sábado, janeiro 21, 2006

Rodando pelo grande noroeste...



O dia de hoje foi complicado, nem tanto pelas distâncias, mas pelo estado de uma das estradas. Foram 130 km em terra e 4 horas para atravessar. E isso com uma Toyota Hilux SW, pau pra toda obra com todo o conforto. Por aqui também choveu uma barbaridade e não há estrada de terra que agüente. Rodamos, também, uns 200 km em asfalto. Parece incrível, mas, finalmente, começa a ter asfalto no Mato Grosso.

Essa grande Chapada dos Parecis – na verdade imensa – é bem agradável nessa parte mais alta, em média a 600 metros acima do nível do mar. O dia foi quente, muito quente, mas não sufocante como ontem e anteontem, principalmente, em pontos mais baixos. Anteontem, em Cuiabá, foi triste: calorão abafado e úmido, terrível. Típico de Cuiabá, Pantanal e arredores. Só melhorou quando passamos o Rio Paraguai em sua parte alta, em Barra do Bugres e, logo depois, subimos a “serra”, na verdade a subida pra Chapada, em Tangará da Serra.

Em todas as fotos que faço coloco muito céu. Porque o Mato Grosso, na minha visão, é céu infinito coalhado de nuvens. E vastas terras com muitas águas, como o Rio Papagaio que cruzamos hoje, cheio, veloz, transparente, cristalino mesmo depois de tanta chuva.

A soja está bonita, mas tem muita soja bonita meio estragada por baixo, como vi hoje. O excesso de chuva na formação das vagens provocou a perda de parte delas, com reflexos na produtividade. Uma pena, mas assim é a agricultura.

Essa região não cresce, explode. Dá gosto ver, é diferente do miserê a que nos acostumamos. As cidades crescem, as pessoas investem, há trabalho e bastante. E há, naturalmente, os problemas do Brasil, como concentração de renda, falta de estrutura, etc. Coisas que se reproduzem, infelizmente.

Bom, os meninos da lan house estão com jeito de quem vão fechar. Tento não ir pro pavoroso quartinho no hotel de última hora. Abafado, quente, um forno ou uma sauna, a gosto de quem lê. Pelo menos estou sozinho no quarto, luxo supremo e do qual não abro mão sob nenhuma hipótese. Prefiro dormir no banco do carro a dividir meu quarto, coisa que só faço com minha mulher. Hehehehe

The same old story: reserva feita, reserva mal anotada (pra ser bonzinho), e dois apartamentos ao invés de quatro. Bom, paciência, mais um pouco por aqui e sou capaz de dormir nessa cadeira mesma, em frente a esse teclado horroroso (teclado em lan house é coisa de pouco uso). Espero chegar ao forno, deitar e dormir. Tomara. Fico devendo as fotos, vamos ver se consigo postar algumas amanhã.

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terça-feira, janeiro 17, 2006

Macaubenses



Nascimentos

A Nita (Infinita, no registro) pariu uma bezerrinha, ainda sem nome, mas já fotografada.

A Hora pariu outro macho. Como ao primeiro chamei de Minuto, a esse segundo batizei de Segundo, afinal, ele é o segundo, e é irmão do Minuto. Tudo a ver, exceto a criatividade.

A Feiticeira ainda não pariu mas tá com jeito de quase.


Tanzânia, o pasto

Amanhã passarei pelo sítio bem durante o momento em que o agrônomo estará remarcando as curvas de nível no pasto de tanzânia, e o Airton estará com trator e arado fazendo as curvas. Depois veremos, ou melhor, o Wagner verá qual será a melhor ou não tão pior providência a ser tomada para controlar a erosão e aproveitar o pasto já plantado. Pena que estarei a cerca de 30.000 pés de altura, no rumo de São José do Rio Preto para, de lá, tocar pra Cuiabá.

Fiz as contas: entre 24 de dezembro e 8 de janeiro, inclusive, caíram pouco mais de 400 – Quatrocentos! – milímetros de chuva sobre o Sítio das Macaúbas e arredores. Isso significa quatrocentos litros de água por metro quadrado! Dá pra entender o porquê de tanto estrago, né?


Fartura

Geralmente fartura tem a ver com coisas não disponíveis. Eu, por exemplo, vivo em total fartura. De dinheiro e, pelo visto, de criatividade e talento. Paciência.

Mas fartura pode ser, também, abundância.

De maracujás: os passarinhos espalham sementes de maracujá – e muitas outras plantas – por toda parte. Tem maracujá de monte no sítio nesse mês. Nenhum plantado por nós, todos providenciados pela natureza. Aliás, exceto um, bem na beira do pasto, que está sufocando uma linda mamica-de-porca.

De mangas: haja mangas! Pena que da bourbon, a rainha das mangas, há um só pé. Tem espada, coquinho, Tommy Atkins e outras daquelas igualmente grandonas.

De limões... De chuchu, com alguns fora do alcance, a mais de 5 metros de altura, pendendo da copa da figueira perto de casa...


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De volta ao Mato Grosso...



Finalmente, voltarei ao Mato Grosso, Rondônia e Amazonas. Tudo isso, naturalmente, se o tempo permitir. Amanhã, quarta-feira, iremos para Cuiabá e, de lá, numa pickup com tração nas 4 rodas, seguiremos para o Noroeste matogrossense, área de muita soja, área de vastos cerrados em boa parte já transformados em lavouras de soja e milho.

Nessa viagem vou rodar bastante, literalmente. Avião, mesmo, só de São Paulo para Cuiabá e depois de Porto Velho para Manaus ou Itacoatiara. E, claro, de volta para São Paulo. Há, também, a possibilidade de descermos o Rio Madeira num comboio até Itacoatiara. Mas não creio, pois o rio ainda não está com toda a água, como ocorre em março e abril. No auge da cheia, a viagem Porto Velho/Itacoatiara demora pouco mais, pouco menos de 50 horas de navegação ininterrupta. Nesse momento, esse tempo está girando ao redor de 70 horas de navegação. O comboio desce o rio com menor velocidade e maior cuidado, pois há bancos de areia, pedras e as curvas ficam mais apertadas. A profundidade média não é grande, ainda. Na cheia, ela varia entre 16 e 24 metros no canal, e é um canal muito largo. Com isso, a importância do radar fica limitada à detecção dos troncos muito grandes. No ecobatímetro a coisa é até monótona, com a marcação permanente de grandes profundidades. Agora, não, tudo é diferente e o clima na cabine de comando se não é tenso tampouco é tão tranqüilo como durante março, abril, maio...

