombra-me a incompetência do governo do Estado presente e passado, que não bota a boca no trombone e dá nome aos bois como se deve.

No horizonte, a nuvem chinesa – e não é a do cogumelo nuclear – segue crescendo. E assustando, menos às autoridades tupiniquins, que enxergam nos camaradas apenas bons possíveis parceiros ideológicos na luta contra o reino do mal. Quando acordarem, se acordarem, será muito tarde.

Relativa calma no Líbano. Mas o chefe de Assuntos Humanitários da ONU denuncia Israel por usar bombas de dispersão, cada uma com centenas de pequenas bombas. Pior: segundo ele, muitas dessas bombas não explodiram ainda. Apesar de minha permanente postura pró-direito de Israel de existir e seguir sua vida, nesse momento considero o estado israelense um estado terrorista. Igualou-se aos estados terroristas que sempre combateu. Tempos atrás li algo a respeito, não me lembro de quem, infelizmente. Em essência, dizia o autor que o combate continuado ao crime e a conseqüente exposição prolongada aos criminosos, acaba provocando a transformação moral de quem combate o crime, que julga poder usar os mesmos métodos que os terroristas, nesse caso, usam, contra eles próprios. Nada mais equivocado. O estado deve ser sempre sábio e não-revanchista.

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Bom, no sítio estamos às voltas com uma epidemia.

Sim, uma epidemia, imaginem. Uma epidemia de partos, pode? Só nessa semana foram três, com dois machinhos e uma só fêmea. As vacas vão bem, ainda, obrigado. Que venham as chuvas, que venham os dias longos e as temperaturas altas, estimulando e fazendo o capim crescer. Preciso de capim nos pastos, muito capim.

Minhas vacas merecem.


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segunda-feira, agosto 28, 2006

Fora do ar

Este blog estará meio fora do ar até quinta-feira, 31 de agosto, porque o blogueiro estará em Santa Catarina, gravando frangos, porcos, paisagens, carretas frigorificadas e o interior de uma indústria de processamento de frangos e suínos.

Por conta disso não fui para o sítio nesse fim-de-semana, pois preciso cumprir um período mínimo de 72 horas de "Vazio Sanitário", para poder entrar nas granjas de aves e suínos.

Vou de Fokker 100, mesmo. :o)

E voltarei do mesmo jeito.

Na volta, comentários e fotos, talvez.

Viajo preocupado com a China. Digo, com os efeitos da economia chinesa sobre a nossa. Tanta coisa boa pra ter na cabeça e tenho isso.

:o)

Boa semana para todos.
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domingo, agosto 27, 2006

Tão comum


A tarde começava a cair e com ela a temperatura.

Saí de casa e fui colocar mais água para as vacas.

A meio caminho parei e fiquei olhando...

Perto da matinha da mina, um bando de garças-brancas-pequenas, ou garças-carrapateiras, pousava em meio ao pasto desocupado pelas vacas, suas manchas brancas puras contrastando com o verde-escuro da mata e o mais claro do pasto rapado.

A cena é comum, assim como é comum a lua cheia, ou a lua nova, ou a minguante. Ou simplesmente a noite sem luar, o brilho das estrelas se destacando e uma parte do céu coberta com a mancha opaca e leitosa da Via Láctea, nosso endereço estelar.

Toda manhã o sol nasce, anunciado antes pelo clarão oriental, as cores variando, os galos e passarinhos cantando, algumas vacas dormindo, aproveitando o calor do capim ou da terra, enquanto outras estão acordadas, ainda deitadas, com preguiça de levantar para o novo dia.

Tudo isso é comum, tal como o fogo aceso no fogão de lenha, a água que ferve, o café perfumando a cozinha, despertando a vontade de fazer alguma coisa, dando uma energia extra para começarmos, nós também, o novo dia. As mãos se aquecem envolvendo a caneca meio cheia. A bebida desce quente, doce e gostosa, como que dizendo para o organismo inteiro:

- Desperta! O dia nasce e a vida segue, faça sua parte.

Essas coisas comuns, das quais as garças pousando no pasto ao entardecer são apenas uma entre muitas, me encantam.

Das coisas extraordinárias cansei-me.

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sábado, agosto 26, 2006

Não emudeci

Uma amiga reclama, pergunta se parei de escrever. Parar, não parei, mas, pra ser sincero, ultimamente tenho escrito mais sobre futebol. A política e o sítio e a vida na roça... Sei lá, tenho andado meio desacorçoado (*), ou, como se diz em moderno português tupiniquim, sem tesão. Explicarei.

Sobre política, peguei-me chato e repetitivo, nada mudou, aparentemente teremos mais quatro anos do companheiro pela frente.

Heloísa Helena é piada de mau gosto, em que pese ser ela própria uma simpatia e fazer e dizer coisas que todos nós gostaríamos de fazer e dizer. Coisas que desopilariam o fígado, mas que não resolveriam coisa alguma nessa Terra de Vera Cruz. Pelo contrário, complicariam tudo de vez, e pegar-nos-íamos dizendo com caras de tacho: - Pois é, ruim com, pior sem.

Confesso, constrangido, que estou muito decepcionado com o PSDB. Nem tanto com o Geraldo, ou com o Alckmin, ou com o Geraldo Alckmin – não sei por qual nome ele prefere ser chamado; aliás, nem ele sabe, ainda, e tampouco seu partido e sua coligação. O PFL não me decepciona, pois isso é como aquelas paradas de emergência numa beira de estrada, numa biboca qualquer, e o dono da birosca aponta para os fundos, para onde você corre em busca do banheiro salvador e o encontra. Tudo bem, encontrar, encontrou, mas o cheiro... Nem adianta voltar pro carro depois e reclamar da sujeira e do mau-cheiro. Certas coisas você agüenta, usa e, se possível, nem comenta a respeito. É bem verdade que ele não é todo assim, tão fedido, e tem alguns cantos limpos e cheirosos. Carece uma certa busca, mas que tem, tem.

De volta ao PSDB. Quando fundaram esse partido eu já tinha parado com a minha vida de militante político. Velhos companheiros convidaram-me a ingressar, mas eu, enfarado com as coisas da política partidária, disse não. Já uma vez tinha enfiado minhas mãos na merda (**) política e com elas ali passei alguns anos. Foram importantes, acho que fiz a coisa certa, mas acho, também, que foi o bastante. Conheço pessoas que continuam ligadas à política através dos partidos, inclusive o dos trambiqueiros. São pessoas que apequenaram-se, amesquinharam-se, ficaram míopes, perderam de vista a sociedade e só enxergam seus mundinhos. Lutam por cargos e benesses. Sei lá se não por algo mais. Alguns ocuparam altos cargos nessa grande cidade e deles saíram, digamos, com manchas nos currículos. Não, não, não, nada de vida partidária para mim, posso ser um monte de coisas, posso ter feito um monte de coisas, mas jamais ganhei um centavo de dinheiro público e assim espero continuar, coisa impossível de se conseguir quando atrelamos nossa vida a um partido.

De volta ao PSDB, parte II. Decepcionante. É o único adjetivo que encontro que exprime com clareza e concisão o que penso. O candidato a presidente está abandonado. Candidatos a prefeituras e governos estaduais ignoram-no, quando não se atrelam, descarada e desavergonhadamente, à campanha do candidato oficial, o auto-candidato do Planalto. O discurso fica perdido em meio a pratos de macaxeira e miúdos de bode (nada contra os pratos, tudo contra eles esconderem o que importa). O discurso dos bandidos do pcc prevalece e ganha foros de verdade. Que a sociedade seja meio estúpida podemos aceitar, que a imprensa engula qualquer coisa, também, mas é inaceitável que o próprio partido que é o alvo preferencial dos bandidos se cale e não bote a boca no trombone, dizendo em alto e bom som que o terrorismo da bandidagem é provocado pelo endurecimento e pelo tratamento correto dispensado aos marginais pelo governo do Estado, que criou, há cinco anos, o RDD – Regime Disciplinar Diferenciado –, o instrumento que é o inimigo número um deles, posto ser o único capaz de cortar o comando do crime.

É um partido covarde, omisso, com discursos eleitoreiros pequenos e localizados. Um partido que deixa-se dominar por bandidos semi-alfabetizados, que comandam a vida da sociedade de dentro das prisões.

Finalmente, o presidente. Falar o que desse sujeito que, politicamente, nada mais é que uma excrescência? É bom explicar que usei excrescência com o significado de tumor, um tumor que cresce acima de um órgão. É assim que enxergo lulla da Silva, cercado, por sua vez, por um monte de excrescências menores. Falar o que de um sujeito que a cada vez que abre a boca despeja, digamos, montes de porcarias, para não falar outras coisas? Um sujeito que não tem noção de história ou de decência política, enfim, um cara que não tem noção? Todavia, é esperto o companheiro, muito esperto. Pode não ter noção de certas coisas, mas bobo ele não é, nunca foi. E, baseado em demagogia barata e assistencialismo estéril, vai construindo uma sólida plataforma de apoio junto à base miserável da população, uma base que encontra correspondência num Estado cada vez mais aparelhado. A esse respeito, recomendo leituras sobre a Venezuela do companheiro Chávez. Muito instrutivo, infelizmente.

Ao seu lado, um parlamento podre, corrupto, sem um pingo de vergonha de ser o que é, de fazer o que faz.

Claro que eu votarei para o parlamento! Por um único motivo: entre os mais de 500 membros, tem uma parcela, não sei precisar quanto, de gente honesta e correta. Então, tudo que me restará será dar meu voto a um candidato a deputado federal em quem eu confie e que tenha uma história digna.

Bom...

Pois é, falei, falei, escrevi, escrevi, e acabei me repetindo. No Brasil a gente se repete muito. Em todos os níveis.

Mas não tem sido apenas esse lado da vida que me desestimulou a escrever. Do outro lado tem a seca.