Minhas viagens proporcionam uma visão e um conhecimento de Brasil que eu de outra forma não teria, exceto em situações muito particulares. As capitais são pontos de chegada e partida, e mesmo assim não é sempre. Ou são pontos de passagem e referência. A vivência toda se dá no interior dos estados, nos sertões, florestas, caatingas, pampas e nas grandes áreas agrícolas que farão desse país em algum momento futuro o maior – e melhor – produtor de alimentos do mundo.

Há custos ambientais? Claro que sim, eles existiram sempre. O planeta vive em constante pagamento de custos ambientais. São muitos e grandes esses custos, assim como muita e grande é a propaganda contrária. Parte dos custos ambientais não deveria existir, é bem verdade. E o mesmo se aplica a boa parte da propaganda contrária. Olhando o espectro todo, o que menos vemos é equilíbrio, artigo sempre em falta e substituído por radicalismos diversos.

Seja como for, sentirei falta de duas coisas nessa viagem: um notebook e dois ou três cartões de memória para minha câmera fotográfica. Bom, uma câmera nova e mais sofisticada também viria a calhar.

Dependendo dos locais de pernoite, colocarei algumas coisas no blog, mas, sem notebook, a turma que recebe meus escritos via e-mail ficará livre de mim por todo esse tempo. Alvíssaras!

(Misturei a primeira do singular com a primeira do plural. Às vezes falo como membro de uma equipe, às vezes falo sozinho, hummmm, quero dizer, às vezes falo apenas por mim.)




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sexta-feira, janeiro 13, 2006

Um olhar para sempre na lembrança



Vira e mexe encontro com alguém que fez parte do meu passado e de quem não recordo. Às vezes até houve uma convivência maior e nada. Reuniões de negócios, a maioria delas, desapareceram, estão jogadas em algum arquivo morto mental. Não fazem falta. Reuniões longas, importantes, onde decisões foram tomadas, nada, simplesmente sumiram. E digo novamente, suas lembranças não fazem falta.

Por outro lado há instantes para sempre marcados na lembrança. Frações de segundo, poucos segundos, alguns reles minutos, até hoje estão impressos de forma indelével nessas partes da memória às quais a gente sempre tem acesso garantido, em qualquer lugar, em qualquer tempo. Vai ver são os “fora-de-estrada” cerebrais.

Tínhamos combinado com o comandante descer em Humaitá, estado do Amazonas, margem esquerda do Rio Madeira. Final de fevereiro ou começo de março, não lembro e não quero consultar agendas, o rio estava cheio, monstruoso, veloz. Suas águas cor de barro desciam rápidas em direção ao Amazonas, coalhadas de galhos e troncos e até árvores inteiras, algumas gigantescas, justificando o nome que os primeiros brancos lhe deram. Águas das chuvas e do degelo andino, um mundo de água.

Passamos nossa bagagem para a pequena voadeira do empurrador numa manobra que não chegou a ser arriscada, mas que exigiu perícia do piloto, mantendo o motor acelerado no ar, esperando o momento de tocar a água e igualar a velocidade do pequeno barco à do grande comboio. Risco mesmo era um galho ou tronco malandro escapar por baixo das barcaças e aflorar de repente ao nosso lado, talvez batendo no barco ou, pior, no motor. Nada disso aconteceu e pouco depois afastávamo-nos do comboio. Ganhamos velocidade e tocamos para Humaitá. Queria descer logo, a tempo de gravar a passagem das milhares de toneladas de soja a caminho de Itacoatiara e de lá para algum lugar do mundo.

O porto de Humaitá é um barranco onde as gaiolas e canoas encostam. Quanto mais cheio o rio, mais fácil e perto do comércio. Quanto mais seco, mais distante e às vezes complicado para chegar aos barcos. Em alguns pontos, passarelas mambembes, baloiçantes e sem apoios, fazem o caminho sobre a água. Quando saí de uma das passarelas dei de cara com ela.

Guria ainda, índia, rosto bonito e olhos escuros, grandes. Antes de me deter em seus olhos tinha olhado para ela como um todo. Uma grande trouxa de pano na cabeça, uma sacola pesada numa mão e na outra mão a mão de uma menina menor que ela. Talvez irmã, talvez filha, difícil saber sem perguntar. Por onde eu tateava temeroso, ela caminhava sem dificuldade com trouxa, mala e a menina ao lado. Eram as compras feitas na cidade, enorme para quem mora num barraco à beira de um igarapé perdido na mata. E agora era a hora de voltar para casa, pela gaiola, que no dia seguinte ou no outro ou no outro ainda, pararia na boca do igarapé para os passageiros descerem, passando para uma canoa ou duas e indo, então e finalmente, para casa.

Por uma fração de segundo, por poucos segundos, talvez, nossos olhares se encontraram. O meu, não sei, talvez admirado, mas o dela nada demonstrou, talvez, quem sabe, certa curiosidade e diversão por ver aquele sujeito de outras terras andando na passarela sem saber como, com medo de cair na água rasa da beira do cais. Sei lá, acho essas histórias de olhares significativos ou que dizem isso e aquilo coisa de literato, coisa de poesia. Para o meu jeito troglodita de ser, às vezes é difícil entender até as palavras de outros, quanto mais olhares! Porém, por algum motivo, aquele instante congelou-se em minha memória, me deixou marcado. O olhar de uma guria com um terço, talvez, de minha idade. E quanto mais penso mais me convenço que, mesmo tão nova,
já mais vivida, já mais senhora das coisas da vida do que eu.