Ah... A seca... As vacas vão para um lado e para outro e, no vai-e-vem, levantam tufos de poeira. A visão que os olhos registram e encaminham para algum departamento cerebral, chega ao coração, que parece diminuir, parece doer. A seca é muito triste.

Os pastos estão rapados, as vacas olham – algumas delas – pra gente e seus olhos perguntam: – Cadê a comida? Estamos cortando a cana que deveria ser cortada só mais pra frente, isso se tivesse chovido em abril e maio, o que não ocorreu. A cana é um arremedo de cana, mas é melhor que nada. A salvação da lavoura. Nesse caso, do gado.

Pensei em vender parte do gado, mas o preço é vil, irrisório, já que a oferta é grande e a comida é pouca em toda parte. Além disso, quem compra já pensa em fazer dinheiro via abate. Desisti.

Pensei em arrendar pasto, mas de quem? Quem tem, está usando. O que sobra não presta.

Pensei em comprar comida, até comprei um pouco, mas o custo é uma exorbitância. O jeito salvador foi mesmo apelar para a caninha. Pequena, miúda, pouco desenvolvida, não importa, é comida e isso é tudo o que importa.

Meus vizinhos não estão em melhor situação. O preço do leite continua vil, o preço do frango um descalabro, o preço da laranja criminosamente baixo, apesar dos jornais apregoarem acordos lindos entre indústria e produtores rurais. Só quem planta cana vai se dando bem, ou seja, as usinas. E parte do povo que arrendou suas terras para as usinas encherem de cana.

E, pairando sobre tudo, a seca continua soberana. Nas cidades ninguém percebe, a água continua saindo das torneiras. Água não rende voto, tampouco imagem. Pode alterar a ordem desses fatores, o resultado não muda. Exceto se ela parar de jorrar das torneiras e chuveiros. Aí, sim, aí rende muito voto. Para a oposição, claro, qualquer que seja ela.

Por toda parte – Estados Unidos, México, Argentina, Europa e nessa Terra de Vera Cruz – consome-se as reservas de água como se consome as reservas de petróleo. A água dos lençóis freáticos mais profundos vai embora em alta velocidade. O nosso Aqüífero Guarani, tido e havido como o maior do mundo, serve a inúmeras cidades e milhares de propriedades agrícolas e indústrias. Consome-se aos baldes e às baldas, hoje, sem pensar um segundo no futuro. A recomposição do lençol freático é tarefa que a natureza demora centenas de anos para cumprir. E isto em áreas com solos protegidos por florestas, onde as chuvas caem e se infiltram no solo, condição que atualmente inexiste em grande parte dos solos do planeta. Portanto, esses aqüíferos levarão, com certeza, não centenas, mas milhares de anos para voltar ao nível original. E isto se o consumo cessar bruscamente.

Outra água, parte invisível, parte visível, já vem sendo estragada: as chuvas. Sim, as chuvas estão ficando poluídas. Já o estão há muito tempo na Europa e Estados Unidos, e agora por aqui, também. A poluição atmosférica tem transformado o pH da água das chuvas, que ficam mais ácidas e alteram a fertilidade do solo e sua cobertura vegetal.

Enquanto se apela para a água invisível cada vez mais, degrada-se mais e mais rapidamente a água visível, a água dos rios, lagos e oceanos. Sobre isso é desnecessário falar. Basta olhar ao redor ou descer o vidro do carro e aspirar o, digamos, infeliz aroma das águas de nossos rios.

Estão vendo só? Por tudo isso que eu ando meio avesso a escrever, exceto sobre futebol, em que pese a perda da Libertadores pelo São Paulo.

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Essa manhã de sábado começou bem e depois ficou meio tensa. Ao meio desse texto, liguei para o Ismael e ele disse-me que a Honey, que pariu um machinho nessa semana, não se alimentou ontem. Liguei na hora para o Sergio, nosso veterinário – acreditem, a despesa mais barata e produtiva numa criação de gado é a visita do veterinário – e dei sorte, pois ele estava nas proximidades do sítio e foi pra lá na mesma hora.

Agora o Ismael já ligou de volta e está tudo bem. A Honey estava anêmica – não era pra menos, coitada – e ligeiramente febril. Uma boa injeção de pentabiótico vai dar conta do recado. Ao mesmo tempo, preocupado com o bezerro, o Ismael começou a dar-lhe o precioso colostro na mamadeira. Excelente! Há tempos eu queria implantar esse esquema para os bezerros novos, mas estava meio preocupado, por ser mais serviço, por ficar preocupado com a higiene da mamadeira e coisa e tal. Mas agora começou por iniciativa dele (essa é a melhor coisa que existe) e vamos em frente e do jeito que eu queria: os bezerrinhos vão receber no leite os medicamentos homeopáticos contra diarréia e contra parasitas. Excelente, excelente, meu humor já está alto, meu sábado já está com cara de sábado mesmo.

E, para ajudar ainda mais, o Sérgio sugeriu levar alguns animais para a Feira que o município vai promover em setembro. Isso me deixou animado, nem tanto pela perspectiva da feira, e sim por ser um atestado que os animais, apesar da seca, estão com boa aparência, todos eles. Esse episódio com a Honey, além de corriqueiro, não é praxe no rebanho, foi um caso isolado.

É, nada como boas notícias e a sensação de, apesar das dificuldades, estar fazendo as coisas corretamente. Mesmo que a um custo muito alto.

Assim é a vida, né? Em meio às secas, chuvas, doenças, nascimentos, mortes, a gente vai levando, vai vivendo, procurando fazer tudo certinho, procurando agir com correção com os outros e com a natureza. Tenho dormido bem, espero continuar gozando dessa benesse.

Bom fim de semana para todos.

Observações

* O certo é desacoroçoado, mas cresci no interior de São Paulo e lá a gente fala, ou falava, desacorçoado. Portanto, desacorçoado estou.

** Esse vocábulo “merda” tem sua razão de ser; há muitos anos, no final de 73 ou comecinho de 74, um artigo no jornal Opinião chamou minha atenção: basicamente, o autor dizia que era hora de deixarmos de fazer oposição na sala de visitas e metermos a mão na merda, ou seja, no partido oficial de oposição, o MDB, pois só conseguiríamos mudar alguma coisa de dentro para fora; não tenho certeza absoluta, mas perto disso: o autor foi o Prof. Fernando Henrique Cardoso; esse artigo marcou minha vida e levou-me ao velho MDB.



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sexta-feira, agosto 25, 2006

Honey e dores


"A dor do cocho é não ter ração pro gado

A dor do gado é não achar capim no pasto

A dor do pasto é não ver chuva a tanto tempo..."

Extraído de "Guerra de Facão", de Wilson Aragão, baiano de Piritiba, autor também de "Capim Guiné", em parceria com Raul Seixas.


Dei um pulo até a Kombi do Hélio, estacionada lá em em Irecê, sertão baiano, próxima da qual fica Ibipeba, terra de meu assistente Valdir, onde seu pai cria umas vacas e planta um tanto de feijão, milho e etc. Terra, também, dos pés de xique-xique, mandacaru e palma que plantei no sítio, presentes do Valdir.

Ao entrar no citado veículo, dei de cara com os versos que abrem essas mal digitadas.

Não foi preciso mais que o rápido bater de olhor para que eles caíssem no meu gosto. O poema - ou música - inteiro está lá, é só clicar e ler tudo.

A Honey pariu anteontem e passa bem. Ainda bem. Ela é uma das duas novilhas problemáticas que vieram no lote inicial. Já eram vacas, a rigor, e não tinham emprenhado ainda. Ministrei-lhes uns remedinhos homeopáticos ao lado da presença do Safári o tempo todo e – voilá! – prenhes.



Itaquá com seu bezerro de uma semana em 20 de agosto


A Giselle, porém, foi roubada, morta e carneada com uma prenhez de 5 para 6 meses. Um crime imperdoável. A Honey deu mais problema. Aliás, sempre deu probleminhas. Chegou cega de um olho, o que foi diagnosticado como cegueira traumática. Devem ter batido nela antes ou durante o leilão. Ou talvez no transporte, mas parecia coisa do leilão, mesmo. Uma boa bisnaga com antibiótico receitado pelo veterinário deu conta da situação. Depois vieram outros probleminhas, coisinhas nhenhenhém. Emprenhou, mas abortou ou o bichinho nasceu morto. Apesar disso ela teve uma lactação normal, sem maiores dramas.

Demorou um pouco a emprenhar, coisa rara entre as vacas do Macaúbas, onde o contrário é o normal. Finalmente, pegou cria e agora pariu, um machinho. Só vou ver sua cara na próxima semana.

Fico satisfeito porque ela e a companheira vieram baratas por serem consideradas como “casos perdidos”. Não eram. Valeu a homeopatia.

Mas, enquanto isso, o pasto continua com a dor da chuva que não chega.

Para essa dor, como para todas, o tempo é o melhor remédio.

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quinta-feira, agosto 24, 2006

Cronista sob a água

Sentei-me no chão do banheiro e deixei a água quente cair sobre meus ombros e cabeça. O tempo passou, a água rolou e o relaxamento, enfim, chegou, merecido e desejado, depois de um dia duro. Comecei o banho com o corpo gelado, depois que a chuva rápida e forte passou e, auxiliada pela água escorrendo do teto do barracão encharcou-me completamente. Chuva no sítio em pleno meado de agosto é algo a ser comemorado. Mesmo que passageira, não importa.

Durante o começo da tarde ela se anunciou com trovoadas isoladas que mais pareciam resmungos do que trovões. Nem demos bola e tocamos o trabalho. Ela chegou quando começávamos a picar a cana para o trato das vacas. Momento chato esse, pois a picadeira está protegida pelo teto do barracão, mas a carroça fica do lado de fora, embora bem ao lado. A chuva em si não incomoda, é gostosa e bem-vinda. Mas entre a carroça e a picadeira tem a ponta do teto e as goteiras.