Passamos um pelo outro, ela para a gaiola e eu para o alto do barranco. Mecanicamente, instruí o pessoal sobre o que eu queria, bem a tempo, pois, rio acima, apontavam as proas das barcaças ponteiras. Meu olhar se dividiu entre o comboio passando veloz com sua carga no rumo do mundo, e a gaiola se afastando lentamente, com seus passageiros indo para suas casas em pequenas vilas perdidas nas margens dos rios ou casas ainda mais perdidas e escondidas pela floresta nas margens de pequenos igarapés. Sobre ela só tenho pensamentos imaginados e nada sei. De concreto, apenas seu olhar que me acompanha até hoje.

O olhar de um mundo em tudo diferente do meu.


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Carne com escravidão



Bons livros costumam não apenas nos entreter e ficar presentes em nossa memória como também nos ajudam a entender muitas coisas, do sentido da vida ao cinema de Woody Allen. Alguns ajudam a entender as relações entre países, entre metrópole e colônias, por exemplo. “Equador”, do português Miguel Sousa Tavares, está nessa categoria. Já escrevi bastante sobre esse livro, é verdade, e torno a fazê-lo porque recente episódio envolvendo as relações do Brasil com a Inglaterra em 2006, leva-me a isso. Nada menos de um século depois da ação que se desenrola em “Equador”, quem diria.

No livro, a trama se desenvolve com o envio para a colônia de São Tomé e Príncipe de um novo governador-geral, escolhido pelo próprio rei de Portugal. Sua missão: recepcionar e tutorar o próximo cônsul de Sua Majestade, a Rainha da Inglaterra, cuja missão é averiguar se o cacau da colônia é ou não produzido por mão-de-obra escrava. Caso essa seja a realidade, o cacau da colônia terá seu ingresso proibido na velha Albion, provocando a ruína econômica das ilhas e um abalo na economia portuguesa, além do abalo muito maior no orgulho nacional. Naturalmente, o mais puro e denodado amor à humanidade move o governo de S.M. a essa ação, que, por não mera coincidência, se constatada a veracidade das denúncias, ajudará a comercialização do cacau de outras terras, não tão propicias e eficientes nessa lavoura como a colônia portuguesa. Que algumas dessas terras não tão eficientes e produtivas sejam colônias de Sua Majestade é mero detalhe. Fiquemos com o amor à humanidade, razão de ser primeira e última de todas as guerras que movimentaram nossa história de bicho civilizado. Bem, o cônsul chega às ilhas, começa a percorrê-las de cabo a rabo, conhecendo lavouras, conversando com trabalhadores, todos eles trazidos de Angola de forma não muito amigável ou honesta, se é que vocês me entendem. Com ele, veio sua esposa, inglesinha muito da interessante, a ponto de chamar a atenção de nosso ex-primeiro-ministro, Zé Dirceu, hoje fora do governo e passeando pelas terras de França. Bom, essa inglesinha tão interessante, interessantíssima mesmo... Deixo o resto para ser lido e descoberto por quem ainda não o fez e volto ao meu assunto, com certo pesar, confesso.

Perdido em amena leitura do jornalão dominical – amena, sim, posto que já exorcizei os fantasmas governamentais e, vindo dessa seara nada mais me assusta, embora essa nova conta do Duda na Florida... – começo a ler matéria sobre a venda de nossas carnes para o mundo e para a Europa, em especial. Aborrecido, fico sabendo que na Inglaterra, o influente The Daily Telegraph publicou matéria denunciando a produção de carne brasileira subsidiada por trabalho escravo.

Ora, ora, ora... Pois não é que a história está a repetir-se e não é como farsa, como dizia famoso barbudo do século retrasado? Provavelmente nem a repetir-se está a história, pois duvido que em algum momento a prática sobre a qual escrevo tenha terminado. Portanto, trata-se apenas da continuação da história, que longe está de terminar.

Os ingleses mandaram, então, um cônsul ao Brasil para averiguar como é produzida nossa carne?

Não, longe disso, perdido na lembrança está o tempo de intervenções tão claras, tão escancaradas como a do inglês na colônia lusitana relatada no livro. Nesses tempos modernos, onde há dinheiro em excesso circulando, onde a internet domina e boas ações são tudo na imagem, o processo foi diferente e inocente, foi através de uma fundação, um desses novos templos da boa vontade e da expiação da culpa universal.

Um produtor rural inglês – a matéria não diz se de carne ou de trigo, mas acho a dedução meio elementar até para o mais desmiolado Watson – ganhou uma bolsa de estudos Fundação Nuffield, e veio para a Terra de Vera Cruz investigar as condições em que nossa carne é produzida.

Trabalhador abnegado e dotado da santa visão dos ungidos pelo destino ou sei lá o que, nosso inglesinho não foi para as grandes e tecnificadas fazendas de gado do oeste paulista, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas, sul do Pará, Tocantins e Goiás, além das estâncias espalhadas pelos pampas. Não, nosso esperto inglês que de bobo nada tem – talvez só a cara -, foi direto para as áreas de abertura de pasto nos sertões amazônicos. Embrenhou-se nas matas em processo de derrubada, passando, antes, pelas fazendas de boca-do-sertão, onde meia dúzia de centenas de cabeças pastam no meio de troncos enegrecidos pelo fogo. Detalhe que, naturalmente, não passou despercebido do cônsul, ooooops, do produtor rural bolsista da fundação inglesa.

No coração da mata (será que ele leu Conrad e pensou no velho Kurt e sentiu-se, também, no coração das trevas?) descobriu a verdade: há trabalho escravo na Amazônia e é desse trabalho escravo que sai a carne brasileira que alimenta as bocas, mata os desejos por bifes e entope de colesterol assassino as veias dos pobres europeus e asiáticos com renda bastante para comprar um bife. Ali, enquanto destroem a portentosa floresta – crime do qual os ancestrais do inglesinho e todos seus vizinhos são inocentes, por suposto – os trabalhadores tupiniquins são espoliados e submetidos a brutais condições de sobrevivência, só comparáveis às encontradas nos terríveis programas de treinamento dos “Seals” ianques, dos Especiais israelenses e dos “SAS” de Sua Majestade, agora também igualados por renomados reality shows da tevê americana. Dormem em barracas rústicas, onde não há conforto, água encanada, eletricidade, não há isso e sem aquilo. Trabalham duramente todo dia, e o descanso no sétimo dia fica para quando acabar a empreita. É a praxe, quem vai conhece, é do ramo. Ganha melhor e não reclama, até acha bom.