Ah, as goteiras... Que transformaram-se em verdadeiras torneiras abertas, vertendo água justamente no lugar onde temos de ficar parados, ajeitando a cana na picadeira. E tomando um verdadeiro banho de chuva.

A visita da chuva foi rápida, passageira, foi embora e deixou saudades. Ainda ajudei o Ismael a terminar as tarefas enquanto sentia a roupa gelada começar a secar sobre meu corpo. Nessas horas, o bom mesmo é parar tudo, tomar um café quente e ir pro banho idem. Como ainda tinha um bocadinho de coisas a fazer, contentei-me com o café e uma camiseta seca, o que já foi um conforto e tanto.


O céu começou a abrir e o sol mostrou sua cara num entardecer bonito e gostoso. A vida brilha mais depois de uma chuva. Meu ânimo fortaleceu-se, com ele a esperança de dias melhores em todos os sentidos. Não, não fiquei pensando essas coisas, racionalizando a esse ponto. Até porque teria de racionalizar o irracional. Mas a terra molhada passa para mim um sentimento difuso de bem-estar, de tranqüilidade e, nesse estado de quase beatitude, sou dado a ser mais esperançoso que o normal.

Conheço sentimentos piores, infelizmente. Por isso e muito mais, gosto de me sentir desse jeito. É capaz até de fazer bem pra pele, o que não me importa muito, prefiro, isso sim, que faça bem pro fígado. E acho que faz.

E assim fui ficando no chão do banheiro, pensando na vida, na chuva, nas vacas e bezerras, pensando em textos e crônicas ao ponto de desejar ter um notebook à prova-d’água para transformar na mesma hora as brilhantes e molhadas idéias em crônicas maravilhosas. Crônicas que são e serão como os peixes perdidos pelos pescadores, sempre grandes e fantásticos. No fim, o que sobra e vai pra frigideira são os lambaris e bagres de toda pescaria e olhe lá. Já é muito. Como esse lambarizinho que ora digito, digo, frito.



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sexta-feira, agosto 18, 2006

À guisa de esclarecimento


(Um pouco tardio, talvez)

Sou a favor da honestidade.

Sou a favor de falar a verdade.

Sou a favor de pensar livremente e emitir opinião livremente.

Sou contra ofensas de cunho grupal: “raça”, cor, sexo, nacionalidade e outras.

Acredito na internet como um grande veículo, um grande canal de comunicação entre as pessoas. É deturpado, claro, mas deturpam até os pensamentos religiosos, todos eles pregando a bondade, então, é claro que a internet não escaparia à deturpação;

Uma das melhores coisas da net é fazer as pessoas escreverem. Usar a língua natal na sua forma que preservou, acumulou, permitiu o nosso desenvolvimento. Adoro falar, às vezes, mas o que a gente fala, perde-se, ou altera-se, que nada mais é que uma perda, também. A escrita preserva. A escrita revela. Chega a ser impressionante como as pessoas se revelam por meio dela.

A escrita só tem sentido se for honesta.

E só tem cabimento se preservar direitos e a liberdade alheia.

Por isso, quando eu escrevo ou emito uma opinião, falo o que penso. Não posso falsear a verdade. Posso até ficar quieto no meu canto e não entrar numa conversa ou discussão, mas, se o fizer, será para falar o que eu penso e jamais para agradar a um ou outro.

Por vezes sou tomado como arrogante ou indelicado ou agressivo em minhas intervenções, em meus textos. Paciência. Em diferentes momentos todos nós somos um pouco isso, um pouco aquilo. É natural, é humano e é verdadeiro.

Não pretendo mudar uma vírgula nesse meu jeito. Se o fizesse, não teria sentido.

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quarta-feira, agosto 16, 2006

Idas & Vindas

(Um texto meio choroso, meio reclamão, talvez chato por inteiro. Leia com moderação ou nem leia.)

(Ué, então pra que escreveu?)

(Sei lá, escrevi e pronto.)

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(Bom, eu alertei.)

Quem lê esse título e calhou de ler alguma coisa anterior imagina que escreverei agora sobre a viagem para Santa Catarina.

Negativo.

Não fui. E foi ótimo não ter ido, pois duas coisas vieram, uma lá, as chuvas, e outra cá, a gripe. Se as chuvas foram muito bem-vindas pelos catarinenses que já sofriam com uma seca extemporânea (no Sul do Brasil o inverno é chuvoso), não posso dizer o mesmo dessa gripe que me pegou em cheio na passagem do domingo para a segunda-feira. Sinceramente, não sei o que faria ou como estaria se tivesse viajado.

Em breve completarei 52 anos. Venho reparando que as gripes têm me pego com mais freqüência e virulência. Será coincidência ou tem a ver com o tal do declínio do organismo? O que antes era um incômodo e não me impedia de trabalhar e fazer várias coisas, hoje me deixa prostrado, cheio de dores, realmente abatido. Nessas horas é bom nem pensar nessa gripe asiática que anda se espalhando pelo mundo.

Gripe é, acho eu, um bom sintoma de coisas erradas com o corpo. Ela pega, preferencialmente, quem já anda com a resistência imunológica meio pra baixo. Essa queda na resistência pode ter muitas causas, entre elas o stress emocional e físico. Ora, inegavelmente tenho sido submetido a uma certa carga de stress emocional, por conta de dificuldades diversas no trabalho e no sítio. Sim, no sítio, pois a seca me deprime, irrita e preocupa. E chega a tirar meu sono. Em muitas noites, ao desligar a luz e pôr a cabeça no travesseiro à espera do sono, penso no sítio, lembro da seca e, incontinenti, a preocupação com os animais e agora com a própria vegetação, me toma por completo. Adeus sono, o único jeito é ligar novamente a luz e tentar mergulhar numa leitura alienante.

Como tenho feito poucos exercícios físicos, meu corpo não está nenhuma brastemp, é bom que se diga. Junte-se a isso a ida ao estádio na noite de quarta-feira passada. Uma final de Libertadores é um jogo de alta tensão antes, durante e depois. E, no estádio, grita-se. E eu gritei, muito. Fiquei sem voz, é claro. Minha garganta ressentida e ferida pela gritaria, transformou-se em uma via de acesso escancara para a gripe. Se bobear, até faixas de boas-vindas pra maledeta estavam esticadas.

Deu no que deu.

Agora é pensar nisso tudo e tentar aprender para o futuro, para evitar novo facilitário desse porte para uma doença besta, chata e oportunista como a gripe. Bonito, né? Mas duvido muito que eu faça isso.

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sábado, agosto 12, 2006

Cisma, pra que te quero?

E assim vamos passando pelos dias, pelos anos, pelo tempo.

Plenos de contradições, falsos avanços e verdadeiros recuos.

Nada de novo há nesse movimento, vem e vai, igual às marés.

... ... ...

E assim, pendular, inconstante e medroso como um ancestral numa caverna, porque ao fim e ao cabo é isso, uma noite insone e dores reais nascidas do imaginário, levam-me a uma nova mudança: deixarei o carro, irei de Fokker.

Na mesma noite insone e dolorida, um acidente grave matava dois jovens e feria outros três, um gravemente. Dois jogadores do São Paulo e 3 jogadoras do FINASA Osasco. Um acidente na Regis Bittencourt, nas proximidades do local onde sofri meu único acidente rodoviário, num distante 7 de setembro há 24 anos.

Ao acordar, antes de saber de tal acidente, já me decidira e ligara para a companhia aérea. E fiz reservas no vôo para Chapecó, em Santa Catarina, pagando mais caro do que se tivesse tomado antes tal decisão. Não importa. Tão logo decidi-me pelo vôo, a tensão desapareceu e meu bom humor voltou.

Às vezes tenho esses... sei lá como chama-los. Às vezes mudo uma decisão, geralmente não mudo e sigo em frente.

Os meandros da mente... Quanto mistério há neles!

No correr do dia deparei com a notícia do acidente dos atletas. Muito triste. Minha decisão sobre a viagem ficou fortalecida.

Portanto, não vou mais de carro e passar pela Regis Bittencourt, agora vou de Fokker.

E estou calmo.

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quarta-feira, agosto 09, 2006

Tem certas cismas...


Sabem aquelas cismas bobas, sem pé nem cabeça?

Aquela coisa estranha, sentimento forte e difuso que às vezes toma conta da gente, de repente, sem mais nem menos, e nos deixa travados? Bom, nunca cheguei a ficar travado, vai aí um pouco de exagero, mas, embora me declare e me pense como um ser racional, sou meio dado a cismas.

Uma de minhas mais antigas cismas é com relação aos aviões com as turbinas na traseira. O que sempre achei natural num caça, sempre achei estranho e vi com péssimos olhos nos aviões de passageiros. Bi ou tri-reator, não importa, nunca me agradou ver turbina onde nada deveria existir. E não ver as turbinas onde elas sempre devem estar, sob as asas.

Que me perdoem os engenheiros aeronáuticos, mas não dá.

Cliente TAM desde sempre, desde o começo da empresa, inclusive nas ligações de São Paulo com o interior, principalmente Marília, acabei voando incontáveis vezes e horas nos Fokker-100. De São Paulo para toda parte do Brasil. Mas, sei lá, movido pelo irracional escondido no fundo de cada um e que às vezes dá o ar de sua graça ou falta de à superfície, mudei algumas viagens para a VARIG e até para a velha VASP, por conta do “não quero voar nesse Fokker”. Incompreensível, claro, alguém preferir voar num pterodactilo como o 737-100, inda mais da VASP, do que num Fokker da TAM, mas assim foi.

De repente, num curto período, um dos Fokker caiu em Congonhas, no famoso acidente do “reverso que abriu na decolagem”. Outro teve de fazer um pouso forçado numa fazenda próxima de Araçatuba, bem sucedido, felizmente. E em outro, ainda, uma bomba explode no ar, abre um rombo na fuselagem e um passageiro, espero que já inconsciente ou morto, é projetado para fora do avião.