Há trabalho dito escravo no Brasil? Sim, há o que é modernamente chamado de trabalho escravo, mas que nada ou muito pouco tem a ver com a real escravidão. Em boa parte dos casos, a maioria, mesmo, os processos abertos pelos fiscais vão a julgamento e dão em nada, pois não há como abrir fazendas em áreas de mata ou cerrado sem passar por dois, três, quatro meses de provações. Se a remuneração é baixa, se muitos patrões são maus pagadores, já é uma outra história, coisa para tribunais e multas, e para isso o país é dotado – caso único no planeta – de fantástico cabedal de leis e até uma justiça especial, específica, a Justiça do Trabalho. Daí a chamar qualquer coisa de “trabalho escravo”, satisfazendo os mais profundos instintos dos seres civilizados que vivem ao norte do Equador, há uma distância muito, muito grande. Aliás, pelo que vejo hoje, 97,62% dos funcionários de carreira de multinacionais e grandes empresas tupiniquins podem ser enquadrados nessa situação. Com a diferença de, geralmente, disporem de ar condicionado central à disposição.

Nosso bravo inglesinho retornou à velha e pérfida Albion – o “velha” fica por conta dos súditos saudosos de retornar à terrinha de S.M. e o “pérfida” fica por conta dos franceses, sabe-se lá por que... – e ali, na segurança da chuvinha londrina e devidamente abastecido com as libras da Nuffield, relatou suas descobertas ao Daily Telegraph. E o trabalho escravo tupiniquim voltou a ganhar mais manchetes na civilização. Ó, opróbio! E por toda a Inglaterra e outros locais igualmente do “bem”, consumidores e consumidoras identificados com os mais altos e puros desígnios da humanidade declararam-se contra a carne produzida em Pindorama.

Por enquanto isso deu em nada, afinal, os donos dos pães-de-açúcar, carrefours e extras da vida por toda a Europa estão mais preocupados, ainda, em comprar carne boa por custo idem. E isso é privilégio nosso. Somos os melhores do mundo nesse quesito. E em outros, como laranja, café, soja, açúcar e álcool de cana, frango, etc, etc, etc.

Nosso inglesinho, que o que tem de bravo tem de míope, não enxergou que essas áreas amazônicas produzem quase zero por cento da carne brasileira e, impressionante, absoluto zero por cento da carne exportada. Se ele quisesse ver a real produção de carne para exportação, bastava ter assistido a meia dúzia de capítulos da “América”, aquela novela onde o ator principal era o touro Bandido. A peãozada das fazendas que exportam já está mais pra figurante de novela global do que pra mão-de-obra escrava. São escravos, sim, mas apenas da moda e do último tamanho de fivela de cinto.

Pena que ninguém sabe disso. Nem mesmo aqui dentro, na Terra de Vera Cruz.


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domingo, janeiro 08, 2006

Recanto das Letras


Gente, recomendo a todos uma passada num site maravilhoso, o Recanto das Letras - http://www.recantodasletras.com.br/

Dezenas, talvez centenas de escritores. Tem muita coisa boa por lá, recomendo.


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O “não” e sua importância



Não comece um texto com um “não”, leitor nenhum gosta. Já me falaram isto, já andei lendo isto e, pensando bem, não recordo de ter lido nada significativo começando com um sonoro “não”. Exceto uma ou outra coisa que eu mesmo andei escrevendo, mas acho que isso não conta.

Por outro lado, foi essa a primeira palavra pronunciada por minha filha: não. Nada de bucólicos “mamãe e papai”, ou mesmo um afirmativo e queremista “dá”. Decidida, dona do próprio nariz desde sempre, a guria achou de sair-se com sonorissimos “não!”, a maioria com direito a ponto de exclamação.

Em tempos mais recentes, depois que a humanidade desaprendeu sobre a arte da autoridade e, esquecida, confundiu tudo com autoritarismo e repressão, já andaram até aparecendo livros e cursos tentando ensinar a pais e executivos a arte da negação, o jeito certo de dizer “não”.

Francamente...

Diria até que isso é pura falta de ter o que fazer. Meu avô, possivelmente, prescreveria dois talhões de café para serem carpidos no cabo de guatambu da melhor qualidade na enxada. Mas meu avô era dos tempos antigos, ele mesmo ex-carpidor que acabou virando administrador de fazenda. Foi assim, nessa nobre qualidade e função (naqueles tempos) que eu o conheci e com ele comecei a sonhar com a nossa fazenda.

Meu avô sabia dizer não, eu que o diga. Quesito, por sinal, em que minha avó era ainda melhor que ele. Filha de calabreses, a velha Brassaroto era tiro e queda, sempre com um “não” engatilhado e pronto a ser disparado na ponta da língua.

- Posso ir brincar na colônia? – Não!

- Posso comer mais pudim? – Não!

- Posso ir caçar passarinho? – Não!

- Posso ficar ouvindo rádio com vocês? – Não!

Arre!

As perguntas que receberiam “sim” nunca perguntei. Não era besta. Tais como:

- Posso comer mais salada e jiló?

- Posso moer mais café?

- Posso torrar mais café?

- Posso pegar mais um balde d’água no poço?

- Posso tomar outro banho com água mais quente?

Curioso, relendo o que escrevi percebo intrigante relação entre não e prazer e, ainda mais intrigante, uma estreita relação entre sim e chatice. Preciso pensar a respeito, quem sabe não esteja aqui a chave da felicidade da espécie humana?

Divagações filosóficas à parte, dizer não é, sem dúvida, uma arte e uma necessidade. E pode ser a afirmação de caráter, também. Como demonstrou minha filha ao fazer dela sua primeira palavra. Apesar de nosso enlevo contrariado, não deixei de ver naquilo um sinal positivo, era a guria desde cedo contrariando as autoridades e impondo a sua vontade. Ainda que pelo não.

O tempo passou, como sói acontecer quer gostemos, quer não, e vim a descobrir grandes verdades da vida, como a anunciada na primeira frase, lembram? Nunca começar um texto com um não.

Essa passagem do tempo veio mostrar-me, entre outras coisas, que nem tudo que é “não” é bom. Querem um exemplo?

Nosso atual presidente a tudo diz “não”.

- O senhor sabia das maracutaias praticadas por seus companheiros? – Não!

- O mensalão existe? – Não!

- Seus companheiros de partido são culpados? – Não!

- Existe corrupção no seu governo? – Não!

- O senhor participou das maracutaias? Não!

- Seu filho não errou ao aceitar os milhões da companhia de telefones? Não!

- O senhor é candidato à reeleição? No comments.

Pois é, como eu dizia, o tempo passa, o mundo gira, a Lusitana roda, o Frederico trota e as coisas mudam. E mudam como já não mudavam outrora, com a licença do Mestre Camões para a semi-citação.

“Não” é um vocábulo de extrema utilidade. Far-me-ia um bem danado aprender a usá-lo.

E tenho cá comigo que faria bem maior ainda ao povo brasileiro aprender a usá-lo de uma vez por todas. Já não é sem tempo.


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Sabores & dissabores do caminhar




O sol brilha sobre São Paulo nessa manhã de domingo. Depois de prolongada ausência, voltei a caminhar. Minhas panturrilhas, recém-massageadas com um creme do Boticário, repousam agradecidas aqui por baixo do teclado do micro. Devia ter voltado com menos sede ao pote, acho que a distância de 6 km foi um pouco demais. Mas foi bom, não cansei, apenas senti dores musculares normais. Ótimo, nada que mais alguns dias de caminhadas não elimine.

Ao caminhar observa-se o mundo (ou não, depende de quem caminha) e seus tripulantes. Hoje me detive num jovem tico-tico. Bobinho, ainda, afastava-se da minha aproximação sempre em linha reta para a frente, um metro, ou metro e pouco, trecho que eu vencia rapidamente, obrigando-o a novo pulinho voado. Não pensei em desviar, ou melhor, pensar eu pensei, mas não desviei. Desviar-se desses grandes macacos pelados que caminham sobre duas patas é um aprendizado necessário. Finalmente, depois de uns dez metros dessa perseguição inexistente na minha cabeça e tenebrosa na dele, o esperto desviou-se para o lado e eu passei batido. Olhei para trás e ele ainda estava quieto, meio ressabiado, tomando ar depois do susto. Olhei de novo e já ciscava em busca de comida. Espero que tenha aprendido a lição: dos humanos há que sair da frente e dar-lhes passagem a distância segura. É o mais prudente a fazer.

Caminhar é exercício excelente... para o cérebro. Justamente, para as “células cinzentas” às quais tanto se referia o saudoso Hercule Poirot. Caminhar com a cabeça erguida e o olhar disposto a enxergar tem como efeito colateral oxigenar o cérebro e suas células, cinzentas ou não. No meu caso, estimula, também, sonhos e idéias. Sonhar acordado é atividade que me acompanha desde que me conheço por gente. Penso em coisas a escrever, penso em coisas a fazer no sítio, penso em pessoas e em bichos e, pasmem, por força de algum desvio ou acidente cerebral, penso até no trabalho! Ainda não associo o sítio e suas canseiras mil com trabalho, tampouco o faço com a escrevinhação, coisa que sonho associar o mais breve possível, confesso. Trabalho continua sendo o “departamento“ de criar e produzir vídeos para clientes, generosos clientes que me pagam por isso. Mas a eles não dedico minhas horas “de folga”, a eles dedico o “nine to five” de segunda à sexta-feira. Acho que me falta a ambição para ganhar mais, correndo atrás de mais clientes e mais trabalhos e mais dinheiro. Às vezes me questiono a respeito, mas esse correr atrás para resultar de verdade em mais din-din significativo, implicaria em praticamente esquecer todos os outros lados da minha vida e centrar o foco e os esforços na nada nobre arte de ganhar din-din. Porém, como ainda tenho algumas vontades que são totalmente dinheiro-dependentes, como conhecer a Toscana e a Provence, o Himalaia, o Kenya e algumas outras, vou ter que dedicar um pouco mais dos meus esforços para esse departamento.

Adoraria voltar a Nova York, até sonho com isso, mas não há chance de lá voltar sob a atual administração. O jeito é esperar pela próxima, quem sabe Mrs. Clinton, quem sabe ela tenha aprendido algo de bom com o maridão, que foi,sim, um bom presidente sem ser um estadista.

O que eu não gosto nas caminhadas aqui pela Granja Viana é o acompanhamento do ritmo acelerado de novas construções e novos condomínios residenciais de médio luxo. Médio porque acessíveis à classe média, espécie à qual cheguei a pertencer, mas de onde fui excluído por não preencher alguns requisitos básicos como carro novo, um segundo carro também novo ou semi-novo, quando muito, viagens para a Florida e/ou Buenos Aires com escala em Bariloche y otras cositas más. Médio luxo, também, porque as casas agora têm terrenos menores, o que significa mais casas e menos árvores por área. Isso implica em redução do estoque de alimentos para a fauna, entre outras coisas. O guincho agudo dos sagüis me lembra de tudo isso enquanto caminho. Deve ser o mesmo bando que freqüenta nossa casa e as dos vizinhos. Agora eles têm aparecido pouco, pois com as chuvas e o calor aumentou a disponibilidade e variedade de alimentos no que resta de matas no bairro. Durante a seca o bando chegava a passar boa parte do dia nas árvores vizinhas, motivados, naturalmente, pela oferta de frutas que colocávamos à disposição deles. Atitude teoricamente errada, claro, mas praticamente correta. Afinal, eles estavam por ali porque nós mesmos estávamos tirando a comida de suas bocas com a derrubada das árvores. Logo, nada menos injusto do que repor, em parte, essas perdas.

E assim segue a caminhada, misturando sagüis com Nova York e Hillary, o Kenya ou Tanganica com trabalhos e pendentes e outros cobiçados. Misturando tico-ticos com os estilos arquitetônicos – ou a falta de - em voga nos condomínios bonitos e meio sem graça. Com sabores & dissabores, caminhar é uma atividade muito gostosa, principalmente, como eu disse, se nossos olhos, ouvidos e sentidos estão abertos para o caminho. É quando mais vale a pena.