Esses acidentes marcaram não a companhia, mas o avião. E a minha cisma transformou-se em certeza: há muitos anos não vôo em Fokker 100, exceção feita a um Manaus-Santarém-Manaus, por absoluta falta de opções.

Na próxima 2ª-feira vamos pegar mil quilômetros de estrada para o interior de Santa Catarina. Poderíamos ir de avião, há vôo para Chapecó, mas a perspectiva de voar pelo Brasil nesse momento de bagunça e crise no transporte aéreo, o alto custo da viagem e, sobretudo, o fato de ter que viajar em Fokker 100, desestimularam-me por completo. Optei pela rodovia.

Ainda ontem, conversando com alguns amigos sobre futebol, vi duas ou três menções a aviões, portas que caem e não sei que mais. Meio distraído, por conta de notícia desagradável – mais um roubo, o sétimo – vinda do sítio, não dei muita bola. Hoje cedo, para minha surpresa, deparo com a notícia na primeira página do jornal: “Fokker da TAM decola e porta cai em supermercado” – era sobre isso que o pessoal falava.

Cisma?

Nada, é convicção mesmo.

Fokker 100? Mantenham-me fora, por favor.



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terça-feira, agosto 08, 2006

A mesma lua, lá e cá


É um hábito que carrego comigo desde que mudamos para a Granja Viana, não consigo fugir dele, e tampouco quero. Antes de me deitar, vou à janela do quarto e olho para a noite que esconde a paisagem que era só de árvores e agora é de árvores, luzes e casas. As luzes, felizmente, são poucas. Ainda bem.

A Lua está cheia no céu de inverno sem nenhuma nuvem. Como os cronistas antigos, não consigo ou não quero procurar outra palavra, e digo que sua luz banha a essa terra, dando às árvores e aos morros uma característica distinta das que eles apresentam nos dias ensolarados. É uma paisagem calma e silenciosa, os ruídos nessa noite são poucos e até os cachorros dormem, apesar da lua cheia. Encosto na parede e fico olhando por alguns minutos. Tranqüilo, vou para a cama, leio um pouco e durmo.

Sou precavido ao amanhecer. Desprezo todo o jornal e vou direto à seção de esportes. Ali, as notícias não me fazem mal, pelo contrário. Mesmo nas catástrofes – e cada derrota de meu time é uma – a dor é diferente, pois sei que passageira. E é assim que tomo o café da manhã. Só depois eu começo a folhear e, ocasionalmente, ler o resto do jornal.

Felizmente...

O PCC atacou novamente...

Fidel continua internado, mas vai viver para sempre, como um personagem de Garcia Marquez. Penso na Dra. Hilda e em sua mãe. Lamento.

Em Rondônia, os três poderes são antros da mais deslavada corrupção.

A ciência avança na cura do câncer através do uso do tempo ocioso dos computadores pessoais.

Israel bombardeia o Líbano. Hezbollah bombardeia Israel. Poucos soldados mortos, muitas crianças, mulheres e idosos mortos.

É quando paro no relato do correspondente de O Estado de S.Paulo na região, Lourival Sant’Anna.

“Eram 20h43. A lua cheia brilhava no céu sem nuvens de Marjayoun. Foi quando começou o bombardeio.

No início, tem-se o impulso de contar as bombas... Depois cai-se numa quase monotonia, quebrada por um ou outro estouro mais próximo, o impacto que sacode fortemente a casa. As paredes tremem e os vidros, se ainda houver – o que não é o caso da casa onde o repórter do Estado passa a noite – se estilhaçam.”

Essa mesma Lua, poucas horas depois, estaria banhando com sua luz suave e prateada a paisagem em frente à minha janela e, um pouco mais distante, as vacas deitadas na sombra do barbatimão, ruminando tranqüilas e pensando em nada, como gostam de fazer, acho eu.

O relato do repórter prossegue, fala em perdas e destruição, fala de vidas que se foram, mortas ou fugidas, fala de habitações vazias, e ainda é um texto suave, tanto quanto a luz da lua, pois texto nenhum consegue retratar o horror e o sofrimento dos bombardeios e da guerra.

Ontem, quando me deitei, o livro que levei para ler falava de um outro tempo, duro, também, afinal, o homem sempre transforma para pior o seu tempo e lugar. Mas o tempo retratado no livro foi, talvez, o último tempo meio louco, o último tempo antes da loucura tomar conta das ações humanas. Um trecho lido algumas noites atrás dá bem uma prova disso:

“... Em vez de um pequeno número de profissionais perfeitamente adestrados, defendendo a causa de sua pátria, com armas antigas, e a surpreendente complicação das manobras arcaicas... vemos agora populações inteiras, inclusive mulheres e crianças, lançadas umas contra as outras num brutal extermínio do qual só conseguem escapar alguns burocratas de olhos remelentos, que sobram para fazer a escrita da carnificina.“

O tempo do qual fala o autor é a última década do século XIX. E quem escreveu essas linhas foi Winston Spencer Churchill, à época jovem oficial da cavalaria no exército de Sua Majestade.