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sexta-feira, janeiro 06, 2006

Estudo revela a árvore genealógica dos felinos

Artigo transcrito do jornal O Estado de S. Paulo, página A-16, edição de 6/1/2006.



Animais se dividem em 8 grandes linhagens, todas originadas de um ancestral que viveu no sudeste da Ásia cerca de 11 milhões de anos atrás

EVOLUÇÃO - Cristina Amorim


Um time internacional de pesquisadores conseguiu finalmente montar a árvore evolutiva dos felinos, uma tarefa há muito esperada que só hoje, com a publicação do estudo na revistaScience (www.sciencemag.org), foi cumprida.

Os cientistas usaram técnicas genéticas para mapear, dentro do genoma dos animais modernos, o que eles carregam como herança de seus ancestrais.Uma dessas pistas é o DNA mitocondrial, passado pela mãe para o filho, geração após geração e que serve como um marcador de tempo. Eles também analisaram os cromossomos Y e X, em busca de semelhanças e diferenças entre as 37 espécies de felinos existentes no mundo.

O trabalho minucioso demorou quatro anos e exigiu amostras de sangue ou tecidos de exemplares dos 37 tipos de felinos e de mais outros sete grupos de carnívoros, parentes dos felinos, que serviram para comparação. Foram usadas amostras de animais selvagens ou de cativeiro de todos os continentes.

O resultado foi surpreendente mesmo para quem estuda e trabalha com felinos. A equipe descobriu que eles podem ser agrupados em oito grandes linhagens (veja quadro ao lado) a partir de um ancestral comum, que viveu no Sudeste Asiático há cerca de 11 milhões de anos.

Os pesquisadores também viram que apenas dez ondas migratórias foram necessárias para eles se espalharem pelo mundo e que elas divergiram rapidamente. 'É atípico, explosivo. Não podemos afirmar que o mesmo não acontece com os outros grupos de mamíferos, mas não é comum dentro do que conhecemos até hoje', explica Eduardo Eizirik, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e um dos autores do estudo.

A reconstrução da árvore evolutiva dos felinos nunca foi fácil de ser feita, por causa dos poucos fósseis encontrados e da pequena diferença morfológica entre as espécies. Ambos os problemas foram driblados pela análise genética.

A pesquisa também conseguiu mapear quando cada uma das ondas migratórias ocorreu, em quais condições - seguindo a Era do Gelo e outras mudanças climáticas e ecológicas, por exemplo - e quando as espécies surgiram.

A linhagem que deu origem ao gato doméstico apareceu há 6,2 milhões de anos, de um grupo que voltou ao Sudeste Asiático. Ele só foi domesticado há 8 mil anos.
Como comparação, o lobo acompanha o homem há mais tempo, há 15 mil anos.

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Livros...



Extraí esse post de um e-mail para um amigo.


"Andei lendo uns “par” de coisas nos últimos tempos. O mais gostoso de tudo, sem dúvida, foi o último Harry Potter. Li quase de uma só sentada.

Li o último do Rushidie – “Shalimar, o equilibrista” e também o último Le Carré – “Amigos Absolutos”. Bons, mas meio chatinhos, entende. O Le Carré é meio chato mesmo, embora escreva bem e seja interessante. O Salman, agora livre da pena de morte do Khomeini, é um pouco assim, também. Na verdade, há já uns trinta anos que estou mais pras leituras potterianas do que pra proustianas.

Fiquei decepcionado com o último Garcia-Roza – “Berenice procura”. Chocho, sem graça, interessantíssimo como proposta e fraquíssimo como realização. Ao contrário do excelente “Quando nosso boteco fecha as portas” do Lawrence Block, onde conhecemos um Matt Scudder dos velhos tempos, já ex-policial mas ainda bebum de carteirinha. O nosso Garcia-Roza se perdeu um pouco no final e, na minha opinião não abalizada, tentou fazer “literatura” e resgatar, sei lá, aquelas coisas antigas da “obra aberta”, da liberdade para o leitor pensar e escrever seu próprio final e não sei o que mais. Francamente! Se eu quisesse ler esse tipo de coisa me matriculava nas “letras” e faria um pós, depois de concluir o curso. Leitor não quer liberdade pra pensar e compor seu final, leitor quer é solução pronta e de boa qualidade. Fora isso, é coisa pra literatos e bichos-grilo.

Li, também, o último Chrichton – “Estado de Medo”. Curioso, quase todo livro dele é meio “blockbuster”, mas esse andou passando batido pelos resenhadores e editores dos cadernos de cultura. Não é pra menos, o cara faz um ataque brabo contra os ambientalistas salvadores do mundo. O chato de ler esse livro é que, toda hora, você fica tentado a ir pro micro acessar o google e conferir coisas ali escritas. Embora ele escreva mal e meio na base do “rascunhão para roteiro”, seus livros são interessantes pela abordagem a temas científicos de uma maneira gostosa. Esse não foge à linha, mas não caiu no gosto dos formadores de opinião. Duvido muito que vá conseguir financiamento para ser rodado. E se conseguir, duvido muito que consiga um cast minimamente bom e mais ou menos famoso.

Gostei do “A última delegacia”, da Patrícia Cornwell. Muito bom, mas pesado pra burro. Ela continua bonita e ultra-bem-produzida, mas seus livros estão cada vez mais pesados e sombrios. O diabo é que me apaixonei pela pentelha da Kay Scarpetta há muito tempo. O único senão é que esse livro exige a leitura prévia do anterior, não tem como ser diferente.

Ganhei de Natal a última versão – nem é edição – do “Aves Brasileiras”, do Dalgas Frisch, agora bem ampliado e com algumas fotos. Bem legal, consolida os antigos e me permite esquece-los na estante.

Andei lendo mais um e outro, e o gostoso, mesmo, é pegar o Fernando Pessoa da Nova Aguilar e procurar, e descobrir, novas coisas interessantes. Ou reler e repensar velhas conhecidas. Indoutrodia até usei uma citação do Pessoa num texto sobre futebol.

Ao fim e ao cabo, fecho 2005 e “Equador”, do Miguel Sousa Tavares, continua como o livro que reuniu a melhor combinação de gostoso com bom. Gostoso de ler e bom de bem escrito, de ser uma obra que leva o gajo que a lê a pensar. Até o companheiro Zé Dirceu gostou, e citou."


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quinta-feira, janeiro 05, 2006

Começou mal o ano




E tornando esses dias desinteressantes ainda mais, o presidente lulla da Silva foi à tevê, justo no primeiro dia do ano. Que péssima maneira de começar o ano! Não assisti, simplesmente não suporto vê-lo e, muito pior, ouvi-lo. É menos difícil e mais digerível ler as transcrições de suas bobagens nos jornais.

No que me diz respeito, não espero desse presidente nenhum compromisso mais com verdade, ética & outras bobagens burguesas. Confesso que, iludido pelo falatório e pela militância, onde aparentemente podíamos encontrar gente de bem (ainda há gente boa por lá), até acreditei que ele pudesse ser um pouco diferente. Não muito, só um pouco. Mesmo assim, nunca teve meu voto. Os valores democráticos tão e tantas vezes apregoados, nada representam, na verdade, para esse presidente e seus seguidores. São figuras de linguagem, palavras arremessáveis aos ventos, palavras para entrar por um ouvido e sair pelo outro.

Não é o primeiro a agir assim, é claro. Tampouco será o último, infelizmente.

Mas nesse cara (quem diria que um dia eu iria me referir dessa forma ao presidente dessa república, hoje tão apropriadamente chamada Bananão) o que mais me irrita, o que mais me revolta, é a desfaçatez. É o cinismo doentio (aquilo não pode ser normal) que o leva a falar um monte de mentiras e verdades deturpadas, julgando-nos a todos como tolos, bobos, incapazes de pensar e analisar, ignorantes absolutos.

“O mensalão não existe, uma facada nas costas, fui traído”. O autor do crime – A, B ou C – não importa, só importa a traição de que foi “vítima” o senhor presidente. Hum hum... Me engana que eu gosto, Sr. Presidente, o Senhor de nada sabia, mas governa um país com oito e meio milhões de quilômetros quadrados, uns 180 milhões de habitantes, um PIB que gira na casa pobre e recessiva de uns seiscentos bilhões de dólares, tem mais de 30 ministros no seu staff e nada soube, nada viu, nada sabe. Renuncie, então. Nem um caseiro de chácara pode ser tão ignorante sobre o que passa, o que ocorre, o que acontece na área sob sua responsabilidade. Se esse caseiro hipotético for assim, tão... tão... tão incompetente, não dura dois meses no emprego. E Vossa Excelência já adentrou o quarto ano. Francamente!

Sua Excelência me dá nos nervos.

Se me fosse dado o desprazer de poder dirigir-me a ele e formular uma só pergunta, acreditem, não seria sobre nenhum aspecto dessa gigantesca maracutaia, palavra que foi mel em sua boca durante muito tempo, sempre dirigida aos outros, com ou sem razão, mas geralmente sem razão alguma. Minha única e solitária pergunta seria:

- Presidente lulla da Silva, por que sua esposa, a primeira-dama dessa nação, solicitou e conseguiu nacionalidade e passaporte italiano?

Todo o resto para mim é mero detalhe.


Emerson


À guisa de post-scriptum:

1 - na improvável hipótese do senhor ler essas mal digitadas, releia minha sugestão perdida no meio de um parágrafo aí pra trás.

2 - E o senhor, como esposo, já conseguiu também um passaporte italiano? E seus filhos? A Itália é um país belíssimo. Recomendo para moradia a Toscana, onde a paisagem é linda, a comida maravilhosa e os vinhos, dos quais o senhor aprendeu a gostar, não são Romanée Conti, mas são muito bebíveis. Bom, por outro lado, “a nível de” amizades e companhias, quem sabe a Sicília?


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Chove chuva, chove sem parar...



Bom, apesar de tudo ainda é melhor a chuva que a seca. E permite criar música gostosa como essa “Chove chuva” do velho Jorge Ben, hoje Benjor.

Os efeitos negativos da chuva são sempre limitados, geograficamente restritos, ao passo que os efeitos da seca são difusos, se alastram por toda parte.

Claro que falo pensando em lavoura e criação. Não dá para falar isso para a família que teve o barraco ou a casa soterrado por um deslizamento. Ou que perdeu móveis e roupas numa inundação. Tudo isso sem falar nas vidas que se perdem nessas tragédias anunciadas.

Sim, anunciadas. Nada mais anunciado, ano após ano, como as tragédias provocadas pelas chuvas de verão. Por toda parte as autoridades calam-se, acomodam-se e permitem que pessoas ergam barracos ou construam casas em áreas de encostas de alto risco. Não é nem o caso de falar que essas pessoas estão cometendo crimes ambientais em sua maioria, com os quais as autoridades são coniventes. Várzeas são ocupadas, urbanizadas intensamente e inundadas intensamente, mesmo depois de grandes e despropositados investimentos em canalizações, marginais, aprofundamentos de calhas e assemelhados. Toneladas de dinheiro são jogadas fora, literalmente, e não impedem que milhões de toneladas de água e detritos destruam tudo que encontram pela frente.

Há uma mentalidade burra, ignorante e daninha dominante. A mesma, por sinal, que encontro no sítio e arredores, por exemplo. Na manhã seguinte ao Natal eu fui claro a respeito das valetas e bueiros que deveriam ser feitos, ou consertados, ou ampliados. “Ah, mas já choveu muito, agora pára” – deve ter sido o pensamento que dominou o inconsciente do pessoal. Assim, meu alerta foi tomado como exagerado, “não precisa tanto”, tudo isso, repito, de forma inconsciente. Assim sendo, os trabalhos foram feitos numa escala inferior à necessária. O resultado, é claro, foi que a natureza, desconhecendo o fato de “já ter chovido tanto”, deu jeito de fazer chover mais ainda do que já tinha chovido, e com isso ampliou o estrago na pastagem e no canavial. E levou-me a, tal como no dia de Natal, passar o dia de Ano com enxada e pá nas mãos, além das bolhas velhas e outras novas, fazendo remendos, tentando um conserto aqui, fazendo uma nova valeta e um novo bueiro acolá. Toda essa atividade prejudicada fortemente pelos meus 51 anos, vida sedentária, atleta de computador, “mãos de moça” e bolhas nas ditas mãos, sem falar das dores nas costas, na cintura, nas pernas, nos braços... Cruzes, que texto mais horroroso!