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sexta-feira, agosto 04, 2006

Pássaros, calor e uma terma na beira do Pantanal

“Já ontem, ao caminhar lá fora sob um sol de esturricar os miolos, a temperatura beirando os 40, vi um bando de pássaros na calçada. Todos eles de bico aberto, ofegantes! Nunca vi isso. Espero nunca ver de novo.”

Tirei esse relato do blog de um amigo que não mora em São Paulo.

Não, tampouco mora nos arredores do Raso da Catarina, na caatinga baiana. Parece até uma descrição de alguma cidade à margem do Pantanal Matogrossense no alto verão, mas não é. E não é, também, nenhuma cidade no meio do imenso pampa.

Meu amigo C J Ballantyne (e que não se deixe levar pelo belo e sugestivo e, vá lá, saboroso nome) mora em Washington, DC. Isso mesmo, ele mora na mesma cidade em que mora o George Walker, conhecido popularmente como Presidente Bush. E, com essa proximidade (vai ver tomam café na mesma padaria...), me pergunto se Mr. Bush chegou a ver outro bando de pássaros ofegantes, com os bicos abertos, nos jardins imaculados da Casa Branca?

Duvido. Mr. Bush não me parece o tipo de sujeito que olha para uma cena

como essa. E também não se deixa sensibilizar por ela. Aliás, Mr. Bush não se sensibiliza nem com Kyoto, que dizer de um bando de passarinhos?

Bom, mas falei demais nesse personagem que me desagrada profundamente. Não tanto por suas ações externas, digamos, mas muito mais pelas internas, reduzindo e ameaçando a maior contribuição dos Estados Unidos à humanidade: o respeito aos direitos civis. Mas disso falo em qualquer outra hora, não agora.

... ... ...

Há coisa de dois ou três meses eu estava no Mato Grosso, viajando por todo o estado, gravando fazendas, armazéns, lavouras, o de sempre, o que gosto. Tínhamos chegado cedo à fazenda, localizada na borda do Pantanal. Aqui cabe uma explicação. O Pantanal do Mato Grosso é uma grande bacia, que foi um mar há algum tempo atrás, coisa de poucos milhões de anos: Mar de Xaraés. É uma região baixa, entre 100 e 140 metros acima do nível do mar. Sua grande calha de escoamento, o Rio Paraguai, tem um desnível médio quase imperceptível, coisa de 1 a 1,2 centímetro por quilômetro. No Brasil, suas divisas ao norte, nordeste, leste e parcialmente sudeste, são as escarpas do Planalto Central. Em alguns pontos são abruptas, e despencam 150, 200 metros. No alto das escarpas, no Planalto, planta-se soja, milho, algodão. Cria-se gado. Estávamos numa dessas fazendas em abril, e a seca desse Ano da Graça de 2006 já tinha começado. Mas naqueles dias algumas chuvas passageiras visitavam a região.

Enquanto meu cinegrafista gravava a região, sem espaço para mim no pequeno aparelho voador, um ultraleve, fiquei em terra, olhando o céu, olhando as árvores, passeando pelo pomar cheio de ninhos e passarinhos.

De volta à sede e ao escritório da fazenda, protegido pela gostosa sombra de um fícus, voltei minha atenção para um grande bando de pássaros-pretos. A manhã já ia adiantada, o sol alto, o calor forte e a passarinhada saía do pomar e pousava numa poça grande de água de chuva na beirada da rua de terra batida que ligava os silos e a oficina ao escritório. Uma testemunha solitária de uma chuvarada isolada. O bando, com muito mais de cem passarinhos, descia em meio a uma forte algazarra e pintava de preto boa parte do contorno da poça.

Subitamente, por nada ou por alguma coisa de mim desconhecida, todos levantavam vôo e voltavam para as árvores do pomar. Não demorava 15 minutos, estavam de volta, e recomeçavam os banhos, o tititi e o converseio em volta da piscina.

Numa das voltas encontraram alguns canários-da-terra e rolinhas. Não houve acordo, não houve conversa, e foram todos expulsos. Gostam de exclusividade os pássaros-pretos, ou talvez não gostem de platéia para seus banhos. O sol foi subindo no céu, o mercúrio na escala do termômetro.

Pouco depois, em novo retorno à terma, pois, com o calor, era nisso que se transformara a poça d’água de chuva, lá estavam os canários-da-terra novamente. Dessa vez, contudo, não levantaram vôo, continuaram a se banhar. Apesar dos protestos indignados de parte do bando, nada foi feito e todo mundo ficou por ali, aproveitando a manhã quente e a água gostosa.

Passado algum tempo meu pessoal retornou e fomos pra cantina, onde matrinchãs preparadas com capricho nos esperavam. A seca continuaria, como continua até agora e continuará por muitas semanas mais. Fiquei pensando onde aqueles bandos barulhentos iriam encontrar água para seus banhos e para beber, no meio do cerrado transformado em lavoura. Os pássaros ofegantes e de bicos abertos de Washington lembraram-me dos banhistas da terma da poça-d’água.

Como estarão eles agora? Os do sul e os do norte?

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