Continua chovendo. Breve, teremos tempo seco. Mas não demora muito novas chuvas de verão virão. Não tem jeito, é da natureza, é do tempo, é assim que é e continuará sendo.

E continuaremos ouvindo as autoridades municipais, estaduais e federais a prometer providências. Novos gastos emergenciais serão aprovados. As câmeras das emissoras de tevê mostrarão autoridades visitando áreas de catástrofes, caras compungidas, tristes, e o olhar resoluto e a voz firme ao emitirem as promessas de praxe.

O que eu espero ver diferente é minha cara ao chegar no sítio nas próximas chuvas de verão. Espero ver minha expressão refletindo o estado das terras e lavouras do sítio: placidez, com tudo em seus devidos lugares.

Será que conseguirei tamanho feito?

Tomara, pois quero só sentir o prazer de sempre com a chuva, mesmo que seja chovendo sem parar.


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terça-feira, janeiro 03, 2006

Estrada para o leite



A chuvarada intensa afetou bastante a estrada que usamos para entregar o leite no laticínio.

Todavia, como dizia minha avó, tristeza de uns, alegria de outros. As búfalas estão felizes, têm água à vontade, chove, garoa, chove, chove mais um pouco, o sol fica escondido, e ainda por cima dá pra pegar uma lama legal no corguinho.

A foto mostra a parte boa da estrada, onde estavam as búfalas. A parte ruim estava sem graça.



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Quanta chuva!


Não posso dizer que tenha passado um Natal e Reveillon dos mais brilhantes e animados. Felizmente, no que importa, foi bom: todo mundo com saúde e em paz. Já no Sítio das Macaúbas...

Investi uma boa quantia para formar um belo pasto – um super-pasto, na verdade – de capim-tanzânia, destinado a alimentar as vacas no leite num esquema de rodízio de piquetes. Segui as recomendações ouvidas dos técnicos da Embrapa. Comprei o melhor adubo disponível, em volume até um pouco superior ao necessário. Tampouco economizei nas sementes – plantei, junto, uma leguminosa nativa chamada estilosantes campo-grande. Dada a inexistência nos arredores de plantadeiras a lanço, perdi um bom tempo até conseguir esse implemento. Mas consegui. Com atraso de mais de 30 dias em relação à minha previsão ou desejo, e de mais de 60 dias em relação ao cronograma ideal, o plantio foi feito na manhã da véspera de Natal.

Nem deu tempo de passar o rolo compactador sobre as sementes: choveu. Uma chuva com momentos de força e muito vento, mas uma chuva boa: ela mesma enterrou e compactou as sementes no solo, sem falar da água toda que caiu, num total de 25 mm. Isso do meio para o final da tarde do sábado, véspera do Natal. Mas, à noite, a coisa ficou feia: caíram mais de 50 mm em pancada forte. Foi o bastante para provocar escorrimento de água e a maldita erosão. A enxurrada levou embora solo, adubo e sementes. Como o dia de Natal prometia mais chuvas, passei a manhã e a tarde cavando valetas e bueiros, tentando desviar e conter as águas que descem pela estrada de acesso à minha casa e ao curral. Estradinha pequena e quase plana, mas para água em grande volume o quase plano é mais que suficiente para grandes estragos. Nesse caso sem nada de quase.

Choveu mais um pouco durante a semana. O pessoal deu uma melhorada e aprofundada no meu trabalho com valetas e bueiros. Apesar das minhas recomendações, ficaram aquém do necessário, só pra variar. O resultado apareceu na tarde de sexta-feira, dia 30: uma tempestade brutal que despejou nada menos de 94 mm de água sobre o solo, a maior parte em poucos minutos. Esse número significa 94 litros de água por metro quadrado. Com a violência da tempestade, o volume de água e o curto tempo em que ela caiu, não há como a terra absorvê-la: uma parte escapa, mesmo nas áreas cobertas e protegidas. Nas áreas abertas e com solo desprotegido, a coisa fica feia. E foi nesse cenário que cheguei ao sítio no último dia do Ano da Graça de 2005.

No decorrer desse dia caíram mais uns 70 a 80 mm – o número correto esqueci, está anotado no sitio. E foi sob chuva que o ano amanheceu. Muita chuva. No final da tarde o volume já superava os 80 mm. E choveu durante a noite... E choveu durante a madrugada... E amanheceu chovendo na segunda-feira, primeiro dia útil desse ano.


Bom, nessa altura não há o que fazer, só esperar. Esperar para ver como será a germinação do capim. A partir desse dado decidiremos o que fazer, se replantar toda a área, absorvendo o prejuízo e aceitando o atraso, atraso que vai comprometer o primeiro ano do capim - já que a partir de meados de março começa a diminuir bem a duração de horas de sol, e plantas, capins em particular, dependem muito da duração da luz solar para se desenvolver – ou se aproveitamos a germinação que vier e tentamos corrigir as falhas criadas pelas chuvas. Em qualquer caso, despesas e atrasos, atrasos que gerarão, obviamente, mais despesas.

Estou fazendo um drama do meu pastinho, uma reles área com 1 hectare apenas. Mas só nessa área, entre horas de trator nas diversas operações de preparo do solo, medição de nível feita pelo agrônomo (e que foi estragada pelo primeiro tratorista, o que veio, também, a comprometer todo o plantio, e isso é uma outra história), adubos e sementes, a conta já foi bem além dos mil reais. Para um cara como eu que vem tentando sobreviver a alguns anos seguidos de depressão econômica, é um valo brutal e que faz falta.

O valor perdido, porém, não é o maior prejuízo. Este é a perda do solo em si, perda que não é mais grave porque não escorre para um curso d’água, ficando retido por um cordão de capins e arbustos que separam a área cultivada da área de mata que cerca as nascentes. E alguma coisa que escape é detida pelo emaranhado de raízes e a cobertura de folhas e galhos que recobre o chão da mata. Dos males o menor, portanto. Mas não deixa de ser triste e deixar-me borocochô.


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